Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS)
Apresentamos a seguir, como parte desta edição de Ideias de Esquerda, que inclui três artigos em preparação para o XX Congresso do PTS, um documento sobre a situação na Argentina sob o governo Milei, para debater as perspectivas da política, da economia e da luta de classes. O documento foi elaborado por uma comissão da direção nacional do PTS, composta por Fernando Scolnik, Eduardo Castilla, Pablo Anino e Esteban Mercatante, e aprovado após um intercâmbio coletivo.
Introdução
O XX Congresso do PTS será realizado após um ano e meio de governo de Javier Milei. No momento da publicação deste documento (março de 2025), a situação política está mudando aceleradamente, confirmando que estamos diante de um ponto de inflexão. O escândalo da criptofraude não foi apenas o primeiro grande golpe à credibilidade do presidente, mas, ao ocorrer em meio a debates crescentes sobre o plano econômico, fragmentação dos partidos políticos e polarização política e social, abriu espaço para o desenvolvimento de novos fenômenos políticos e para a intensificação da luta de classes.
A jornada de luta dos aposentados no dia 12 de março demonstrou que, diante dos ataques sistemáticos de um governo de ultradireita enfraquecido, cresce a combatividade, o ódio e a disposição de resistência das milhares de pessoas que participaram do protesto no centro de Buenos Aires, com o apoio de milhões que rejeitaram a repressão, como evidenciado por centenas ou milhares de manifestações nos dias seguintes em locais de trabalho, estudo e bairros. Foi expressa uma forte vontade de luta por parte de setores que não foram convocados por organizações sindicais e sociais. A resistência trouxe às ruas trabalhadoras e trabalhadores de diferentes setores – muitos em condições precárias –, lutando lado a lado com torcidas organizadas e militantes políticos, principalmente da esquerda. Além disso, as justificativas de Patricia Bullrich para a repressão foram desmascaradas diante de amplos setores da população. Vídeos e fotos amplamente divulgados contradiziam a versão da ministra, constituindo um golpe significativo contra uma das principais figuras do governo. Nem mesmo os grandes meios de comunicação – que tentaram justificar a repressão durante todo o protesto – conseguiram esconder os fatos. Uma nova mobilização já está sendo convocada para o dia 19 de março, e poucos dias depois, no dia 24, ocorrerá a marcha pelo aniversário do Golpe. Esses eventos, de grande profundidade, ocorrem em meio a um crescente questionamento à burocracia sindical, que vinha mantendo uma longa e escandalosa trégua e que agora tenta se reposicionar, anunciando um chamado para uma greve nacional antes de 10 de abril, mas sem alterar sua estratégia de cumplicidade com os planos do governo.
No geral, essa nova situação não apenas abre a possibilidade de novas ações de luta – agora com setores que estão se radicalizando –, mas também impõe o desafio de aumentar a ousadia para aproveitar a nova correlação de forças e se organizar em todos os locais de trabalho e estudo contra os ataques do governo e das empresas, com independência da burocracia sindical e buscando impor a unidade operária. De maneira mais ampla, as coordenadas para pensar nossa orientação política estão mudando.
Como analisamos em outro documento da edição anterior do Ideias de Esquerda , o cenário argentino não pode ser compreendido isoladamente, pois se insere em um mundo convulsionado e de incerteza global, cujos efeitos contraditórios sobre a Argentina serão abordados mais adiante.
Independentemente dos desdobramentos imediatos (podemos testemunhar momentos de crise mais profunda e outros de estabilização precária – o que o governo busca com o acordo com o FMI), algo parece claro: embora o governo ainda conte essencialmente com o apoio dos setores mais concentrados das classes dominantes (principalmente o capital financeiro e extrativista, ainda que com contradições entre as patronais do agronegócio), esteja alinhado geopoliticamente com o trumpismo agora no poder nos Estados Unidos, e tenha a “governabilidade” garantida pela oposição macrista, radical e peronista, assim como pela burocracia sindical, também é verdade que, com o Libragate, o governo enfrentou sua maior crise desde a posse. Esse golpe na sua credibilidade ocorre em um momento de dúvidas e tensões econômicas e políticas dentro da própria burguesia.
