Revista Casa Marx

Bala, fogo e toga: o cerco do agronegócio aos povos originários

Mateus Castor

O fogo é lucrativo para o agronegócio. Por vezes, até econômico. Uma ferramenta que pode facilitar a invasão a territórios indígenas e reservas ambientais, que sem os impactos do incêndio criminoso depende mais do cerco de jagunços e forças policiais para a invasão de terras indígenas. Se no Mato Grosso há 41 incêndios ambientais em territórios indígenas, ocorre também investidas do agronegócio contra as Terras Indígenas. Este é o caso na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, onde um jovem foi assassinado pela PM e outro encontrado morto na beira da estrada. A latifundiária da “Fazenda Barra”, que tomou parte do território dos Guarani-Kaiowá, faz parte como “especialista” das audiências de “conciliação” do Marco Temporal organizadas pelo STF, com Gilmar Mendes à frente. A bala, o fogo e toga - junto aos governos estaduais e também ao governo Lula - formam um cerco aos povos originários.

Entre 2019 e 2022, foram registrados 795 assassinatos de indígenas durante o governo Bolsonaro, conforme relatório do Cimi, um aumento de 54% em relação aos 4 anos de governo Dilma e do golpista Temer. Apenas em Roraima foram 208 homicídios, não por acaso onde se localiza uma parte do território Yanomami, alvo do garimpo ilegal tão incetivado por Bolsonaro. Outros estados da “fronteira agrícola”, por onde as forças econômicas primaristas expandem sua propriedade para a acumulação de capital, como Amazonas e Mato Grosso do Sul, com 163 e 146 mortos respectivamente. Em 2023, no primeiro ano do governo de Frente Ampla, tiveram suas vidas arrancadas 208 indígenas, um crescimento de 28 comparado ao último ano de governo Bolsonaro. Em 2024, os assassinatos continuam.

O cerco da bala

Execução sumária por defender sua própria terra. O modus operandi do Estado brasileiro não mudou no decorrer dos séculos. O jovem Guarani-Kaiowá, 23 anos, pai, chamado Neri Ramos da Silva, levou da polícia militar um tiro na nuca. Sua terra foi cercada por PMs e bombeiros a mando da latifundiária Roseli Ruiz, uma das proprietárias da fazenda que invade o território de Neri e seu povo. Antes do assassinato, a dona da “Fazenda Barra” foi uma das indicadas pelo PL e Republicanos para compor, como “especialista”, as audiências conciliatórias do Marco Temporal, medida organizada por Gilmar Mendes e reivindicada pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), que representa o governo Lula nestas audiências fraudulentas. A também advogada possui cargo na Casa Civil do governo estadual do MS. Grandes proprietários e indígenas, jagunços e forças repressivas oficiais, há neste crime todo um toque de coronelismo do século XXI.

Dois dias após o enterro de Neri, na mesma Terra Indígena (TI), Fred Souza Garcete, de 15 anos, foi encontrado morto na rodovia MS-384, quando retornava de moto para sua casa, na aldeia Campestre. A Polícia Civil realizou uma perícia e afirma que o jovem sofreu um traumatismo craniano decorrente de um acidente de trânsito. Seu povo, contudo, contesta essa versão e cobra investigação federal. Neri e Fred entraram para as estatísticas mórbidas do avanço da “fronteira agrícola”, nome moderno do processo de destruição dos biomas brasileiros e de invasão e roubo de territórios indígenas. Somente em 2023, foram ao menos 208 indígenas assassinados no Brasil.

Na Bahia, onde ocorre o assédio de latifundiários à TI de povos indígenas, com absoluta convivência de Jerônimo Rodrigues (PT), Lucas Kariri-Sapuyá, líder da TI Caramuru Catarina Paraguaçu, foi assassinado a tiros em uma emboscada de jagunços no final de dezembro de 2023. O assassinato do indigenista da Funai, Bruno Pereira, e do jornalista britânico, Dom Phillips, geraram um escândalo à nível internacional em 2022, ainda durante o governo Bolsonaro.

