Revolution Permanente
[Desde a França] Este artigo apareceu originalmente em francês em 17/7/2024 no Révolution Permanente, parte da rede internacional do La Izquierda Diario. Nessas teses, escritas após a reunião do Comitê Central do Révolution Permanente (RP) de 14 de julho, voltamos a analisar a situação política na França e os desafios que ela apresenta.
Em 7 de julho, a dura derrota do Rassemblement National (RN) no segundo turno das eleições legislativas, o primeiro lugar conquistado pela Nova Frente Popular (NFP) e a relativa manutenção do macronismo abriram uma situação marcada pelo aprofundamento da crise política. Enquanto a NFP se dilacera nos últimos dias pela questão de quem propor como primeiro-ministro, essa situação abre uma série de desafios em um contexto internacional marcado pelo retorno da guerra, a incerteza gerada pelo resultado das próximas eleições nos Estados Unidos e suas consequências para a Europa, bem como o aumento da pressão dos mercados financeiros. Retomamos aqui os debates do CC do Révolution Permanente, que ampliam as elaborações publicadas desde o anúncio da dissolução.
1. Um grande revés para a extrema direita, que revela as limitações persistentes do RN em sua corrida pelo poder
O resultado das eleições legislativas foi marcado, antes de tudo, pelo revés sofrido pela extrema direita. O RN obteve um resultado histórico, com mais de 10 milhões de votos nas legislativas e 143 deputados, o que lhe permitiu aumentar consideravelmente seus recursos e prosseguir seu trabalho de implantação no país. No entanto, voltou a fracassar às portas do poder em um contexto em que seu impulso era mais forte do que nunca após as eleições europeias.
Este resultado deve-se em grande parte à ressurreição da “Frente Republicana” entre o primeiro e o segundo turno, acompanhada de uma campanha político-midiática contra a extrema direita, destacando os perfis ultrarracistas de muitos candidatos, o amadorismo do partido, mas também a rejeição gerada pelas medidas mais xenófobas de seu programa, como a polêmica em torno dos cidadãos com dupla nacionalidade. Essa frente anti-extrema direita, que impediu o partido de obter a maioria, atesta a distância que ainda separa o partido de Marine Le Pen do poder.
Apesar de alguns avanços, como a conquista de setores do eleitorado acomodado e alguns primeiros contatos com o empresariado, os reais mecanismos de que dispõe o RN ainda são limitados. Fora da Assembleia, o partido de Marine Le Pen permanece à margem dos lugares de poder, tem poucas posições na chamada “sociedade civil” e continua confinado às margens do poder pela “frente republicana”. Com base na oposição majoritária à extrema direita que existe na população, a Frente Republicana demonstrou que continua sendo uma ferramenta essencial para os partidos orgânicos do regime, que se mantiveram na Assembleia graças às “retiradas” do segundo turno. 1
Isso não minimiza em nada o perigo que o RN representa, sobretudo porque o “respiro” que esse revés oferece para a extrema direita está cheio de contradições, começando pela consolidação da imagem da extrema direita como única força realmente oposta ao macronismo e aos velhos partidos de governo, como o Partido Socialista (PS) e Os Republicanos (LR). Assim, o impulso da ampla politização contra a extrema direita que acompanhou as eleições deve permitir discutir a estratégia para acabar realmente com o RN, com total independência daquelas forças políticas que permitiram que prosperasse.
2. A tripolarização da vida política e a divisão da classe trabalhadora como questão estratégica central
Ao término das eleições legislativas, e apesar da tendência à polarização esquerda/direita, mantém-se a tripolarização da vida política francesa, com três blocos de tamanho quase igual na Assembleia, que somam 493 cadeiras de um total de 577. A NFP se impôs nas eleições, obtendo quase 9 milhões de votos no primeiro turno e 182 deputados. A “Maioria Presidencial” [Ensemble, a coalizão de Macron] ficou em segundo lugar com 168 deputados e 6,4 milhões de votos no primeiro turno. O RN obteve 143 deputados e mais de 10 milhões de votos tanto no primeiro quanto no segundo turno. Apesar de o bloco da esquerda reformista ter conseguido o primeiro lugar, o bloco de centro-direita manteve-se relativamente estável, enquanto o bloco de extrema direita se beneficiou de um dinamismo evidente, embora seu peso político tenha sido limitado pela “frente republicana”.