Isso significa que os efeitos ultrapassam a conjuntura, e, sentindo a crescente fragilidade do governo, mais setores estão dispostos a enfrentá-lo – tanto no campo político quanto na luta de classes, como se viu no dia 12 de março. Para um governo que assumiu com grande debilidade institucional em meio a uma grave crise econômica e que se propôs a ser um bonapartismo de direita após os fracassos anteriores do macrismo e do peronismo – configurando uma crise orgânica –, esse cenário aumenta sua fragilidade e cria ainda mais incerteza para a aplicação de seus planos estratégicos. Além disso, não se pode descartar que a retroalimentação entre os problemas econômicos e políticos leve a reviravoltas bruscas e agravamento da crise.
Vale lembrar que, embora no imediato o governo tenha um objetivo tático muito importante, que é atravessar estes meses até outubro com a menor quantidade possível de sobressaltos e sair bem das eleições de meio de mandato (para o que adota a política de “segurar” o dólar sem desvalorizá-lo e fechar um acordo com o FMI que lhe permita ganhar tempo), em um nível mais profundo, seu programa não consiste apenas em administrar a crise, mas em dar um desfecho reacionário a ela, redesenhando ainda mais o país a favor do grande poder econômico. Isso implica subordinar ainda mais toda a economia aos interesses do capital financeiro e ao pagamento da dívida aos especuladores; fomentar o saque extrativista como forma de gerar divisas; promover uma abertura comercial; desregular amplamente diversas atividades; avançar no enxugamento do Estado e aprofundar as reformas trabalhista e previdenciária, entre outros pontos fundamentais, tudo sob a estrita submissão da economia nacional ao regime do FMI. Esse plano para o país, impensável sem grandes convulsões políticas e sociais em um lugar como a Argentina – onde os sindicatos têm um grande peso e há uma tradição de ação direta –, torna-se ainda mais incerto no atual contexto, em que as condições de vida vêm se deteriorando constantemente nos últimos anos, mas sem que tenham ocorrido grandes derrotas da luta de classes.
Essa combinação de fatores leva à previsão de que o próximo período será marcado por instabilidade política e acontecimentos mais intensos da luta de classes. A disputa eleitoral deste ano, junto com seus objetivos específicos, estará inserida nesse contexto para todos os atores: o governo, que buscará uma vitória como capital político para uma segunda parte difícil de seu mandato; os opositores burgueses, que tentarão usar os problemas do governo para se recompor de suas múltiplas crises; e nós, a esquerda revolucionária, que utilizaremos a tribuna eleitoral para agitar a necessidade de uma saída baseada na classe trabalhadora e no socialismo.
No imediato, como mencionamos, a maior fraqueza estratégica do governo e as contradições mais acentuadas entre os setores dominantes constituem um terreno mais favorável para que nossa atividade política impulsione o desenvolvimento da luta de classes contra o plano de Milei, o FMI e as grandes empresas. Além disso, e de forma inseparável desse ponto, os problemas do governo – vindos das crises do macrismo e do peronismo anteriormente – abrem um cenário mais propício para nossa intervenção política, no caminho da construção de uma força política da classe trabalhadora e do povo pobre que lute por uma perspectiva socialista e revolucionária. Junto com este documento, e após uma análise mais detalhada desses temas nas páginas seguintes, publicamos nesta edição de Ideias de Esquerda um artigo em que abordamos especificamente a perspectiva de que nossa construção partidária é inseparável da conquista de laços orgânicos com os setores de vanguarda e com as massas. Isso não se trata apenas de ganhar influência política em geral, mas, em particular, de apostar na organização dos setores mais amplos nos locais de trabalho, de estudo e nos bairros operários e populares, com o objetivo de conquistar um peso que possa ser decisivo para a luta de classes. O PTS realiza seu XX Congresso sob essa perspectiva.
O experimento Milei na crise orgânica
A ascensão de um outsider como Javier Milei – já analisamos isso em diversas ocasiões – é impossível de compreender sem levar em conta o fracasso sucessivo dos governos de Cambiemos e da Frente de Todos e a prolongada crise argentina, dentro de um contexto internacional no qual, após a crise de 2008, fenômenos semelhantes a este (ainda que não idênticos) vêm ocorrendo em diferentes partes do mundo.