Indígenas, ativistas ambientais e trabalhadores rurais compartilham um alvo na testa. Quem mira não é só o pistoleiro a mando de coronéis. A execução de Neri deixa claro: também mira o Estado, com sua Polícia Militar, herdeira dos bandeirantes e das milícias contratadas pelos governadores-gerais para atacar indígenas, PMs que são jagunços estatizados, cuja função moderna é defender a propriedade privada. Continuam a obedecer seus mestres como no passado, os grandes proprietários. Roseli Ruiz é uma delas. Herdeira do grande latifúndio escravagista e do Estado colonialista brasileiro.

O cerco do fogo

A hostilidade do capitalismo não abre trégua aos povos indígenas. O governo Lula-Alckmin, com a ministra Mariana Silva, tenta conciliar os interesses do agronegócio com a “preservação ambiental”, afirmando que ecologia e grande propriedade monocultora para a exportação podem ter uma relação harmônica. Nada mais falso. Ainda que se calcule mais de 10 bilhões em prejuízos com as queimadas pelo Brasil entre junho e julho, a recompensa parece ser ainda maior. A consciência sedenta pelo lucro de um grande proprietário de terra não pensa nos prejuízos futuros às suas colheitas devido às mudanças climáticas. Um latifundiário vê uma bala no crânio e as queimadas como diferentes ferramentas para um mesmo objetivo: expandir sua propriedade. Uma forma de invadir reservas ambientais e territórios indígenas é simplesmente seguir o rastro devastador do fogo – proposital ou natural – e no lugar de um bioma criar um deserto de monocultura. Fertilizantes, agrotóxicos e sementes transgênicas têm custos muito caros. O fogo é de graça e cumpre o mesmo papel de aumentar os lucros.

Do ponto de vista jurídico, o Marco Temporal é uma ferramenta que busca justificar a espoliação de territórios históricos dos povos indígenas para entregá-los na mão do grande proprietário de terra. As queimadas e incêndios recordes no Brasil, por outro lado, estão sendo uma ferramenta prática que personifica no fogo os interesses do agronegócio, invadindo as terras indígenas. Não é uma novidade que as queimadas são utilizadas pelos latifundiários e outras frações burguesas que lucram com atividades primárias, como agropecuaristas, madeireiros e garimpeiros, como uma forma de alargar suas propriedades e, consequentemente, alargar a área para a geração de mais capital.

Mais ao norte de onde Neri e Fred foram assassinados, no Mato Grosso, cerca de 41 terras indígenas sofreram com incêndios segundo a Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt). Queimou-se, além da floresta, as plantações de subsistência e também obrigou à mudanças temporárias de moradias. “O triste de tudo isso é assistir os vídeos, os relatos, porque não é só a casa que pega fogo, são as roças, é o rio que tá seco. Triste também é ver alguns bichinhos queimando, em sofrimento”, relatou Eliane Xunakalo, a presidente da Fepoimt. O Mato Grosso lidera o ranking nacional de queimadas. De janeiro até as últimas semanas foram mais de 37 mil focos de incêndios. Gilmar Koloizomae, líder do povo Paresi, afirma que é necessário que os povos originários recebam equipamentos para combater as chamas e alimentos aos indígenas brigadistas. “Queimou tudo a minha roça. Queimou outra roça da minha mãe também. Isso é a comida que nós comemos, é a nossa alimentação que queimou, não tem mais nenhuma mandioca”, denunciou Megaron Txucarramãe.