Esses três blocos são socialmente distintos, mas com tendências notáveis. Enquanto o bloco de centro está enraizado nos setores mais acomodados da população, o RN continua se nutrindo de amplos setores da classe trabalhadora e de setores populares fora das grandes cidades, ao mesmo tempo que amplia cada vez mais sua base social, começando a incluir setores mais acomodados da população. Por sua vez, a esquerda reformista continua ancorada nos centros urbanos, apelando aos assalariados qualificados (executivos, profissões intermediárias), à aristocracia operária, a jovens com educação universitária e, em grande medida, ao proletariado e aos jovens dos bairros populares. Ao mesmo tempo, a abstenção continua sendo um fator chave entre os trabalhadores e as classes populares. Apesar de uma participação recorde nessas eleições gerais, 46% dos operários e 42% dos empregados se abstiveram.
A tripolarização social e política anda de mãos dadas, no seio de nossa classe, com uma abstenção persistentemente elevada e uma divisão entre os trabalhadores que votam na esquerda reformista e aqueles, cada vez mais numerosos, que votam na extrema direita. Essa dinâmica é alimentada pelas traições da “esquerda” de governo, que compartilhou o poder com a direita durante quarenta anos, bem como pelo enfraquecimento histórico das organizações operárias e o empobrecimento de setores cada vez mais amplos da população. A ausência de vitórias importantes na luta de classes, apesar dos numerosos movimentos dos últimos anos, faz com que se afaste a perspectiva de fazer os capitalistas pagarem para melhorar um pouco ou mudar completamente nossa vida cotidiana. Essa desmoralização reforça o desejo de “retorno à ordem” e a retórica xenófoba, mesmo que ainda em minoria, em setores historicamente de esquerda, como os professores e os funcionários públicos. Essa divisão da classe trabalhadora é um elemento estratégico da situação atual. Junto com a abstenção, explica por que a esquerda reformista ainda está longe de ser majoritária no país, ao contrário da antiga Frente Popular, do qual a NFP se reivindica continuadora. Em 1936, a Frente Popular obteve 386 deputados sobre 610 cadeiras, obtendo quase 58% dos votos.
3. Crise orgânica: o retorno da instabilidade governamental poderia desembocar em uma crise de regime
Com a dissolução da Assembleia Nacional, Macron agudizou a crise orgânica na França. Já em minoria na Assembleia desde 2022, a erosão da base social do macronismo em benefício da extrema direita e a união entre as forças da esquerda reformista deram lugar a uma configuração sem precedentes na Assembleia, que está colocando à prova a Vª República. Esta última, fundada para superar a instabilidade governamental que caracterizou a IVª República, garantiu um alto grau de estabilidade durante as últimas décadas, graças às suas instituições bonapartistas que favorecem a emergência de maiorias e permitem governar em situações de coabitação. Essa estabilidade foi reforçada pela progressiva aparição de um sistema bipartidista a partir de 1981, que, mediante a alternância entre a direita e a esquerda reformista, permitiu canalizar as tensões políticas e sociais em um âmbito institucional.
No início dos anos 2000, a irrupção do RN no segundo turno das eleições presidenciais e a derrota do PS anunciaram o início de uma crise dos partidos tradicionais da burguesia, que se aprofundou posteriormente com o resultado do referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu em 2005, o contínuo fortalecimento da extrema direita e o colapso do Partido Socialista e depois dos Republicanos a partir de 2016, em um contexto de grandes explosões de luta de classes. Contida em 2017 pela emergência do macronismo, a crise orgânica voltou a estourar como consequência do rápido esgotamento deste último. A situação atual expressa as consequências desse enfraquecimento da corrente política do presidente e de seu projeto, abrindo uma situação sem precedentes na Vª República.
Abrem-se vários cenários para o futuro –um governo de minoria da esquerda reformista, uma aliança de minoria entre o macronismo e a direita tradicional, um governo de coalizão entre diferentes forças políticas, um governo técnico–, mas nenhum deles parece simples de alcançar. Embora, com sua “Carta aos franceses”, Macron tente reafirmar seu papel de árbitro, tentando impor a perspectiva de uma coalizão “republicana”, seu enorme descrédito limita sua capacidade de realizar tal manobra e pode preparar o terreno para uma crise institucional caso nenhuma força política seja capaz de governar. Como resumiu recentemente o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin, “um dos riscos (…) é que todos percebam que politicamente não interessa a ninguém dirigir esse governo, e que o presidente se veja diante do caos”.
