Revista Casa Marx

Em busca da forma atual da revolução permanente

Juan Dal Maso

Síntese e primeiras conclusões da oficina "Teoria da Revolução Permanente: em direção a uma formulação ampliada". Publicado originalmente em espanhol na edição do dia 23/03/2024 do semanário Ideas de Izquierda Argentina.

De 18 de fevereiro a 11 de março, realizamos na Casa Marx de Neuquén este workshop de reflexão e debate sobre a teoria da revolução permanente (TRP), do qual participaram também – de forma virtual – companheiras e companheiros de todo o país, assim como da Bolívia, Chile, Estados Unidos, França, Guatemala, México, Uruguai e Venezuela.

A oficina foi estruturada seguindo os eixos apresentados neste artigo, mas com uma bibliografia mais ampla para tentar aprofundar cada tema. No campus virtual da LID, você pode acessar o programa, a bibliografia e os vídeos de cada encontro.

A seguir, vamos recapitular algumas das principais discussões que realizamos durante a oficina, assim como oferecer algumas conclusões provisórias.

Considerações gerais sobre o marxismo, a formulação de teorias e a TRP

A formulação de teorias é uma característica comum entre o marxismo e as ciências. Para os interesses de nossa oficina, propusemos refletir sobre a questão das teorias em dois níveis: sua relação com a realidade (dimensão teórico-prática) e suas partes componentes, alcances, lógica interna e relação com o contexto, temas que são abordados a partir da epistemologia e/ou da história da ciência, dependendo dos enfoques. No nosso caso, nos propusemos considerar ambas as dimensões para refletir simultaneamente sobre a atualidade da TRP no mundo de hoje, assim como sobre suas partes componentes, alcances e lógica interna, em relação às quais tentamos oferecer uma releitura, em função dessa relação entre a TRP e a realidade atual.

Segundo o que foi apresentado por Trotsky em suas “Teses fundamentais” da TRP (1929-30), essa teoria abrange três níveis: 1) A relação entre revolução democrático-burguesa e socialista nos países coloniais, semicoloniais, periféricos e de desenvolvimento burguês atrasado. 2) A relação entre a escala nacional e internacional da revolução socialista como tal. 3) As transformações na sociedade de transição ou pós-revolucionária.

Das questões conceituais envolvidas na TRP, uma que devemos considerar como central é a da “transformação” da revolução, pois une esses três níveis mencionados, mas também porque – no âmbito de uma crítica a qualquer tipo de teoria da revolução com etapas predeterminadas – estabelece uma plasticidade do processo revolucionário que pode nos ajudar a pensar em múltiplas combinações originais possíveis das diversas vertentes apresentadas nas teses: por exemplo, algo que discutimos no segundo encontro e que retomaremos mais adiante: a relação entre demandas democráticas e socialistas, não na periferia, mas nos países metropolitanos, como parte da mecânica interna do processo revolucionário. Por sua vez, as teses combinam descrição e prescrição, ou seja, pretendem dar conta de um estado de coisas ou processo e, ao mesmo tempo, propor um curso político de ação (sobre isso voltaremos mais adiante).

Assim como o marxismo tem em comum com as ciências a formulação de teorias, os problemas epistemológicos do marxismo, incluindo a teoria da revolução permanente, são, em princípio, os mesmos das ciências sociais: Estuda regularidades independentes dos sujeitos ou ações dos sujeitos que – em razão de suas motivações, ideias, decisões – não podem ser compreendidas por meio de leis ou regras gerais? Caso seja possível estabelecer regularidades, elas têm caráter de leis ou implicam formas de regularidade mais frágeis? Como a ação dos sujeitos modifica essas regularidades? Pode-se realizar algum tipo de verificação empírica das hipóteses, mesmo que não seja por meio de experimentação artificial e controlada? Embora não exatamente nesses termos, alguns desses problemas são discutidos ou pressupostos nos textos que trabalhamos no primeiro encontro.