O fogo e sua consequente destruição dos recursos e da produção local, que destroem as condições de subsistência, tornam essas 41 terras indígenas mais vulneráveis às incursões de jagunços dos capitalistas do setor primário. Fazer da tragédia ambiental e climática – neste caso com altas doses de intencionalidade do agronegócio e cumplicidade dos governos estaduais e do governo Lula – uma oportunidade de lucro. A situação no MT não é isolado, há um recorde em 2024 de queimadas em Terras Indígenas nos últimos 20 anos, desde o início da série histórica. Neste contexto infernal, há dois caminhos notáveis percorridos pelo “povo da mercadoria” para a invasão de novos espaços para a acumulação de capital: a rodovia e o garimpo.

O fogo pela estrada

Segundo reportagem do Infoamazonia feita com dados do Inpe, quase ⅓ dos 8,164 focos de incêndio que ocorreram na Amazônia se concentram em uma faixa de no máximo 40 quilômetros ao redor das rodovias BR-163, BR-230 e BR-319. Na BR-163, que conecta Cuiabá e Santarém, foram registrados 9.979 focos; na Transamazônica (BR-163) concentram-se 7.929 focos e, por fim, na BR-319 está com 2.228 focos. O recorde de focos de calor neste período do ano é 221% superior à média de 2.542 nas TIs registrada entre julho e setembro de 2003 e 2023. Abaixo, observa-se uma imagem na qual destacam-se os pontos de incêndio que acumulam-se nas proximidades da da BR-319.

A BR-319 é um empreendimento estatal de décadas, que extrapola os regimes políticos e governos. As obras começaram durante a Ditadura Militar em 1968 e pretendiam ligar Porto Velho à Manaus. A Ditadura Militar foi uma verdadeira máquina de moer povos originários e possui todo um histórico de assassinatos de indígenas. Entretanto, com uma forte ascensão do movimento ambientalista e indígena, em 1988 a rodovia foi abandonada. FHC, Lula e Dilma buscaram retomar as obras, mas sem sucesso pelo rechaço às consequências devastadoras ao meio ambiente e aos povos originários. Entretanto, o governo de Lula-Alckmin afirmou que retomará a construção dessa rodovia, para a alegria do garimpo e do latifúndio.

O argumento de Lula, em reunião com diversos prefeitos do Amazonas, foi de que, devido à seca que deixou o Amazonas e o Solimões com os menores níveis, dificultando o transporte aquático, a solução seria construir 52 quilômetros de rodovia. Utilizando-se da situação de isolamento de fato dramática da população amazonense, o presidente justifica um empreendimento que levará a ainda mais destruição ambiental. Vale notar que, o fundo do argumento é o mesmo que o da Ditadura Militar: uma política de integração nacional, que aos ouvidos dos povos originários sempre soou como morte.

As rodovias que rasgam ao meio TIs e unidades de conservação funcionam como bases para a invasão de capitalistas do agronegócio e do extrativismo, que desejam transformar em propriedade privada as áreas nas proximidades, tendo em vista a facilidade para a escoação de mercadorias – legais, como o boi e a soja, ou ilegais, como a madeira traficada ou o ouro garimpado. No decorrer do tempo, costumeiramente, as atividades extrativistas, após o esgotamento dos recursos naturais, são acompanhadas pelo gado e em seguida a soja. As rodovias se estabelecem como as primeiras trincheiras para uma expansão do agronegócio, que partem de áreas preservadas mas sem status específico até chegar aos territórios legalmente indígenas ou de unidades de conservação.

O fogo do garimpo

Em agosto, a Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, foi a TI que registrou o maior número de queimadas na Amazônia. Não é por acaso que este território, onde vivem mais de 4 mil kayapós mebengôkres é o com a maior invasão de garimpeiros de ouro. Também conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a segunda terra indígena com mais queimadas em agosto foi a de Munduruku (PA), que é a segunda maior área ocupada por garimpeiros. A terceira terra indígena com mais focos de incêndios é a terra Sararé no Mato Grosso, que em 2023 sofreu uma forte ofensiva de garimpeiros.