Essa situação torna ainda mais importante defender medidas democráticas radicais, desafiar as instituições podres da Vª República com base em um programa de independência de classe, como ponte para a perspectiva de um governo operário. O que está em jogo é a possibilidade de lutar contra as tentativas de canalização que podem surgir nesse terreno, seja por meio de reformas constitucionais parciais ou de planos de assembleias constituintes para uma “Sexta República”.
4. A Nova Frente Popular e o retorno do protagonismo do PS
Na esquerda, a situação foi marcada pela aparição da Nova Frente Popular. Embora esse fato tenha suscitado esperanças entre o “povo de esquerda” e os bairros populares, essas esperanças chocam agora com o profundo estancamento dessa coalizão, cujas contradições são especialmente visíveis desde o segundo turno das eleições legislativas. Em particular, o papel central desempenhado pelo principal componente burguês da coalizão, o PS, inscreve-se na longa história das políticas de “frente popular” surgidas nos anos 30. No final da década de 1930, após a derrota do processo revolucionário lançado na França em junho de 1936 e da Revolução Espanhola, León Trotsky se referiu a essas políticas, que foram generalizadas em todo o mundo pela Internacional Comunista estalinista ao término de seu VIIº Congresso 2. Trotsky afirmou então:
Os teóricos da Frente Popular não vão além da primeira regra da aritmética: a soma. A soma de comunistas, socialistas, anarquistas e liberais é maior que cada um de seus termos. No entanto, a aritmética não basta, é preciso ao menos conhecimentos de mecânica. A lei do paralelogramo de forças se verifica até mesmo na política. A resultante é, como se sabe, tanto menor quanto mais divergentes forem as forças entre si. Quando os aliados políticos puxam em direções opostas, a resultante é zero. (…) A aliança do proletariado com a burguesia, cujos interesses, atualmente, nas questões fundamentais, formam um ângulo de 180 graus, não pode, em termos gerais, senão paralisar a força reivindicativa do proletariado (Trotsky, “A lição da Espanha, último aviso”, 17/12/1937).
A Nova Frente Popular é muito diferente das frentes populares mencionadas por Trotsky em seu tempo. Nenhum dos partidos que a compõem está enraizado na classe trabalhadora, nem representa uma força política de massas com perspectivas de superar o capitalismo. No entanto, as “leis” da mecânica política descritas pelo revolucionário continuam se manifestando claramente na NFP. O Partido Socialista, organização burguesa, desempenha muito claramente um papel destinado a “anular” os elementos de oposição ao regime que possam existir, mesmo que de forma limitada, em um partido como o La França Insubmissa (LFI). Embora setores da aristocracia operária ou trabalhadores ligados aos sindicatos, assim como trabalhadores e jovens de bairros populares das grandes cidades, façam parte de seu eleitorado, o LFI não é uma organização operária, como demonstram sua estratégia, seu programa e sua relação com o movimento operário. Mais antiliberal do que anticapitalista, construiu-se nos últimos anos opondo-se aos aspectos de endurecimento do regime no campo das ofensivas antioperárias, autoritárias e racistas, ao mesmo tempo que se mostrou disposta a aceitar, tanto em 2022 quanto hoje, uma coabitação com Macron no marco da Vª República.
Antes das eleições, esse papel do PS se expressou claramente nas negociações sobre o programa. Desde recusar-se a comprometer-se claramente com a redução da idade de aposentadoria para 60 anos até defender um apoio “inquebrantável” à Ucrânia, inclusive com o envio de armas, ou abandonar qualquer menção à “violência policial”, o PS soube impor suas linhas vermelhas nos grandes temas. Em última análise, embora defenda a revogação de grande parte das reformas de Macron e proponha algumas medidas de redistribuição e apoio aos serviços públicos, esse programa está muito longe de qualquer lógica de “ruptura” com o capitalismo. Embora possa criticar ocasionalmente o discurso neoliberal, não tem nenhuma intenção de questionar o poder patronal e menos ainda de fazer incursões na propriedade privada. Está à direita do programa da LFI, que por sua vez está à direita dos programas reformistas clássicos, como o Programa Comum de 1972 e o programa do Partido Socialista de 1981, sem falar dos programas social-democratas da primeira metade do século XX, que se propunham a acabar com o capitalismo.