Ao deixar o governo em 2023, o peronismo – sempre mantendo-se dentro do “regime do FMI” – deixou uma taxa de pobreza próxima de 40%, um descumprimento generalizado de suas promessas de campanha, uma fragmentação profunda de seu espaço, escândalos como a festa na Quinta de Olivos durante a pandemia e uma inflação recorde em mais de trinta anos. Além disso, as burocracias sindicais, dos movimentos sociais e estudantis contribuíram com sua cumplicidade e passividade para que o descontentamento não se canalizasse através da luta de classes. Mesmo governadores como Axel Kicillof, quando enfrentaram tendências agudas à luta de classes, como no caso de Guernica, reprimiram as manifestações sob a liderança de Sergio Berni. De forma geral, o peronismo foi um fator fundamental e indispensável para abrir caminho à ultradireita.
Com base nesse profundo descontentamento com o regime político como um todo, La Libertad Avanza primeiro estruturou uma campanha eleitoral baseada em demagogia ultradireitista (promovendo ilusões de soluções mágicas como a “dolarização”, com um discurso contra “a casta”, contra a corrupção, contra o papel do Estado na economia e contra os setores moderados do antigo Juntos por el Cambio). Depois, já no governo, implementou um amplo plano de ajustes e reformas (mega-desvalorização, ajuste fiscal, demissões no setor público, Decreto de Necessidade e Urgência 70/23, Lei Bases, etc.). Seu discurso inicial de “salvador do país” afirmava que essas medidas eram indispensáveis para evitar a hiperinflação e que representavam o “último esforço” pedido à população para sair definitivamente da crise.
O importante a respeito disso é que desde o início se tratou de um discurso que pretendia se apresentar como hegemônico para tentar legitimar as medidas tomadas e postular os interesses do grande capital como se correspondessem ao interesse geral da grande maioria da população. No discurso oficialista, acabar com o déficit fiscal, liberar as forças do mercado, promover privatizações e desregulamentações, realizar uma reforma trabalhista e, de forma mais geral, “derrubar as barreiras” para o investimento teriam um custo no curto prazo (culpa dos governos anteriores), mas permitiriam, posteriormente, o crescimento do país. A repressão ao protesto social, comandada por Patricia Bullrich e seu “protocolo antipiquetes”, acompanhava esse esquema com a necessidade de impor ordem nas ruas.
A principal vantagem para La Libertad Avanza nesse contexto era (e continua sendo) o fracasso dos governos anteriores. No entanto, as contradições do esquema de governo também começaram a se manifestar desde cedo. Se, por um lado, o oficialismo se baseou (e ainda se baseia) no apoio do grande capital e na cumplicidade das burocracias sindicais e da oposição burguesa, que não apenas atravessa uma grande crise como também não possui um programa alternativo de governo, por outro lado, desde o começo foi um governo de grande fragilidade institucional (minoria no Congresso Nacional e sem governadores ou prefeitos próprios), atuando em meio a uma profunda crise e uma acentuada polarização política e social.
Diante dessa configuração, durante o primeiro ano de mandato, o exercício do poder combinou medidas de tipo bonapartista (decretos, vetos, repressão ao protesto social) com negociações no Congresso Nacional, onde o oficialismo precisou fazer acordos constantes com setores colaboracionistas. O ponto central dessa avaliação é que, apesar de estar em minoria, La Libertad Avanza conseguiu aprovar o essencial de suas leis e vetos graças à indispensável colaboração do macrismo e de setores do peronismo, do radicalismo e do bloco de Pichetto. Esse fato é crucial para a luta política e tem sido denunciado em diversas ocasiões. No entanto, vale ressaltar que a condição de minoria parlamentar trouxe diversas dificuldades ao governo, refletidas tanto em algumas derrotas no Congresso (como a da Lei Ómnibus em fevereiro de 2024) quanto na impossibilidade de avançar com temas importantes, como a autorização para um novo acordo com o FMI (que será feito via decreto) ou a nomeação de novos membros da Suprema Corte (levando a um possível conflito institucional com o Senado). Além disso, levou mais de seis meses para que suas primeiras leis (Bases e Pacote Fiscal) fossem aprovadas, sendo necessárias manobras de última hora e o voto de desempate de Victoria Villarruel no Senado. Esse cenário de minoria parlamentar não só gerou grande precariedade e incerteza, mas também resultou em escândalos de corrupção, como o do senador Edgardo Kueider, preso no Paraguai com mais de 200 mil dólares em supostas propinas, evidenciando os mecanismos utilizados pela burguesia para aprovar leis.