Questões de balanço histórico e conclusões teóricas

Os trabalhos que discutimos no primeiro encontro realizam diferentes recapitulações sobre a teoria da revolução permanente durante o século XX, cada uma delas vinculada às diversas problemáticas sobre as quais falamos na seção anterior. Trata-se de “A era da revolução permanente” de Isaac Deutscher, “León Trotsky como teórico”, capítulo 4 do livro “Filosofia e Revolução” de Raya Dunayevskaya, o “Epílogo” de Perry Anderson a “Considerações sobre o marxismo ocidental” e o capítulo 2 de “Hegemonia e estratégia socialista” de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. Em um caso, discute-se a atualidade da teoria, mas substituindo seu sujeito, como faz Deutscher, que afirma que o século XX será visto pela posteridade como a era da revolução permanente, mas que o campesinato (organizado por exércitos guerrilheiros) desempenhou o papel que Trotsky havia atribuído à classe operária como sujeito revolucionário (entre outras questões). Em outro, questiona-se o alcance da teorização de Trotsky como tal, como faz Dunayevskaya ao contrapor a elaboração da TRP com a proposta de um discurso filosófico populista sobre o sujeito que luta a cada momento. Perry Anderson, por sua vez, faz uma espécie de objeção “falsacionista”: a TRP nunca foi confirmada, pois durante a segunda pós-guerra houve revoluções antiimperialistas (Argélia) e agrárias (Bolívia) que não foram socialistas, assim como na Índia se estabeleceu uma democracia burguesa estável. Por fim, Laclau e Mouffe, distantes da questão da correspondência da teoria com a realidade, questionam a “narrativa” da centralidade operária própria da TRP, a partir da proposta de uma revolução democrática com um sujeito popular democrático.

Junto com a discussão de cada um desses posicionamentos, recuperamos a ideia de Deutscher do século XX como “era da revolução permanente”, para verificar até que ponto ela se mantém válida atualmente. Em primeiro lugar, destacamos que a leitura do grande biógrafo de Trotsky era acertada, mas parcial: o século XX foi a era da revolução permanente, mas também a era da burocratização, da política de massas e das restaurações, com o imperialismo como pano de fundo. A leitura de Deutscher, em muitos pontos aguda, mas em outros marcada por um forte objetivismo, subestimou certos aspectos dos processos da pós-guerra, especialmente a questão da revolução passiva e as restaurações nas próprias revoluções de pós-guerra (veja a esse respeito este artigo), além de semear expectativas tanto em Krushov quanto no maoísmo. Por outro lado, sendo um artigo de 1964, devemos considerar os acontecimentos posteriores do século XX, especialmente a queda da URSS, e nesse contexto pode-se traçar um balanço do século XX muito mais dividido entre a revolução permanente, a burocratização, a revolução passiva e as restaurações. A partir dessa visão mais ampla do século XX, propomos também que o “falsacionismo de ocasião” de Perry Anderson ignora o fato de que a TRP não sustenta que soluções parciais para as demandas democráticas sejam impossíveis; que o “populismo filosófico” de Dunayevskaya se concentra nos sujeitos, mas subestima a importância da teorização dos vínculos entre ação subjetiva e estruturas objetivas; E que Laclau/Mouffe, que rivalizam com a leitura de Trotsky (e a de Deutscher) ao afirmar que estamos na “era da revolução democrática”, acabam caindo em uma concepção objetivista da história com fins preconcebidos, diametralmente oposta ao que declaram em termos de romper com o “essencialismo”.

Sobre a noção de “ampliação” da teoria

No segundo encontro, debatemos sobre elaborações de Trotsky posteriores à formulação das “Teses fundamentais” da TRP, que propus a considerar como ampliações dessa teoria. Neste caso, o termo “ampliação” se refere a três questões: 1) A incorporação de problemas que não estão especificamente colocados nas “Teses fundamentais”, mas que podem ser considerados contidos nos níveis de análise abrangidos por elas; 2) O aprofundamento de problemas que estão colocados, mas não desenvolvidos em detalhes nas “Teses”. Em ambos os casos, trata-se de elaborações complementares e não contraditórias com as diretrizes gerais da teoria construída anteriormente. 3) Essas elaborações implicam, por sua vez, uma ampliação do poder explicativo da teoria e de seus alcances, particularmente no que diz respeito às transições anteriores e posteriores à revolução, em consonância com a recuperação da noção de transformação da revolução que realizamos acima.

Generalização da dualidade de poderes

A primeira ampliação que destacamos é a que Trotsky realiza em sua História da Revolução Russa (1931-32) a respeito da dualidade de poderes. Isso é importante por várias razões. Tanto em Balanços e Perspectivas quanto em 1905 e em A Revolução Permanente, ele leva em conta o problema dos sovietes como uma nova forma de democracia criada pela classe operária. No entanto, nas “Teses Fundamentais” que explicam o que é a revolução permanente, não há referência à questão dos sovietes. Esclarecimento lateral: a “generalização” não deve ser entendida de forma “empirista”, ou seja, não é que Trotsky tenha tomado dois ou três casos em que houve dualidade e os tenha generalizado de forma indutiva e ingênua, mas parte da hipótese da universalidade da dualidade de poderes nas revoluções a partir do caso russo, buscando depois justificá-la com exemplos históricos, como já analisamos neste artigo.