Após ter dobrado seu número de deputados na Assembleia e permitido a eleição de François Hollande e do ex-ministro de Macron, Aurélien Rousseau, o PS tenta agora, logicamente, jogar todo o seu peso na eleição de um possível primeiro-ministro, tentando impor sua hegemonia sobre a coalizão para apresentar uma face da NFP aceitável para o regime. Essa política, que conta com o apoio dos Verdes (EELV) e do Partido Comunista Francês (PCF), vai de mãos dadas com a tentativa de marginalizar a LFI. Pierre Jouvet, número 2 do PS, é muito claro sobre o objetivo de seu partido nas propostas de primeiro-ministro:
Qual partido dirigiu o país duas vezes, governa trinta e três departamentos, metade das regiões, dirige as grandes cidades, tem setenta deputados, bem como sessenta e cinco senadores? Quem pode acreditar que com um primeiro-ministro socialista chegarão aos Campos Elíseos os tanques soviéticos?
Essa política vai de mãos dadas com a busca de personalidades “compatíveis com Macron”, como Laurence Tubiana, e implica um distanciamento cada vez maior do já mínimo programa do NFP. Como assinala Le Monde:
Nem todos se apegam ao programa a todo custo. Marine Tondelier, por exemplo, explica que o aumento do salário mínimo para 1.600 euros é “mais complicado”, pois é necessária uma “lei de finanças retificativa” para votar uma ajuda às pequenas e médias empresas e evitar “catástrofes” econômicas. Jérôme Guedj, por sua vez, defende um “governo em minoria que responda às aspirações da maioria” e dirija o país por consenso, evitando as medidas divisórias e a ameaça de censura da Assembleia.
Essa reabilitação do PS é tanto mais dramática quanto a ruptura das massas com essa organização havia sido um feito da luta contra a Lei do Trabalho de 2016 e da experiência da presidência de François Hollande, que aplicou políticas cujas consequências seguimos sofrendo hoje. A responsabilidade recai em primeiro lugar na LFI, a principal força da esquerda desde 2017. O fato de que estendeu a mão ao PS em 2022 e voltou a fazê-lo este ano através da NFP, apesar da campanha belicista e revanchista de quem liderou a lista socialista nas eleições europeias, Raphaël Glucksmann, mostra o caráter da LFI e sua recusa em romper realmente com a centro-esquerda burguesa, embora agora denuncie de maneira impotente a atitude oportunista do PS.
5. A extrema esquerda que está dentro do NFP: entre a ilusão e a prudência
Apesar de seu caráter abertamente direitista, o amplíssimo arco que se uniu à NFP no momento de seu lançamento deu lugar à formação de um setor de “extrema esquerda” em seu seio, representado por uma grande parte das organizações antirracistas, antifascistas, libertárias e anticapitalistas que participaram do encontro “O que fazer?” organizado em Pantin em 10 de julho. Essa corrente é ao mesmo tempo patriota da NFP em nome da “unidade contra o fascismo”, e desconfiada do papel conciliador de sua ala direita, os socialistas. Embora tenha defendido a presença do PS nessa aliança, e até mesmo de figuras como François Hollande, entende que esse partido poderia utilizar a coalizão como trampolim.
No entanto, essa extrema esquerda continua convencida de que a NFP pode evoluir graças à mobilização das massas. É por isso que pretende utilizar as lutas a serviço de uma política de pressão sobre a união da esquerda, tentando assim reforçar a posição da LFI, ao mesmo tempo que subordina as perspectivas de mobilização às lutas entre aparelhos e às dinâmicas institucionais. O caso do NPA-L’Anticapitaliste é particularmente sintomático. Nascida no final dos anos 60, a antiga Liga Comunista Revolucionária (LCR) existiu durante décadas como organização independente do reformismo, apesar de ter capitulado a este último. Em 2009 se transformou no Novo Partido Anticapitalista (NPA), abandonando nesse trânsito a delimitação entre a “reforma” e a “revolução”, bem como o projeto comunista. Embora isso tenha constituído um passo atrás, a organização conservava como linha vermelha sua independência do que chamavam de social-liberalismo, ou seja, o PS. Sua integração na NFP representa assim um salto histórico para essa corrente política, justificado por uma retórica confusa sobre a frente única, equiparando essa tática revolucionária com acordos programáticos e eleitorais sem princípios com os partidos da burguesia. Como explica Olivier Besancenot:
Não nos resta outra coisa senão fazer algo que normalmente não faríamos. Estamos na Frente Popular, algo realmente novo em nossa história política. Não era algo previsto nem de longe, mas uma situação excepcional requer uma resposta excepcional. Estamos numa longa fase de reconstituição de um novo movimento de emancipação, com o objetivo, acredito, de constituir um novo polo organizativo anticapitalista, internacionalista, que não pretende se separar do restante do movimento de emancipação, mas ser o mais útil possível, e ir além das organizações existentes, inclusive a nossa. Nesse contexto, é preciso ser unitários e reviver as tradições de gerações passadas, distantes, que tiveram até mais limitações em sua atuação do que nós. (…) E se Hollande se vê obrigado a vir, isso também significa que, apesar de tudo, e esse é o paradoxo, as coisas tendem a se mover para a esquerda. Se olharmos para o programa que foi adotado, não é um programa revolucionário, nem sequer um programa reformista radical, mas, para dizer de forma rápida, me parece que Hollande se sente mais desconfortável com ele do que Philippe Poutou.