Quanto à estrutura interna de La Libertad Avanza, desde cedo começaram a se tornar evidentes suas disputas internas e fragilidades, tanto no que diz respeito aos blocos parlamentares marcados por escândalos quanto à ruptura entre Javier Milei e Victoria Villarruel, de grande relevância institucional, já que ela é a primeira na linha de sucessão presidencial. Da mesma forma, o governo demitiu dezenas de altos funcionários desde o início, incluindo o primeiro chefe de gabinete, Nicolás Posse, e a chanceler Diana Mondino, além de afastar figuras importantes como Ramiro Marra. A “cúpula” do governo tornou-se cada vez mais um “triângulo de ferro”, agora fortemente abalado pelo escândalo da criptofraude.
No campo da luta de classes, durante o primeiro ano do governo e apesar de uma narrativa que tenta ocultar ou minimizar os fatos, ocorreram importantes lutas e mobilizações, incluindo duas greves gerais (uma de 12 horas e outra de 24), greves de diversos sindicatos do setor de transporte, duas grandes marchas universitárias acompanhadas de ocupações de faculdades em todo o país, importantes manifestações nos dias 8 e 24 de março, protestos contra a repressão da Lei Bases, crises e mobilizações provinciais como em Misiones, greves prolongadas de professores em Neuquén e Córdoba, além de diversas manifestações contra demissões, o surgimento de assembleias populares, mobilizações de aposentados e, mais recentemente, a grande marcha de 1º de fevereiro liderada por mulheres e pela comunidade LGBTQIA+. Nos últimos dias, como apontado no início, a mobilização de 12 de março demonstrou o surgimento de setores combativos com forte disposição para se posicionar e enfrentar a repressão ordenada por Patricia Bullrich, revelando também o crescimento de setores descontentes diante da continuidade do ajuste fiscal, da repressão aos protestos e dos discursos reacionários. Esse é um sintoma de grande relevância. Embora, até o momento, as lutas não tenham sido suficientes para derrotar o plano do governo e tenham sido desafiadoras ao longo deste quase um ano e meio, é importante destacar não apenas a existência de uma vontade de resistência sempre que há convocações claras, mas também que essa resistência está crescendo.
Ligado a isso, há meses que pesquisas próprias e externas indicam o quão superestimado está o suposto triunfo do governo na chamada “batalha cultural”. Embora conte a seu favor o descrédito de toda a oposição burguesa e – até o momento – a queda da inflação como um feito a exibir (à custa de ter provocado uma recessão, feito operações financeiras de curto prazo, promovido uma anistia fiscal e intervindo no câmbio paralelo vendendo reservas), múltiplos levantamentos mostram um amplo repúdio à continuidade do enxugamento do Estado, especialmente no que se refere aos benefícios previdenciários, à educação e à saúde, entre outros itens. As massivas marchas universitárias foram uma expressão disso. Também o foi, há poucas semanas, a demissão do chefe da Anses, Mariano de los Heros, por ter antecipado, em pleno ano eleitoral, a preparação de uma reforma da previdência. A marcha de 12 de março foi mais uma demonstração disso. Tudo isso revela dificuldades estruturais para a implementação dos planos do governo.
As classes dominantes, cientes dessas fragilidades desde o início, experimentaram algumas semanas de euforia no final de 2024, juntamente com o grande poder midiático, quando o governo passou por uma série de boas notícias consecutivas que tentaram interpretar como uma consolidação frente às dificuldades iniciais: a redução relativa da inflação, que partiu de níveis muito elevados; o aparente controle das variáveis financeiras (especialmente do câmbio paralelo e da queda do risco-país); a imposição de vetos no Congresso Nacional ao financiamento universitário e ao aumento das aposentadorias; e a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, ao qual o partido La Libertad Avanza está alinhado e de quem espera benefícios geopolíticos e econômicos, especialmente a facilitação de um novo acordo com o FMI.
No entanto, com o passar das semanas, fatores de instabilidade reapareceram, deixando claro que todas as conjunturas se desenrolam sobre um pano de fundo de problemas estruturais não resolvidos, o que também abre espaço para mudanças bruscas na situação.