Ao lançar a hipótese de generalização da dualidade de poderes para todas as revoluções, Trotsky destacou dois problemas fundamentais que também implicam na relação entre a revolução democrático-burguesa e socialista, mas que valem, ao mesmo tempo, para as revoluções em países centrais, que seriam diretamente socialistas: 1) Antes da revolução, a classe trabalhadora precisa construir hegemonia sobre todas as camadas sociais oprimidas, e isso inclui uma nova forma de organização democrática das massas; 2) Nesses momentos ocorre uma “situação contraditória de Estado” na qual coexistem dois poderes de signo oposto, uma questão central para vincular as lutas sociais e políticas anteriores à revolução com a revolução em si (caso contrário, ela ficaria como um evento messiânico). Com essa generalização, Trotsky recupera a questão do poder auto-organizado da classe trabalhadora que está em seus textos centrais sobre a questão da revolução permanente, mas que, possivelmente por razões de economia argumentativa, não aparece nas “Teses Fundamentais” de 1929-1930. Ao mesmo tempo, ele oferece uma maior concretude para pensar a forma do processo revolucionário contemporâneo de maneira geral, estabelecendo certas formas comuns entre a revolução na periferia e a revolução no centro, e reforçando o caráter geral da TRP (como teoria da revolução contemporânea e não apenas da revolução em países periféricos, semicoloniais ou coloniais). Ressaltamos, também, no curso da discussão, que as condições para uma dualidade de poderes em “Ocidente” não são exatamente as mesmas que na periferia, devido ao maior peso relativo do Estado.

O programa democrático-radical e suas possíveis implicações teóricas

A segunda ampliação que destacamos tem a ver com a questão das demandas democráticas, que nas teses de 1929-30 são democrático-estruturais, ou seja, a revolução agrária e a independência nacional. Destacamos em particular o texto “Um Programa de Ação para a França” (1934). Trotsky fez uma ampliação em dois sentidos: 1) Recuperou as demandas democrático-radicais para os países centrais. Diante do crescimento do fascismo e da consequente ideologia de defesa da democracia por parte do reformismo, ele incorporou com força essas demandas, ao afirmar, para o caso da França em 1934, que aqueles que quisessem defender a democracia deveriam fazê-lo com os métodos da Convenção Jacobina e não com os da IIIª República, incorporando as clássicas medidas daquela, retomadas pela Comuna de Paris. 2) Indicou que essas demandas eram uma forma de avançar em uma relação de forças mais favorável para a luta pelo poder operário.

Aqui, é importante destacar que Lenin, em O Estado e a Revolução, fez uma leitura mais radical que Trotsky sobre essas formas de democracia. Lenin pensava que era “evidente” que essas formas de organização política eram uma transição para uma democracia proletária. A explicação pareceria estar no igualitarismo, dado que uma forma política verdadeiramente igualitária é incompatível com a divisão de classes. Além disso, ao estabelecer a revogabilidade dos representantes e seu controle permanente pelas bases, essa democracia jacobina e da Comuna implica uma mudança na concepção de intervenção da classe trabalhadora e do povo na tomada de decisões, mais próxima da unidade de cidadão e produtor própria da democracia dos conselhos do que da concepção delegativa do parlamentarismo burguês.

Portanto, se tomarmos as considerações de Lenin e as somarmos aos argumentos de Trotsky, as propostas de “Um Programa de Ação para a França” implicam uma ampliação dos alcances da questão democrática em dois sentidos: 1) Propõem um papel das demandas democrático-radicais “formais” na transformação da luta de massas contra o fascismo (ou as políticas reacionárias) em uma luta pelo socialismo. 2) Propõem formas de democracia que não são exatamente as soviéticas, mas que implicam um passo em direção a elas. Aqui, é preciso observar uma última questão, mas a mais importante em conteúdo. Essa revalorização do programa democrático-radical para a revolução no Ocidente serve para pensar, se a levarmos a um plano de maior abstração teórica, a mecânica da revolução permanente não na periferia, mas nos países metropolitanos. Ou seja, o que propomos não é incorporar esse programa em si mesmo como parte da teoria, mas tomá-lo como uma pista para pensar o problema da mecânica da revolução permanente em “Ocidente” (questão que não é abordada nas teses, salvo alguma indicação genérica sobre tomada do poder e construção do socialismo). Podemos acrescentar que a “ocidentalização” de boa parte da periferia capitalista (com enormes desigualdades e contradições), sem deixar de lado as diferenças do tipo de revoluções na periferia e no centro, impõe-lhes certos traços comuns, reforçados pela crise da democracia burguesa e o crescimento das tendências bonapartistas por um lado e a falta de um horizonte socialista nas massas, por outro. Em síntese, a mecânica da revolução permanente no Ocidente implica na conquista da hegemonia com base na minação da confiança das massas na democracia burguesa, de modo que, embora as tarefas da revolução sejam diretamente socialistas, o caminho até ela inclui fortemente as demandas democrático-radicais, assim como a construção de organismos de poder operário e popular.