Por mais de 20 meses o governo Lula não tomou nenhuma ação para a expulsão dos garimpeiros nestas três Terras Indígenas. Ações esporádicas de fiscalização e desmonte da estrutura do garimpo foram a regra. Desde o governo Bolsonaro houve uma ação do STF que em tese obrigaria o governo a realizar a expulsão de garimpeiros, que não foi cumprida pelo governo Lula. Tamanho a dramaticidade nestas TIs que foram publicadas notícias sobre a situação geral em jornais como a neoliberal Folha de São Paulo, no dia 29 de agosto. Menos de duas semanas depois em 10 de setembro, já sob forte pressão pública, o perfil oficial do Ibama no Instagram publicava um vídeo no qual destacava a operação Xapuri Tuire, que contou com a Funai, Ibama e a Polícia Rodoviária Federal, destruindo mais de 20 equipamentos dos garimpeiros na TI Kayapó.

As operações esporádicas de fiscalização, de desestruturação e expulsão do garimpo das TIs, assim como a ausência de brigadas de incêndio (Prevfogo) nesses territórios são sintoma da mesma política de precarização e sucateamento dos serviços de proteção ambiental, que resultou em uma exemplar greve do Ibama por melhores condições de trabalho, contratação e aumento salarial. A absoluta debilidade e insuficiência no combate aos incêndios, ao garimpo e todo tipo de invasão das TI e reservas ambientais é fruto de uma política econômica de austeridade fiscal, que, por exemplo, resultou no corte de 24% no orçamento do Ibama voltado ao combate aos incêndios, o “manejamento” de recursos tem em vista seguir as diretrizes do Arcabouço Fiscal, assim como os cortes bilionários na Saúde e Educação.

O cerco da toga: a divisão de tarefas entre STF e Frente Ampla

É de uma ironia indigesta que nomes como da dona da “Fazenda Barra” façam parte das audiências de “conciliação” organizadas por Gilmar Mendes, que, como denunciou entidades indígenas, excluiu lideranças indígenas e favoreceu nomes do mesmo calibre de Roseli para compor as audiências. Não há surpresa alguma nessa operação de STF com Gilmar à frente, centrão e agronegócio para avançar com o Marco Temporal. Talvez, chocante apenas para quem vê o STF como um “guardião da democracia”. Se, durante o governo Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal fez demagogia com a votação contra o Marco Temporal e se postou como um “moderador” da ofensiva do grande latifúndio, garimpeiros e extrativistas contra as TIs e reservas ambientais, hoje, a linha política é bem diferente, e “conciliação” é o último dos termos corretos para descrever as reuniões organizadas por Gilmar Mendes.

A tese do Marco Temporal é uma bandeira há décadas erguida pelo agronegócio. O ministro da Agricultura e Pecuária de Lula, Carlos Fávaro, agropecuarista do centrão (PSD) eleito senador por MT, é um de seus defensores. Esta medida pretende limitar até a data da promulgação da Constituição (1988) a ocupação de terras indígenas para serem reconhecidas pelo Estado, o que deixaria livre para a invasão territorial de terras indígenas não demarcadas. Por um lado, segundo o último censo, 63% das populações indígenas vivem fora de territórios oficializados, ou seja, centenas de milhares potencialmente vivendo em terras abertamente disputadas com o agronegócio. No total, 14% do território nacional é reconhecido como Terra Indígena (TI).

Os representantes do latifúndio esperneiam que sem o Marco Temporal cerca de 28% do Brasil transformaria-se em TI se considerados as áreas que estão em estudo para demarcação (por volta de 120) e os territórios que os indígenas reivindicam como seu (quase 500). Há, naturalmente, de se questionar essas projeções da intelligentsia do boi e da soja, afinal colocam como se o Judiciário fosse aprovar tudo que o movimento indígena reivindica – uma alucinação completa, pois Gilmar Mendes deixa bem claro a quem serve a Justiça. O motivo do choro é simples: reivindicam mais “terras produtivas”, mais capital e poder na mão da fração agroexportadora da burguesia. A “insegurança jurídica” que aterroriza grandes proprietários fundiários e do mercado imobiliário é uma expressão invertida do processo de expropriação real dos territórios indígenas, esses sim vivem sob a total “insegurança jurídica” do Estado. A questão indígena está presente em questões estruturais do capitalismo brasileiro.