No âmbito econômico, há muitos elementos de precariedade. Em um cenário de crescente incerteza global diante das medidas de Trump, o governo argentino vem tentando resistir sem desvalorizar a moeda até as eleições e anunciou, às pressas, um acordo com o FMI sem fornecer detalhes, mas com o qual tentará ganhar tempo até o pleito. O debate sobre o atraso cambial está se intensificando, gerando tensões entre setores da burguesia, embora ainda não se manifestem como blocos antagônicos.
No plano político, o discurso ultrarreacionário no Fórum de Davos contra a diversidade sexual e as mulheres – e, anteriormente, o ataque aos “esquerdistas” – encontrou resistência e foi respondido com grandes mobilizações em 1º de fevereiro, evidenciando a existência de uma oposição massiva ao governo que se tentava ocultar. Em uma dinâmica relacionada a isso, a repressão sistemática às marchas dos aposentados às quartas-feiras gerou uma reação do outro lado, aumentando o apoio aos idosos e alimentando a indignação e a combatividade que se viram na mobilização de 12 de março.
No que diz respeito aos problemas estruturais que afetam gravemente a vida das massas, as últimas semanas foram reveladoras da decadência estrutural da Argentina capitalista, com apagões que atingiram milhões de pessoas após anos de desinvestimento das empresas privatizadas, em conluio com todos os governos. O caso mais dramático foi a catástrofe de Bahía Blanca – que, até o momento, deixou 16 mortos –, tudo isso em um contexto em que o ajuste fiscal recaiu, entre outras áreas, sobre a infraestrutura pública.
Nesse contexto de dificuldades para o governo, o escândalo da criptofraude marcou um ponto de inflexão no mandato de La Libertad Avanza: não se tratou de um simples tropeço, mas de um golpe direto na credibilidade de um governo que, desde o início, tentou se sustentar na popularidade do presidente, buscando concentrar poderes para implementar um programa de choque. Esse escândalo atinge um elemento central do capital político do governo para levar adiante seus planos.
A partir de agora, um governo contestado terá que lidar com dificuldades estratégicas para executar seu plano. O novo elemento pode ser o fato de que muitos outros setores “se encorajem” ao perceber a fraqueza do oficialismo. Estamos diante de um cenário de polarização, no qual o apoio ao governo se mantém, mas é menos “intenso” em alguns setores, enquanto o campo opositor se fortalece. Isso foi indicado por um estudo da Tendencias no final de fevereiro e parece estar sendo confirmado e acentuado pelos acontecimentos posteriores.
Para o regime como um todo, há muito em jogo no próximo período. Um eventual fracasso do governo de La Libertad Avanza poderia configurar um cenário incerto de crise, dado o grau de fragmentação dos demais espaços políticos burgueses e a profundidade e persistência da crise econômica e social na Argentina, que se arrasta desde os fracassos dos governos anteriores.
Um cenário econômico repleto de incertezas
O governo Milei entra em seu segundo ano com uma economia na qual os únicos setores dinâmicos são aqueles em que surgiram boas oportunidades de negócios. Apoia-se na queda da inflação, após tê-la elevado a níveis recordes em dezembro de 2023. Essa redução foi baseada na depressão econômica e na ancoragem do câmbio. Ainda assim, comparado a outros planos de estabilização na Argentina e no mundo, o desempenho do programa Caputo-Milei é fraco: outros planos conseguiram reduzir os preços mais rapidamente.
Além disso, ao ter mantido o dólar estável, voltou a discussão sobre o câmbio. Para o governo, é difícil conseguir divisas provenientes das exportações, e o câmbio atual estimula as compras no exterior e o turismo internacional, além do pagamento à vista dos juros da dívida em dólares, especialmente ao FMI. Apenas os dólares provenientes da regularização de capitais moderam a situação. Esse déficit no setor externo é o calcanhar de Aquiles do modelo econômico. A estabilidade depende da continuidade do controle cambial. No entanto, se ocorrerem turbulências internacionais, essa ferramenta pode ser insuficiente para evitar instabilidades antes das eleições.