Teoria da burocratização e revolução política

A terceira incorporação envolve tanto a questão da relação entre os aspectos nacional e internacional da revolução, quanto o processo de transição pós-revolucionária. Refiro-me à sua teoria sobre a burocratização da URSS, composta por diversas conceituações fundamentais: a definição de sua economia como uma economia de transição entre o capitalismo “atrasado” russo e o socialismo futuro (ou seja, uma fase anterior às duas famosas fases inferior e superior do comunismo indicadas por Marx em sua Crítica do Programa de Gotha), o apontamento do caráter dual do Estado soviético (“socialista” na medida em que “defende a propriedade coletiva dos meios de produção” e “burguês” na medida em que “a distribuição dos bens é feita por meio de medidas capitalistas de valor”), as periodizações sobre o Termidor e o bonapartismo soviéticos (com base na distinção entre regime social e regime político) e a formulação de um programa de revolução política para deslocar a burocracia e estabelecer uma democracia operária multipartidária, junto com a recuperação da perspectiva internacionalista. Está mais ou menos aceito na tradição trotskista que é uma elaboração, se não parte, ao menos complementar com a TRP, razão pela qual não entraremos em maiores detalhes.

Ampliação arbitrária?

Além de discussões pontuais (por exemplo, sobre se o programa democrático-radical é realmente transicional para uma democracia proletária ou não, especialmente porque a consigna de Assembleia Constituinte é característica da democracia burguesa), várias das dúvidas ou debates que surgiram têm a ver com duas questões: 1) Por que escolher estas e não outras elaborações para considerá-las ampliações da TRP? 2) Como sabemos se essa operação teórica está justificada e não é arbitrária? Sobre a primeira questão, a resposta é que essas elaborações, algumas teóricas e outras não têm, em todos os casos, implicações relativas à TRP, no que diz respeito à mecânica do processo revolucionário contemporâneo, tanto em linhas gerais quanto em questões específicas. A generalização da dualidade de poderes apresenta uma característica para as revoluções contemporâneas que é de extrema importância para pensar sua mecânica. A revalorização das demandas democrático-radicais coloca uma relação específica entre estas e a luta pelo socialismo, o que permite pensar a forma que assume o processo de revolução socialista no Ocidente (embora suas tarefas sejam diretamente socialistas e não “democrático-estruturais”, exceto pela libertação das colônias que alguns países centrais ainda mantêm, como a própria França [1]) e a teoria da burocratização torna muito mais concretas as questões do caráter internacional da revolução e do processo de transformação na sociedade pós-revolucionária. Tudo isso, reiteramos, levando em conta que se incorporariam com mais força na teoria, em sintonia com a noção de transformação da revolução própria da TRP, as transições anteriores e posteriores à própria revolução. Em princípio, essas ampliações são compatíveis com as linhas principais da TRP. Por outro lado, precisamos pensar se essas ampliações aumentam ou não o poder explicativo da TRP. Minha posição é que sim, porque tornam mais concreto, mais rico e mais complexo seu objeto de estudo, ao mesmo tempo em que oferecem maiores explicações sobre os processos envolvidos nos níveis que a teoria abrange, além de permitir fazer previsões sobre a forma que os processos revolucionários podem assumir na atualidade, incorporando mais claramente questões que dizem respeito aos momentos anteriores à própria revolução, que impõem um trabalho de preparação intenso e complexo.

Revolução permanente e hegemonia

Após debatermos o balanço do século XX como sendo a era da revolução permanente, mas também do imperialismo, da burocratização e das restaurações, e as elaborações de Trotsky posteriores às “Teses fundamentais” de 1929-30, no terceiro encontro abordamos outra questão relacionada com a ideia de ampliação da TRP: sua relação com a teoria da hegemonia elaborada por Gramsci.

Apontamos diversos pontos de contato. Ambas as concepções buscam que as lutas sociais, econômicas e democráticas se transformem em lutas pela revolução socialista. Em ambos os casos, há uma reflexão sobre o problema da transição pós-revolucionária. Quanto à questão da dinâmica internacional, o tema é mais complicado, porque Gramsci considera o “socialismo em um único país” como algo taticamente necessário e tenta conciliá-lo com uma perspectiva internacionalista, que ele denomina de “novo cosmopolitismo”.

Por sua vez, Gramsci usa o conceito de revolução permanente, mas rejeita a teoria da revolução permanente de Trotsky em sua versão de 1905 (que é a que ele conhece), dizendo que Lenin a colocou em prática sem a “coisa abstrata” que, segundo ele, estava presente na teoria de Trotsky. No entanto, existem vários aspectos que a reflexão gramsciana sobre a hegemonia pode contribuir para uma teoria da revolução permanente. Vejamos.