Philippe Poutou, por sua vez, tem reivindicado amplamente nos meios de comunicação fazer parte dessa coalizão, explicando inclusive que a expressão “de Hollande a Poutou” lhe parece muito bem.
Ao legitimar tais alianças, essa lógica liquida uma lição central da história do movimento operário revolucionário: a defesa da independência total frente ao inimigo de classe, ou seja, os partidos burgueses, sejam de direita ou de “esquerda” 3. Essa questão vai além da questão da fidelidade aos princípios; é um problema estratégico central para lutar contra a influência dos aparelhos burgueses sobre a classe operária e garantir, contra a dinâmica de cooptação, a possibilidade de lutas de massas para enfrentar a crise atual e fazer retroceder o macronismo e a extrema direita.
6. Uma virada “política” da CGT para ir a reboque da esquerda reformista
A atitude da principal central sindical, a CGT, e mais amplamente das burocracias sindicais, também é um fator importante da situação. Ao chamar a votar desde o começo pela NFP, rompeu com a tradição de “manter distância” da política que havia estabelecido desde os anos 90, após a queda do Muro de Berlim. A última vez que a CGT deu uma indicação de voto no primeiro turno foi por Mitterrand em 1981. Encarnada por Sophie Binet, a “secretária-geral da CGT mais política desde Georges Séguy 4”, segundo a expressão de um editorialista, essa orientação não se limitou a um simples posicionamento eleitoral, mas deu lugar a uma campanha ativa, mobilizando os sindicalistas e oferecendo, dessa maneira, uma garantia operária à união dos aparelhos da esquerda institucional. Essa campanha ativa continuou entre o primeiro e o segundo turno, com o acréscimo de que foi acompanhada de um apoio à “frente republicana”.
Embora essa atitude permita abrir um importante debate sobre o papel político dos sindicatos, que já havíamos tentado levar a cabo durante a batalha das aposentadorias, a posição proposta pela direção da CGT compromete no entanto os sindicatos a apoiar uma operação política perigosa. Entretanto, desde a implementação da NFP, a CGT tem se mostrado totalmente acrítica com o programa e os aparelhos da esquerda reformista, sem jamais mencionar as brutais políticas antioperárias aplicadas pelo PS quando estava no poder. Assim, enquanto a postura da CGT pode ter sido vista favoravelmente por uma parte de nossa classe, sindicalizada, e até mesmo conseguido novas adesões, sua acolhida é mais contraditória em outros setores operários, seja pela influência do RN ou pela rejeição à aliança com o PS, não sendo contraditórias essas duas reações.
Além disso, essa política tem levado a CGT a ir totalmente a reboque da coalizão eleitoral nas últimas semanas, limitando suas perspectivas a apoiar a chegada ao poder de um governo da esquerda reformista ou a propor apoiá-lo para obter “maiorias de compromisso” no Parlamento. Essa atitude fomenta graves ilusões sobre a capacidade de um hipotético governo desse tipo para recuperar nossas reivindicações, e é uma repetição das táticas de pressão utilizadas durante a batalha das aposentadorias, que conduziram à sua derrota. Diante da desconfiança suscitada em parte de nossa classe pela NFP, consideramos que a tarefa das organizações do movimento operário deve ser propor outro tipo de “política”, que assuma o direito de intervir em todas as questões colocadas no atual período, mas com total independência e sem nenhuma confiança nos partidos burgueses e utilizando os métodos da luta de classes. Essa é a única maneira de fortalecer os sindicatos e recuperar as parcelas de nossa classe atraídas pela extrema direita.