Efeito Trump sobre a economia argentina
O governo de Javier Milei tem um ponto de apoio no imperialismo norte-americano com a posse de Donald Trump. Essas esperanças se baseiam em quatro fatores: uma “ajudinha” com o FMI; a valorização dos ativos argentinos (tanto ações de empresas quanto títulos do Estado); a entrada de investimento estrangeiro direto; e a possibilidade de que o país seja isento da política de tarifas de Trump. Até o momento, essas esperanças não se concretizaram.
Um fator central de instabilidade na economia mundial é a aplicação de tarifas que Trump tem anunciado e suspendido repetidamente. Isso explica as recentes turbulências financeiras. Além disso, pode ser um fator que reacenda a alta de preços nos EUA, o que pode levar ao aumento das taxas de juros naquele país. Para a Argentina, isso poderia significar uma menor entrada de capitais ou até mesmo sua saída, preços mais baixos para os produtos básicos que o país exporta (que já estão em queda) e também poderia dificultar o plano do ministro da Economia, Luis Caputo, de buscar novos empréstimos.
Contradições do programa de Milei e Caputo
No melhor dos cenários, e se não houver grandes turbulências, 2025 apresenta para a Argentina um panorama de escasso financiamento internacional e maiores dificuldades para obter divisas comerciais, em um ano em que os vencimentos da dívida em dólares com credores privados começam a ser mais significativos do que nos anos anteriores. A escassez de dólares na economia volta a ser crucial para atravessar este e os próximos anos.
A incerteza reina nos “mercados” devido a uma combinação de fatores internacionais, especialmente a política tarifária de Trump, e fatores locais, principalmente a demora em concretizar um novo acordo com o FMI, que, embora tenha sido anunciado, ainda não foi firmado. Relacionado a isso, também não se sabe o que acontecerá com o controle cambial, já que o governo continua adiando a data de sua remoção. A existência desse controle também explica a baixa quantidade de investimentos de novas empresas no país: em 2024, registrou-se o menor nível de investimento estrangeiro direto do século XXI. Pelo contrário, o que se observou até agora foi a retirada de capital estrangeiro: o HSBC foi vendido para o Grupo Galicia; o Clarín adquiriu a Telefónica, que pertencia a capitais espanhóis; a Mercedes-Benz anunciou sua saída do país, deixando parte de suas operações nas mãos de investidores locais; e os anúncios na mineração, em sua maioria, referem-se à aquisição de projetos preexistentes por grandes grupos internacionais, e não à aposta em novos empreendimentos.
Neste cenário de incerteza, a questão central é o que acontecerá com o dólar. Sabe-se que a eliminação do controle cambial implica, em maior ou menor grau, turbulências na cotação do dólar, a menos que ocorra, como em 2016/2017, uma entrada massiva de capitais especulativos ou um (improvável) salto nas exportações. Sem uma “chuva” de dólares por alguma dessas vias, a eliminação do controle cambial levaria a uma nova desvalorização.
As informações sobre as negociações indicam que o FMI não quer fechar um acordo sem um cronograma para o fim do controle cambial. Além disso, exige uma maior regularização do mercado de câmbio, como, por exemplo, a eliminação do “blend” exportador, que permite às empresas exportadoras liquidar 20% de suas vendas externas na cotação do dólar contado com liquidação (que é 15% mais caro que o oficial). Ao mesmo tempo, o FMI exigiria uma liberalização cambial, possivelmente com uma banda de flutuação, a mesma política que fracassou em 2018, com o objetivo de evitar que os dólares desembolsados escapem devido à fuga de capitais, como ocorreu naquela época.
Essa possível mudança no regime cambial é muito crítica, razão pela qual o governo deseja implementá-la após as eleições de outubro. Ainda assim, o valor dos dólares que o FMI estaria disposto a desembolsar, de forma progressiva, no melhor dos cenários incluiria a renovação do acordo assinado com Guzmán em 2022, mais um adicional de cerca de US$ 10 bilhões, que seriam liberados em parcelas condicionadas ao cumprimento das metas pactuadas. Além disso, segundo especulações, um montante semelhante poderia vir de outros organismos, como o BID e o Banco Mundial, cujos fundos são destinados a infraestrutura e outros programas, mas que ajudariam a fortalecer as reservas. Tudo isso, no entanto, é baseado em informações não oficiais e especulativas. Algumas fontes sugerem que o FMI imporá metas de acumulação de reservas, uma forma indireta de exigir uma desvalorização, já que as reservas líquidas negativas do Banco Central e os limites para melhorá-las estão intimamente ligados ao atraso cambial.