1. Gramsci expõe como ambos os conceitos nascem juntos na história das revoluções modernas: os jacobinos são simultaneamente a expressão de uma política hegemônica (forçam a burguesia a colocar-se à frente de todo o povo) e de revolução permanente (levam o processo revolucionário muito além do que a burguesia pretendia, embora também tenham seus limites de classe, por exemplo, defenderam a Lei Le Chapelier que impedia a organização operária).

2. Para Gramsci, a fórmula da revolução permanente sintetiza todo um período histórico, especialmente da história francesa, caracterizado pela fluidez das relações sociais e políticas e pela primazia do movimento de luta de classes sobre as formas de organização das classes e sobre as tentativas estatais de controlá-lo. Sobre esse tema, surgem certos matizes na periodização, porque Gramsci nem sempre periodiza da mesma forma, mas podemos considerar que o central de sua proposição destaca dois processos que convergem: um interno, no qual a democracia jacobina é substituída pelo regime liberal parlamentar, baseado na desmobilização das massas, e outro externo, que é a constituição da economia mundial em direção à formação do imperialismo, o que modifica a relação do Estado nacional com esta. Posteriormente, no quadro da crise da democracia liberal, a guerra e a revolução, ambas as questões convergem em uma reconfiguração das realidades nacionais, caracterizadas pela emergência de movimentos operários massivos (Gramsci chama isso de “fenômeno sindical”) e tentativas estatais para contê-los (“Estado integral” e “revolução passiva”). Por essas razões, Gramsci considera que a hegemonia é a “forma atual” da revolução permanente, ou seja, a forma como a revolução permanente tem sua continuidade nas condições históricas da política de massas e nas tentativas de colocar novamente as massas sob a órbita do Estado, por meio da burocratização e das restaurações. Daí, a centralidade da “guerra de posições”, que expressa, basicamente, que os tempos da revolução são mais longos e complicados do que no período anterior.

3. Essa ideia da “forma atual” serve para pensar como é a mecânica da revolução permanente no “Ocidente”. Lembremos que indicamos que a TRP não é apenas uma teoria da revolução na periferia, mas nas “Teses fundamentais”, a questão da mecânica interna em escala nacional é trabalhada em relação aos países coloniais e semicoloniais, embora não aos metropolitanos. Como Gramsci está pensando o problema da revolução permanente na Europa Ocidental e suas possíveis continuidades em um novo contexto, podemos nos apoiar em suas reflexões para pensar como é a mecânica da revolução permanente nessa área (o que pode ser estendido em diversos aspectos aos países periféricos “ocidentalizados” sem perder suas especificidades). No capítulo IV de O marxismo de Gramsci, que tomamos como bibliografia para este terceiro encontro, isso é colocado em termos da tarefa de desagregação da hegemonia burguesa e desenvolvimento de uma hegemonia operária como condição para o triunfo da revolução.

4. Em Trotsky há muitas reflexões específicas e concretas sobre os caminhos para a revolução na Europa Ocidental que servem para pensar esse tema. Mas, assim como com as elaborações que discutimos no encontro anterior, não estão sistematizadas explicitamente como parte da TRP. Em muitos aspectos, são reflexões coincidentes com os problemas que Gramsci vê: necessidade de uma acumulação de forças maior para enfrentar formações estatais e paraestatais mais sólidas que na Rússia, luta pela Frente Única e a independência dos sindicatos diante do fenômeno da estatização sindical, utilização de demandas democrático-radicais como forma de minar a confiança das massas na democracia burguesa (já mencionada), comitês de fábrica e comitês de ação como formas elementares de auto-organização; reflexões sobre a relação entre insurreição e guerra civil, etc.

Se ligarmos essas reflexões com as de Gramsci, podemos ter uma ideia mais clara sobre a mecânica da revolução permanente no Ocidente, incorporando, como destacamos no encontro anterior, a questão do desenvolvimento pré-revolucionário como parte do processo. Nesse contexto, utilizamos a ideia de Gramsci de hegemonia como “forma atual” da revolução permanente para pensar a hegemonia como mecânica da revolução permanente no “Ocidente”. Mas também extraímos dela o conceito de “forma atual”, para indicar que a forma atual da revolução permanente em nosso momento histórico específico não necessariamente coincide com a que Gramsci pensou em seu contexto e deve ser determinada de maneira concreta em relação à nossa realidade.