7. O fortalecimento da LFI como mediação de esquerda e o beco sem saída que representa estrategicamente
Enquanto dentro da NFP o peso da LFI no equilíbrio de poder se deteriora, o movimento se fortalece como mediação na esquerda “radical”, como demonstrado pelas correntes de extrema esquerda mencionadas anteriormente que giram em torno dele. Essa dinâmica está vinculada a uma política consciente do melenchonismo, que na década de 2000 soube aproveitar cedo as tendências à crise do Partido Socialista neoliberalizado, expressas no resultado de 2002 e nos avanços da extrema esquerda ao mesmo tempo. Isso foi favorecido pela fraqueza política das principais organizações da extrema esquerda, como Lutte Ouvrière (LO) e a LCR/NPA, que foram incapazes de aproveitar seus sucessos eleitorais 5 e as intensas mobilizações dos últimos anos para consolidar sua influência.
O projeto neorreformista de Mélenchon aproveitou então o colapso do PS a partir de 2016 e as lutas que ocorreram desde essa data contra Hollande e depois contra Macron. Nos últimos anos, o desejo de manter o diálogo com a vanguarda dessas lutas, mas também de mobilizar eleitoralmente os jovens e os bairros populares, levou notavelmente a LFI a adotar posições contra a islamofobia, contra a violência policial ou a favor da Palestina, resultando em importantes ofensivas do regime. No entanto, trata-se de uma expressão muito distorcida dessas lutas, já que a LFI não apenas defende um programa que está longe da radicalidade que se expressou nos últimos anos, mas sua estratégia política populista de esquerda, baseada nas eleições e especialmente nas presidenciais, não busca fortalecer a autoatividade e a autoorganização das massas nem pensar sobre as modalidades da intervenção destas através de seus próprios métodos. Pelo contrário, pretende canalizar suas aspirações para o âmbito institucional.
Nesse sentido, embora por enquanto a LFI tenha conseguido em grande medida evitar ser alvo de críticas pela esquerda ao NFP, polarizadas pelo papel do PS, o fracasso dessa coalizão é uma nova expressão dos profundos limites do movimento de Jean-Luc Mélenchon e de sua estratégia. Nos momentos de luta de classes, mostrou-se impotente para propor perspectivas de ampliação da capacidade de mobilização e de confronto no terreno da luta. Ao mesmo tempo, sua bússola eleitoralista e a inconsistência de sua oposição ao regime a levaram a renovar constantemente seus laços com forças políticas como o PS, colocando a LFI a reboque dos demais aparelhos da esquerda reformista e, por extensão, fazendo com que os setores da vanguarda nos quais influencia retornem ao redil de forças burguesas como o PS, que praticamente ressuscitaram em 2022.
Desde a antiga aliança NUPES 6 às “retiradas republicanas” de candidaturas próprias para não competir nem colocar em risco as cadeiras de macronistas como a ex-primeira-ministra Borne e seus amigos, a organização de Jean-Luc Mélenchon demonstrou que seu programa, apresentado como de “ruptura” 7, pode ser sistematicamente trocado por compromissos eleitorais. Ao mesmo tempo, mantém-se no estreito quadro da defesa dos interesses do imperialismo francês, como expressam claramente as posições da LFI sobre questões tão centrais como o militarismo, e não apresenta uma perspectiva que desafie o sistema capitalista e permita acabar com ele.
8. Frente a qualquer projeto de conciliação de classes, o desafio de lutar por unificar nossa classe e lutar pela hegemonia operária
Em um texto que leu no ato de 10 de julho em Pantin, Stathis Kouvélakis detalhou a hipótese estratégica que defende a ala anticapitalista que apoia a LFI dentro do NFP:
Um governo de coalizão das forças populares, com base em um programa de ruptura, como único meio de construir uma alternativa ao poder. De fato, quando o fascismo se apresenta como alternativa e chega às portas do poder, só pode ser derrotado a longo prazo por outra alternativa de poder, uma alternativa real na medida em que pretende romper com a ordem existente. Mas para isso, e este é o ponto decisivo, essa alternativa de governo popular deve se inscrever em uma dinâmica que a ultrapasse, graças à mobilização das forças que a levaram ao poder.
No entanto, como dissemos antes, essa lógica, que pretende vincular a conquista das instituições e as lutas sociais, tende sistematicamente a subordinar as segundas às primeiras e, portanto, a neutralizar seu potencial subversivo e revolucionário.