Em uma medida que ignora a Constituição e outras leis, o presidente Javier Milei assinou um decreto no qual aprova unilateralmente as operações de crédito de um novo acordo com o FMI. Um acordo com o FMI é central como sinal para os “mercados” e como tentativa do governo de construir uma ponte financeira até que os projetos de exploração de recursos naturais Vaca Muerta em particular, se tornem rentáveis.
Com o dólar nos níveis atuais, outro desafio para o governo será conseguir que os produtores rurais queiram vender sua produção. Enquanto as finanças priorizam a estabilidade e estão satisfeitas com o fato de não haver um salto na taxa de câmbio, os exportadores continuam apostando em um dólar mais alto.
O debate sobre o atraso cambial evidencia as tensões decorrentes de um esquema que obriga os capitalistas locais a competir em condições desvantajosas ou, mesmo em setores competitivos como o agro, os leva a perder parte da rentabilidade esperada. O governo nega isso porque é essencial para sustentar a “ciranda financeira”, mas muitos críticos defendem uma desvalorização que melhore a renda dos exportadores e dos setores voltados para o mercado interno. Muitas entidades empresariais, como a UIA, também aderem a essa reivindicação. Independentemente do debate, o efeito do atraso cambial é que a conta corrente do Banco Central (em termos simples, a relação entre os dólares que entram e saem do país) se tornou negativa desde julho, e o saldo comercial (relação entre exportações e importações) vem se comprimindo progressivamente.
O caminho atual, com o peso fortalecido artificialmente à custa de uma festa financeira para poucos, leva a uma crise industrial (a indústria, embora tenha moderado a queda no final do ano, sofreu uma forte retração em 2024, de quase 10%) e a uma catástrofe social ampliada. No entanto, um acordo com o FMI, com o fim do controle cambial e uma desvalorização – seja abrupta ou progressiva – para “resolver” o atraso cambial, implicaria um salto inflacionário e um novo golpe no poder de compra dos salários e das rendas populares, que já estão em níveis muito baixos. Tanto a manutenção indefinida do atraso cambial quanto a desvalorização representam duas alternativas trágicas para a classe trabalhadora.
O golpe na renda
Em média, em 2024, o salário real caiu 6% no setor privado, enquanto no setor público a queda foi de 20%, e no setor privado não registrado, de 30%. Os benefícios previdenciários também perderam poder de compra ao longo do ano: os valores acima do mínimo caíram 18,7%, enquanto os benefícios mínimos (incluindo bônus) perderam 15%.
É importante destacar que os indicadores de poder de compra dos salários e das aposentadorias estão relativamente subestimados porque as autoridades do INDEC se recusam a uma atualização metodológica que leve a uma ponderação adequada dos serviços públicos – cujo custo subiu drasticamente – nos gastos das famílias. Para ter uma dimensão desse efeito, a consultoria Empiria, do ex-ministro macrista Hernán Lacunza, estimou que, descontando os gastos com serviços públicos, o poder de compra das famílias caiu 18% na área metropolitana durante 2024.
Em meio ao ajuste fiscal geral, o governo teve o cuidado de não cortar a Asignación Universal por Hijo (AUH), que melhorou em termos reais. Em meio a uma degradação e precarização generalizadas, a autoexploração e o pluriemprego são fenômenos que já existiam, mas que, sob o governo Milei, se intensificaram. Esses fatores provavelmente contribuem para que a crise social seja contida de forma precária.
Perspectivas e cenários de uma economia estagnada
Para 2025, projeta-se um crescimento de 5%. Ainda assim, a atividade econômica permaneceria em níveis semelhantes aos de 2017.
Tudo indica que, até as eleições, mesmo com um acordo com o FMI, o governo buscará “segurar” a taxa de câmbio com o atual esquema de ajuste nominal mensal de 1%, em meio à escassez, preparando o terreno para um ajuste cambial após as eleições. Não se sabe se o FMI pressionará para acelerar a mudança no valor do peso frente ao dólar. Diferente de outros períodos eleitorais, com o controle cambial e um forte ajuste fiscal, o cenário é de mais um ano de economia estagnada (com exceção de alguns poucos setores que estão se beneficiando).