No intercâmbio surgiram diversas questões. Uma delas é qual é a relação entre revolução passiva e contrarrevolução. Destacamos que, originalmente, Gramsci analisou o fascismo em termos de contrarrevolução, mas também que nos Cadernos do cárcere ele se perguntava se o fascismo não seria uma revolução passiva por duas razões: a modernização econômica que implementou e a organização estatal em escala nacional em corporações operário-patronais. Daí que a possibilidade de pensar o fascismo simultaneamente como contrarrevolução e como revolução passiva tem a ver com essa ambivalência e por isso Gramsci também faz essa pergunta, mas não afirma taxativamente a definição do fascismo como revolução passiva. O mesmo ocorre com o fordismo e o americanismo. Em síntese, a revolução passiva não é contrarrevolução, embora esses termos não se contrapõem necessariamente e possam se combinar (também se mencionou durante a oficina sobre a ditadura de Pinochet no Chile). Por outro lado, como apontou Fabio Frosini em uma conversa que tivemos com ele em 2017 em Madrid, revolução permanente, revolução passiva e hegemonia são três conceitos que devem ser pensados juntos, especialmente do século XX em diante, porque – como já vimos – a dinâmica da luta de classes envolve esses três problemas. Daí que o aprofundamento das reflexões sobre as conexões entre as teorias de Trotsky e Gramsci seja fundamental também por esse motivo.

Outra questão abordada foi a relação entre hegemonia e guerra de posição. Por um lado, ficou claro que a guerra de posição, na visão de Gramsci, não é apenas defensiva. De fato, a luta pela hegemonia é algo muito ofensivo, que implica buscar que se desintegre um bloco social dominado pela burguesia e que as classes e camadas populares se agrupem em torno da classe operária. Em relação aos diversos momentos da elaboração carcerária sobre a relação entre guerra de posição e guerra de manobra, remetemos a este artigo, que sintetiza o que foi exposto sobre isso em Hegemonia e luta de classes, recuperando especialmente as observações de Gramsci sobre a questão na experiência do Risorgimento e sua utilidade para pensar o problema em termos gerais. Destacamos também que o mais importante do que Gramsci diz é que para qualquer uma das duas formas de luta, que não são escolhidas, mas impostas pelas circunstâncias, o que é necessário é uma força organizada disposta ao combate e que possa ser mobilizada quando necessário. Então, o partido precisa ter uma estrutura forte, precisa estar ligado às massas e se, ao contrário, não tiver organicidade, não poderá influir, independentemente da forma de luta que reivindique em termos ideais. É necessário o desenvolvimento de uma força combativa, militante, que deve ter projeção estrutural, territorial e político-ideológica. Para aprofundar sobre a questão da guerra de posição, esclarecemos que ela também não consiste em uma acumulação gradual de cargos parlamentares e sindicais, como erroneamente sugere Perry Anderson em As antinomias de Antonio Gramsci, equiparando-a à “guerra de desgaste” kautskiana, o que fica claro no relatório de Athos Lisa sobre as conversas de Gramsci com os prisioneiros comunistas na prisão. Nesse contexto, ressaltamos a importância do desenvolvimento de um partido com centros de gravidade nos locais de trabalho e estudo, que não organize apenas sua militância e simpatizantes em termos de uma adesão política individual, mas também e, sobretudo, por meio de frações nas organizações de massas e seja capaz de desenvolver sistemas de engrenagens para que sua política influencie o curso da luta de classes. Debatemos também sobre a relação entre a dualidade de poderes, a guerra de posição e a guerra de manobra. Embora seja um tema a ser aprofundado, diante da pergunta se a dualidade de poderes é guerra de posição ou guerra de manobra, uma primeira resposta possível é que a dualidade de poderes é uma situação e não uma forma de luta e, portanto, não implica automaticamente nem uma nem outra.

Por fim, recuperamos a atualidade da greve geral política como forma de luta específica da classe operária contra as posições revanchistas, ao mesmo tempo que tentamos investigar seu potencial e limitações estratégicas, do ponto de vista de que – como dizia Trotsky em Para onde vai a França – a greve geral política coloca o problema do poder, mas não o resolve. Daí que, embora seja fundamental dentro de uma estratégia operária, não esgota o conjunto da mesma e, portanto, se coloca sua articulação com as problemáticas que estamos discutindo: desenvolvimento de organismos de poder operário e popular, combinação de guerra de posição e de manobra, luta pela hegemonia e estratégia de poder. Resgatamos, por sua vez, o conceito de “forma atual”, para investigar o problema da hegemonia tal como ele se apresenta hoje. Destacamos que viemos de muitas décadas nas quais a classe operária passou por uma crise como sujeito político, embora esteja superestendida como sujeito social. Do ponto de vista social, a classe operária é muito maior hoje do que na época de Marx. Mas ela tem um nível de fragmentação, não apenas nas condições de trabalho, mas também subjetiva, que é um obstáculo relativo, tanto para a unidade da classe operária quanto para que a classe operária tenha uma política hegemônica. Por isso, atualmente, a unidade da classe operária e a política hegemônica estão muito mais entrelaçadas, embora não percam seus contornos específicos. Uma política hegemônica passa por tentar liderar a classe operária em direção a outros setores sociais oprimidos, ao mesmo tempo que essas políticas são necessárias para a unidade da classe. Não se trata – como pensaram Laclau e Mouffe – de um discurso político em si mesmo, mas de ligar o discurso político com forças reais, com a construção de uma relação de forças, com a conformação de uma força material que possa influenciar a realidade. Em síntese, a hegemonia implica hoje as duas dimensões, a unidade da classe e a unidade com os movimentos, que antes eram questões mais claramente separadas.