Frente a essa lógica, o dinamismo da luta de classes nos últimos anos aponta para outras potencialidades. Nos últimos 7 anos, à medida que as lutas avançavam, a classe operária francesa mostrou sua força e expressou suas diferentes características: a diversidade de setores e modos de vida que abrange –entre os trabalhadores das grandes cidades, que estiveram no centro da primeira batalha das pensões, e os das zonas rurais e semirrurais, mobilizados no âmbito do movimento dos Coletes Amarelos–, seu caráter cada vez mais feminizado e racializado, ou os estreitos vínculos que mantém com os bairros populares e os diferentes setores oprimidos da sociedade. Também demonstrou sua capacidade de aglutinar em torno de si todos aqueles que lutam contra Macron, desde o movimento ecologista ao feminista, passando pelos setores antirracistas e, claro, os jovens das escolas secundárias e da universidade.
Desde que condenaram a violência dos Coletes Amarelos até a derrota da batalha contra a reforma da previdência, passando pela escolha de olhar para o outro lado diante das revoltas nos bairros populares no momento em que sofriam uma brutal repressão, a política das burocracias sindicais impediu o movimento operário de desempenhar um papel na unificação da nossa classe e aparecer como uma alternativa clara ao RN aos olhos de milhões de trabalhadores. No entanto, é a classe operária o único sujeito social que dispõe de posições estratégicas com capacidade de construir uma relação de forças favorável e decisiva frente ao Estado e à patronal, conquistando assim demandas de grandes aspirações, sendo ainda capaz de aglutinar em torno de si todos os setores oprimidos para construir uma frente que consiga acabar com o capitalismo.
Frente à construção de um bloco eleitoral policlassista sob a égide da LFI, que elude o problema da unificação da classe operária, opomos a construção de um bloco operário e popular de baixo para cima, estruturado em torno da classe operária, no sentido mais amplo, e de suas organizações e formas de auto-organização. Essa política de hegemonia operária só pode se materializar através da luta, e implica combater a política dos aparelhos sindicais, que querem limitar a atividade da classe operária a pressionar as instituições e a Macron para que permita a chegada ao poder de um governo minoritário de esquerda. A essa estratégia, que já levou a um beco sem saída durante a batalha pelas pensões, apesar dos milhões de pessoas nas ruas, opomos a construção da melhor relação de forças possível apostando nos métodos da luta de classes, em torno de um programa ambicioso, que não se contente com migalhas.
Em vez de apoiar esta ou aquela força da esquerda reformista, o movimento operário deve lutar por suas próprias reivindicações. Medidas sociais de emergência, como o aumento de todos os salários e prestações sociais e sua indexação à inflação, ou reduzir a aposentadoria para os 60 anos (55 para trabalhos insalubres), devem estar unidas a reivindicações como a regularização de todos os imigrantes sem documentos ou o direito de voto para os estrangeiros, mas também medidas estruturais, questionando profundamente o sistema atual em termos econômicos, como a distribuição das horas de trabalho entre todos, a expropriação de setores estratégicos da economia sob controle dos trabalhadores, mas também em termos democráticos, exigindo a supressão de instituições reacionárias como a Presidência da República e o Senado, na perspectiva de uma República operária e um governo daqueles que nunca estiveram realmente no poder e poderiam transformar a sociedade, as trabalhadoras e os trabalhadores.
9. A reconstrução de uma esquerda combativa, operária e revolucionária como desafio central
Se há algo que a sequência aberta pela dissolução da Assembleia demonstrou, é que a política de uma frente de toda a esquerda, após a “frente republicana”, que levou os candidatos da LFI a se retirarem em favor de pessoas como Darmanin ou Borne, tem um custo político. Em primeiro lugar, reforça a ideia de que o RN seria a única oposição real a um regime que parece exausto. Em segundo lugar, tem o efeito de reavivar e criar ilusões em uma força política burguesa como o PS, até o ponto de que Hollande volta à Assembleia e que este partido quer colocar um primeiro-ministro, apesar de sua profunda crise nos últimos anos. Isso é um grande retrocesso, tanto mais na medida em que as coordenadas políticas exigem avançar na direção oposta, a da reconstrução de uma esquerda combativa, operária e revolucionária, enraizada nos diferentes setores da nossa classe e portadora de um projeto de derrubar o capitalismo e construir uma sociedade sem exploração nem opressão.