Em setembro de 2023, o STF, por 9 votos contra 2, foi favorável à rejeição da tese do Marco Temporal. Nunes e Mendonça, ministros bolsonaristas, posicionaram-se em defesa do Marco Temporal. Assim como diante da votação em relação a descriminalização do porte de maconha, a Frente Ampla deixa ao STF o protagonismo em determinados confrontos com o Congresso e o bolsonarismo. O pacto entre governo Lula e STF realiza assim uma divisão do trabalho, pela qual fica à cargo do bonapartismo judiciário momentos de maior arbitragem – imparcial, à favor do agronegócio – do conflito entre latifundiários e os povos originários, o que possibilita ao poder executivo manter a estabilidade política, conciliando com a extrema-direita, desde Tarcísio até a lei orgânica da PM e BM sancionada por Lula ou diretamente pela agenda neoliberal do Arcabouço Fiscal. O contragolpe à decisão do Supremo foi a aprovação no Congresso de uma lei que legalizava o Marco Temporal. Lula fez parte das disputas ao realizar um breve veto, depois derrubado pelo Congresso. Recentemente, publicou em redes sociais que posicionou-se contra o Marco Temporal, em uma farta recompensa, tivemos o já citado Plano Safra deste ano.

Em junho, no Senado, o líder do governo Jaques Wagner trouxe a proposta vinda de Gilmar Mendes para o adiamento da votação para “um entendimento entre os dois poderes”. O petista, representante da Bahia, colocou a necessidade de uma comissão com representantes do Congresso e do Supremo para chegar à “uma visão que pudesse conciliar, e eu quero logo antecipar que eu sou a favor que se tem que botar definitivamente um ponto final nisso”. Ficou decidido, por enquanto, que a CCJ tomará uma posição em outubro. Não foi aleatório o desejo de “conciliação” de Jacques Vagner, no caso entre os indígenas e o grande latifúndio, ser diretamente uma proposta de um velho cacique do STF.

A entrada em peso de Gilmar Mendes como aŕbitro deste conflito foi fruto da reação direta do agronegócio, que também não vê interesse em apelar, por enquanto, ao “método bolsonarista” de disputa. Com boas relações, para dizer o mínimo, entre os grandes donos de terra no Brasil, este ministro do STF realizou diversas manobras autoritárias para estabelecer uma nova rodada de “conciliação”. Foram convidados representantes dos poderes, de organizações indígenas, prefeitos e municípios. Como não poderia ser diferente, o ministro do STF foi alvo de críticas de diversas entidades indígenas, a maior delas a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que afirma que o ministro ignora as lideranças, com a primeira reunião para a “conciliação” marcada para Agosto. Se ignora os indígenas, garantiu a presença da dona do latifúndio que invade a terra dos Guarani-Kaiowá, lugar onde nos últimos dias um jovem foi executado pela PM e outro encontrado morto na estrada.

Com o Executivo buscando manter a “cara limpa” e tirar o corpo do olho do furacão do Marco Temporal, Lula pode exaltar o recorde do Plano Safra e evitar atritos com o Congresso e o agronegócio, buscando uma estabilidade cada vez mais instável, com questionamentos e fortes críticas de lideranças indígenas. Ao mesmo tempo, com esta divisão do trabalho no pacto entre governo e STF, o governo federal pode destacar sua ênfase em políticas públicas no Ministério dos Povos Indígenas, dirigido por Sonia Guajajara do PSOL, para incidir em lutas culturais legítimas como pela reapropriação objetos sagrados como o manto tupinambá em posse da Dinamarca desde 1699, doado ao Museu Nacional do Brasil, mas afugentar-se da questão central da disputa pela terra. A terra se estabelece como base material da luta estratégica dos povos indígenas pelo sentido básico de sua existência, também uma luta estratégica do agronegócio que pretende ampliar sua fronteira diante de uma economia internacional mais imprevisível e do perigo das mudanças climáticas para as lavouras.