A TRP não está em um único livro nem em um único livro de Trotsky

Todo o desenvolvimento das discussões que fizemos neste seminário serve de fundamento para a afirmação que precede. A teoria da revolução permanente, formulada primeiro em Balanços e perspectivas para o caso russo e depois em sua versão geral em A revolução permanente, não se resume ao conjunto de enunciados contidos nesses trabalhos, nem à síntese colocada em prática por Trotsky nas “Teses fundamentais”. Vimos que há pelo menos três desenvolvimentos teórico-políticos posteriores realizados por Trotsky que são complementares à TRP e que, se incorporados como parte dela, enriquecem a teoria. Voltemos a esclarecer algo que tem a ver com algumas discussões epistemológicas. Recordemos os níveis ou leis principais da TRP: a relação entre revolução “democrático-burguesa” e socialista; a relação entre revolução em escala nacional e internacional e as transformações na sociedade posterior à revolução. Os aspectos que tomamos como ampliações da teoria não acrescentam outros níveis distintos desses três, mas dentro desses níveis, contribuem com maiores graus de concretização de diversos aspectos, alguns já apresentados de maneira específica e outros não, mas em todos os casos ficam contidos nesses três níveis. Podemos falar, no entanto, em ampliação, porque não muda o objeto de estudo da teoria, mas torna-se mais rico, incorporando aspectos que não estão nas versões anteriores com o mesmo nível de desenvolvimento. Ou seja, não estamos incorporando mais níveis, mas também não hipóteses acessórias para sustentar exatamente as mesmas conclusões, e sim incorporando outros aspectos que podem servir para tornar a teoria como um todo mais completa e operativa em nossa época. A questão de que as contribuições pontuais às quais nos referimos não têm necessariamente os mesmos níveis de generalidade entre si nem em comparação com as três leis principais da TRP é secundária. A partir da estrutura geral da TRP, é possível incorporá-las, dando-lhes maior projeção teórica e integrando-as. Isso se refere à própria obra de Trotsky e às contribuições posteriores à A revolução permanente, que comentamos no segundo encontro.

Em relação à teoria da hegemonia, trata-se de outro procedimento vinculado à noção de “ampliação” da TRP. Partimos da formulação clássica de Trotsky e suas ampliações posteriores, e ao mesmo tempo buscamos incorporar elaborações provenientes de outros lugares com o objetivo de aumentar o poder explicativo da teoria. Neste caso, trata-se de tentar precisar melhor em que consiste a mecânica da revolução permanente no Ocidente, como já destacamos, questão que aparece em numerosos escritos político-estratégicos e teórico-políticos de Trotsky (como suas análises sobre as revoluções e processos políticos europeus, a questão da estatização sindical, o fascismo, etc.), mas Trotsky não a vinculou de forma explícita à TRP. Assim, trata-se de uma ampliação em sentido duplo: dentro da própria obra de Trotsky e fora dela, mas sempre a partir do quadro teórico fundamental da TRP e buscando enriquecê-lo. Nesse mesmo sentido, resgatamos o conceito de “forma atual” tanto para a hegemonia quanto para a revolução permanente (como processos e não como teorias, embora isso também deva ser feito teoricamente).

Teoria, descrição e prescrição: a atualidade da TRP em debate

Entenda-se bem, quando dizemos que a atualidade da TRP está em debate, não estamos dizendo que ela não tem validade. O que essa afirmação quer dizer é apenas que as dinâmicas típicas, clássicas ou virtuosas previstas por essa teoria não coincidem com os processos atuais. Aqui, é importante, precisamente por essa circunstância, a diferença entre prescrição e descrição. A prescrição refere-se a uma vontade prática (no nosso caso, a realização da revolução socialista com uma estratégia própria do proletariado). A descrição busca dar conta de um estado de coisas ou processo que é, não necessariamente no seu desenvolvimento, mas sim em sua existência, independente dessa vontade. Considerando essa distinção, a TRP é irrepreensível do ponto de vista prescritivo, salvo se alguém for a favor de alianças com a burguesia nacional, com a socialdemocracia, com o stalinismo ou com o capitalismo em geral. No entanto, do ponto de vista descritivo, o tipo de processos para os quais essa teoria foi pensada não são os que ocorrem em nossa realidade. Essa circunstância obriga a repensar a questão da atualidade da TRP para rearticular ambas as dimensões (prescritiva e descritiva) em relação à realidade dessa época. Voltamos, então, ao problema da “forma atual”, para o qual é necessário considerar a questão das “formas elementares”.

