Revista Casa Marx

Carta ao camarada McKay

Leon Trótski

Esta carta escrita por Leon Trótski ao militante do movimento negro norte-americano, Kalude McKay, traz debates importante acerca do marxismo revolucionário e da questão como o anti-imperialismo, hegemonia operária e burocracia sindical, combinados com reflexões próprias daquele período como o desenvolvimento de quadros negros propagandistas. A carta se insere em um momento histórico particular de revoluções na Europa onde se intensifica nos Estados Unidos discussões sobre a questão negra e o comunismo.

13 de março de 1923

Estimado camarada McKay:

1)Quais medidas concretas devem ser adotadas para impedir que a França use tropas negras no continente europeu? Esta é a primeira questão. Os próprios negros devem resistir a esse uso. É preciso abrir seus olhos para que entendam que, ao ajudar o imperialismo francês a subjugar a Europa, estão contribuindo para sua própria opressão, apoiando a dominação do capitalismo francês sobre os países da África e outras colônias.

A classe trabalhadora da Europa, particularmente na França e na Alemanha, deve perceber que seus interesses vitais estão ligados a esse trabalho de conscientizar os povos de cor. Chegou o momento de ação direta e prática. Dez negros que se reúnam sob a bandeira da revolução e formem um grupo para realizar atividades práticas entre os negros valem cem vezes mais do que dezenas de resoluções que estabelecem princípios e que foram aprovadas tão generosamente pela II Internacional. Um Partido Comunista que se limita a resoluções platônicas sobre este tema, sem empregar toda sua energia para conquistar o maior número possível de negros no menor tempo, não é digno do nome de Partido Comunista.

2)Não há dúvidas de que o uso de tropas de povos de cor na guerra imperialista, e atualmente na ocupação do território alemão, é uma tentativa bem pensada e cuidadosamente executada pelo capitalismo europeu – especialmente pelo francês e inglês – para aumentar o número de forças armadas fora da Europa. Isso permite ao capitalismo mobilizar tropas africanas ou asiáticas armadas e disciplinadas contra as massas revolucionárias da Europa. Assim, o problema da utilização de reservas coloniais nos exércitos imperialistas está intimamente ligado à revolução europeia.

3)Não há dúvida de que o emprego de massas coloniais, atrasadas econômica e culturalmente, nos conflitos mundiais do imperialismo – e ainda mais nos conflitos de classe na Europa – é um experimento muito arriscado do ponto de vista da própria burguesia. Os negros e, na verdade, os nativos de todas as colônias mantêm seu conservadorismo e rigidez mental apenas enquanto permanecem em suas condições econômicas habituais. No entanto, quando o capital – ou antes disso, o militarismo – os separa mecanicamente de seu ambiente natural e os força a arriscar suas vidas por questões novas e complicadas (conflitos entre burguesias de diferentes nações, conflitos entre classes de uma mesma nação), seu conservadorismo espiritual cede rapidamente, e ideias revolucionárias encontram um caminho direto para uma consciência despojada de seu equilíbrio.

4) Por isso, é de extrema importância que, neste momento, haja um grupo de negros jovens, avançados e dedicados – mesmo que pequeno – cheios de entusiasmo pela elevação do nível material e moral da grande massa negra. Ao mesmo tempo, eles devem compreender a identidade de interesses e o destino comum das massas negras com as massas de todo o mundo, especialmente com a classe trabalhadora europeia.

A educação de propagandistas negros é uma tarefa revolucionária urgente e crucial na conjuntura atual.

5) Nos Estados Unidos, a questão é ainda mais complicada devido à estreiteza de visão e à abominável presunção de casta das camadas superiores privilegiadas da própria classe trabalhadora, que se recusam a reconhecer os negros como camaradas de classe e de luta. A política de Gompers se baseia na exploração desses preconceitos desprezíveis e, atualmente, é a garantia mais eficaz da submissão por igual de trabalhadores brancos e negros.

É necessário enfrentar essa política por diversos lados e em vários níveis. Uma das questões mais importantes desse conflito é conscientizar o proletariado, despertando entre os negros escravizados a dignidade humana e a revolta revolucionária contra o capitalismo americano. Como mencionei acima, esse trabalho só pode ser realizado por revolucionários negros dedicados e politicamente educados.

Nem preciso dizer que esse trabalho não deve ser conduzido com um espírito de chauvinismo negro, que é apenas o oposto do chauvinismo branco, mas com um espírito de solidariedade com todos os explorados, independentemente da cor.

É difícil para mim decidir quais formas de organização seriam mais adequadas ao movimento dos negros norte-americanos, pois minhas informações sobre as condições e possibilidades concretas são insuficientes. No entanto, as formas de organização podem ser encontradas assim que houver vontade suficiente para agir.

Com saudações comunistas,

L. Trótski

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