Na última semana (18), o governo exaltou a liberação de um “crédito extraordinário” de R$514 milhões para combater os incêndios florestais. Sendo parte dos recursos destinados à medidas emergenciais da Funai para a segurança alimentar aos indígenas e proteção social. Destacaram-se também verbas para a contratação de brigadistas indígenas e a aquisição de equipamentos. Diante deste R$514 bilhões, o governo reivindica a “atuação integrada entre os ministérios e órgãos ambientais”. Também exalta que “as medidas que estão sendo adotadas não apenas reforçam o combate imediato aos incêndios, mas também propõem soluções de longo prazo” que por fim “desempenham um papel vital na conservação da biodiversidade e no combate às mudanças climáticas”. Se o montante de R$0,5 bilhão para combater os incêndios e dar assistência aos povos originários representa tudo isto para a Frente Ampla, o que significa o montante de R$400 bilhões disponibilizado ao grande agronegócio, à latifundiários como Roseli Ruiz?

400 bilhões de reais para financiar o agronegócio demonstra uma atuação integrada entre os ministérios para dar maiores lucros ao agronegócio, para que esse expanda os seus negócios. Não apenas reforça a destruição imediata do meio ambiente e a invasão das TIs, mas também propõe a manutenção dos problemas a longo prazo. Por fim, 500 bilhões disponíveis às operações financeiras do grande latifúndio desempenham um papel vital na destruição da biodiversidade e intensificação das mudanças climáticas. Centenas de bilhões para a expansão da fronteira agrícola, para que a grande monocultura avance sob território indígena, reserva ambiental, seja com a bala ou o fogo.

É necessário derrotar o Marco Temporal de uma vez por todas, visando não só a regularização das centenas de Terras Indígenas que estão guardadas na gaveta da Justiça capitalista, mas pelo direito à autodeterminação dos povos originários brasileiros, que devem ter sua independência garantida, se assim decidirem, do Estado brasileiro. A legítima luta do movimento indígena, indigenistas e ambientalistas sempre encontra barreiras institucionais tão escancaradas pelas relações sórdidas entre o grande agronegócio e os governos estaduais e federal, assim como com a Justiça e as forças repressivas. Derrubar o Marco Temporal implica uma forte luta por uma reforma agrária radical, para desmontar o grande latifúndio que avança contra os povos indígenas, para isso é necessário recorrer aos métodos da luta de classes, unificando em luta os movimentos indígena, camponês e ambiental junto ao movimento operário e estudantil. É preciso garantir que os recursos drenados pela fraudulenta dívida pública sejam direcionados para um plano de transformação estrutural da sociedade e economia brasileira que manteve-se por toda história e se manterá, se continuar dirigida pela burguesia, dependente do grande latifúndio, que ano a ano ganha mais peso econômico e político no regime.

Seja a luta contra o Marco Temporal ou a reforma agrária necessária, ambas implicam a independência de classe da burguesia, que em tantas vezes faz demagogia em torno da falácia de um “capitalismo verde” de Marina Silva, o mesmo que adota políticas neoliberais como o Arcabouço Fiscal, que direciona, por exemplo, cortes de verba à Funai e impossibilita qualquer planejamento para o combate aos incêndios e à crise climática, que afeta os indígenas em dobro. Não há como agradar o grande latifúndio e os detentores da dívida pública e possuir as bases materiais para um grande plano de reconversão energética e de planificação econômica para de forma séria intervir na crise climática. Os contínuos fracassos das metas da COP e ONU se dão pela simples razão de existência deste sistema ser a exploração infinita do trabalho e de recursos naturais para a geração de lucro.

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