Formas elementares, mecânica e determinação da forma atual da revolução permanente

A noção de “formas elementares” da revolução permanente tem a função de identificar, em um contexto onde as dinâmicas clássicas previstas pela TRP (Teoria da Revolução Permanente) não se realizam, quais seriam as práticas ou processos que, se desenvolvidos, influenciariam a luta de classes a adotar uma dinâmica de revolução permanente. Já havíamos identificado essas formas elementares como independência de classe, antimperialismo e política hegemônica; auto-organização e programa democrático-radical e luta ideológica e conformação de um tecido político-cultural. Essas “formas elementares” possuem uma certa ambivalência: algumas vezes podem ocorrer independentemente do que fazemos, mas são questões fundamentais de nossa própria prática, ou seja, essas formas elementares oscilam entre o aspecto prescritivo e o descritivo, e como já dissemos, precisamos alinhar esses dois aspectos.

Uma hipótese possível – que propusemos no artigo já citado – seria que a “forma atual” da revolução permanente consiste em sua redução às suas “formas elementares”. Isso implica que a atualidade da TRP passa por identificar e desenvolver essas formas elementares, de modo que os processos recuperem a forma permanentista prevista na mecânica típica ou virtuosa da TRP. Outra opção para analisar esse problema é a que propõe Fabián Puelma neste artigo : a transformação da revolta em revolução socialista como “forma atual” da revolução permanente. São leituras complementares, pois a segunda pressupõe a primeira. A diferença está no fato de que a primeira foca nas formas elementares e a segunda nos processos (cujo desenvolvimento implicaria que essas formas elementares se transformassem em formas plenas).

Neste último encontro, ocorreram diversos debates que, por sua vez, serviram para realizar um primeiro balanço da oficina. De forma geral, a maioria das intervenções concordava na necessidade de repensar tanto a atualidade da TRP como teoria quanto a “forma atual” da revolução permanente como processo, e nesse contexto, a pertinência de pensar nas possíveis ampliações da teoria. Aqui surgiram diversas discussões sobre a relação entre revolta e revolução e em que medida seria possível supor que o ciclo das revoltas foi superado e que, no futuro, ocorreriam processos com maior influência operária, como foi, por exemplo, a recente luta contra o autogolpe na Coreia do Sul. Embora o tema tenha permanecido em aberto, parecia em um primeiro momento que as tendências “revoltistas” seguirão presentes, juntamente com uma maior influência operária em certos processos, e que ambas as tendências simultâneas darão origem a combinações originais e diversas. Também debatemos sobre a questão da heterogeneidade da classe operária atualmente e sua incidência na forma atual da revolução permanente, tomando como uma possível hipótese dentro desse contexto que a conquista da unidade da classe é mais difícil do que no momento da elaboração da TRP por Trotsky, mas que, uma vez alcançada, as possibilidades de dinâmicas permanentistas serão maiores.

Surgiu também a necessidade de revalorizar a questão do partido (estreitamente vinculada com as “formas elementares” às quais nos referimos anteriormente), tanto nos termos das “Teses fundamentais” quanto em relação às modificações no tratamento do problema desenvolvidas por Trotsky nos anos 30. Aqui, destaco particularmente as formulações de “Classe, partido e direção”, que tornam mais complexa e precisa a proposta geral sobre o papel do partido em relação à formulação mais genérica apresentada nas “Teses fundamentais”. Por fim, debatemos sobre como pensar as formas elementares da hegemonia e as da revolução permanente, ou seja, como a classe se torna sujeito e como adquire preponderância sobre outros setores sociais com interesses convergentes, uma questão estreitamente relacionada com os desafios que nossa própria prática nos impõe, como colocaram diversos companheiros e companheiras ao longo do wa oficina. Aqui destacamos a feliz fórmula com a qual Mario Tronti rivalizava com a ideologia do PCI nos anos 60: “partido de classe e sindicato popular”, como forma de sintetizar a necessidade de um partido organicamente enraizado nos locais de trabalho e nas organizações de massa, que, ao mesmo tempo, lute para que essas desenvolvam uma política hegemônica e de auto-organização numa perspectiva revolucionária.

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