Quando os trabalhadores fazem greve em massa, como fizeram durante a batalha contra a reforma da previdência, o peso e a influência da extrema direita se reduzem significativamente. Por isso precisamos de uma ferramenta política para intervir na luta de classes, reforçando a auto-organização, construindo alianças entre setores e lutando por estratégias e programas que nos permitam liberar toda a energia do movimento de massas para conquistar nossas reivindicações. Uma organização desse tipo, enraizada nos centros de trabalho, nas escolas e nos bairros populares, deve vincular essas lutas à serviço da revolução e de um projeto emancipador que realmente mude a vida das pessoas. Esta é a única maneira de arrancar da influência do RN aqueles setores do mundo operário que, na falta de alternativa, acabam se resignando à única perspectiva que lhes é oferecida, decidindo por mais autoritarismo para controlar a miséria social e contra seus irmãos de classe estrangeiros ou com antecedentes migratórios por algumas migalhas.
Diante dos imensos perigos de uma situação marcada pelo avanço da extrema direita e o retorno da guerra, qualquer projeto que aposte na possibilidade de revitalizar este sistema em decomposição e fazê-lo funcionar de outra maneira está condenado a produzir nada mais do que novas desilusões, fomentando assim a possibilidade de que o RN chegue efetivamente ao poder dentro de alguns anos. À realpolitik do “mal menor”, que quer nos convencer de que o único objetivo alcançável é chegar a compromissos podres com a patronal e suas instituições, deve-se opor uma realpolitik revolucionária, que parta da constatação de que nossos interesses são irreconciliáveis com os da burguesia (seja de direita ou de “esquerda”), que todo este sistema nos conduz à catástrofe e que a prioridade absoluta deve ser organizar e unificar nossa classe para derrubá-lo. Esta é a bússola que guia a Révolution Permanente, com o objetivo de contribuir para a reconstrução de um partido operário revolucionário.
NOTAS
1. Nota do tradutor: Refere-se à retirada de candidaturas que a NFP ou o Macronismo fizeram para beneficiar um ou outro e não dividir o voto “anti-RN” e assim evitar perder para a extrema direita em cada círculo eleitoral.
2. A IC pôs então fim à política de ultraesquerda conhecida como “terceiro período”, que rejeitava qualquer unidade de acção entre os Partidos Comunistas e as forças socialistas, política que permitiu a vitória de Hitler na Alemanha sem uma resposta à altura do conflito por parte da classe trabalhadora mais bem organizada da Europa.
3. Olivier Besancenot cria total confusão neste ponto. Não só confunde “frente única” com frente eleitoral, mas parece colocar no mesmo nível o actual Partido Socialista, que perdeu todo o carácter de classe trabalhadora com a sua viragem neoliberal, e a social-democracia do início do século XX. , que apesar de todas as suas traições ainda tinha uma base de classe trabalhadora muito sólida. Aqui ele explica: “Nos debates da Internacional Comunista, em 1922-1923, numa altura em que a Revolução Alemã estava numa fase descendente, os revolucionários alemães compreenderam que já não estavam numa onda ascendente, e que tinham recuperar a confiança do proletariado, de uma forma ou de outra. Surgiu então esta proposta de uma frente única, isto é, de comunistas alemães rumo à social-democracia alemã. No entanto, a situação da social-democracia alemã em 1922-1923 era a de terem passado apenas 2 ou 3 anos desde o assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, pelo qual foram responsáveis. Portanto, temos que fazer coisas que normalmente não faríamos.”
4. Nota do tradutor: Séguy, membro do PCF, liderou a CGT entre 1967 e 1982.
5. Recordemos que, em 1999, a lista conjunta LO-LCR nas eleições europeias obteve 5,18% dos votos e 5 assentos no Parlamento Europeu. Três anos depois, Arlette Laguiller e Olivier Besancenot obtiveram respectivamente 5,72% e 4,25%, ou seja, mais de 2,8 milhões de votos.
6. Nota do tradutor: “Nova União Popular Ecológica e Social”, aliança eleitoral formada em 2022 e dissolvida no final de 2023 por fortes forças internas, composta pela maioria das organizações que atualmente compõem o NFP.
7. É revelador que, numa questão tão essencial como a escalada da guerra, as respostas da LFI se baseiem essencialmente, por um lado, na defesa dos interesses do imperialismo francês e das suas alavancas de poder e dominação, e, por outro, em apelos impotentes e ilusórios à lei e às instituições internacionais, elas próprias partes interessadas do sistema imperialista mundial.