Esse plano pode funcionar? Se não houver turbulências internacionais, se não houver mais crises autoinfligidas como a do $Libra (que, embora não esteja diretamente relacionada ao programa econômico, manchou a imagem de Milei e sua suposta expertise econômica), e se o acordo com o FMI for parecido com o que vem sendo divulgado, não se pode descartar a possibilidade de o governo conseguir se sustentar até as eleições.
Se alguma dessas condições não for cumprida, podem surgir mais complicações antes das eleições. E se houver problemas em mais de uma dessas áreas, o cenário pode ser de alto risco. Como há controle cambial, as complicações virão mais pelo lado do risco-país e da diferença entre a cotação oficial do dólar e as cotações paralelas. Isso pode pressionar por uma desvalorização que o governo não deseja. Mesmo que consiga adiar essa desvalorização intervindo nos mercados cambiais, pode alimentar ainda mais a resistência dos exportadores e, acima de tudo, reacender as expectativas inflacionárias, ameaçando o principal resultado no qual o governo se apoia.
A luta de classes na Argentina de Milei
A jornada de 12 de março mostrou o que pode ser uma mudança qualitativa na dinâmica da luta de classes. A resistência de milhares de pessoas contra as forças federais e a polícia de Buenos Aires se estendeu por várias horas, enfrentando uma forte repressão que deixou centenas de feridos, alguns em estado grave. O episódio lembrou os confrontos de dezembro de 2017 contra a reforma previdenciária de Macri, que marcaram o início do fim de seu governo. Como mostra a detalhada crônica de Lucho Aguilar, a resistência nas ruas uniu trabalhadores e trabalhadoras de diversos setores, muitos em situação precária, lutando lado a lado com torcedores organizados que haviam declarado apoio aos aposentados e militantes de organizações políticas, principalmente da esquerda. Com algumas exceções, esses setores não estavam vinculados a sindicatos ou organizações sociais. Pelo contrário, a resposta ao aparato repressivo teve um caráter predominantemente espontâneo. Além disso, a jornada marcou uma mudança na dinâmica dos protestos anteriores contra Milei, que até então haviam sido majoritariamente pacíficos. Esses setores podem se consolidar como uma vanguarda combativa, que se radicaliza na luta de rua pelo direito de protestar e contra o ajuste imposto aos aposentados, caso as manifestações de quarta-feira continuem crescendo.
Esta jornada expressou tendências à ação espontânea desses setores trabalhadores e juvenis “não orgânicos”. No entanto, a ação foi precedida pela dura luta de aposentados e aposentadas, que se tornaram um ponto de referência na resistência ao ajuste. E se desenvolveu a partir das próprias torcidas organizadas, que possuem seus grupos e associações através dos quais a participação foi organizada. Se a burocracia sindical intervir nessas ações, será com o objetivo de oferecer um canal para uma mobilização controlada e limitada.
No entanto, não se trata apenas de analisar o que ocorreu nas ruas. Nos locais de trabalho e estudo, houve uma forte rejeição à repressão. Houve grande simpatia tanto pela causa dos aposentados quanto pelos manifestantes que resistiram. Isso demonstra que o discurso de demonização propagado pelos grandes meios de comunicação e pelo governo está fracassando. Muitos e muitas já anunciam que irão às ruas na próxima quarta-feira, como mostra, por exemplo, esta reportagem do La Izquierda Diario em Constitución. Temos a obrigação política de buscar, dialogar e organizar esses setores que hoje certamente estão dispersos em cada empresa, cada fábrica, cada faculdade ou escola. É preciso organizar-se não apenas para a luta nas ruas, mas também nessas estruturas, que são decisivas para derrotar o plano de Milei, o FMI e as grandes corporações. Devemos apostar na organização dessa vanguarda como um passo para mobilizar setores amplos das massas, que cada vez mais rejeitam Milei, seu governo e seu plano de ajuste.
Se o governo mantiver sua postura repressiva e houver uma radicalização de frações da vanguarda ou das massas, abre-se o caminho para ações históricas independentes das massas. No fundo, esses processos demonstram que a combinação entre o enfraquecimento da autoridade presidencial, as tensões relativas entre as elites, os problemas econômicos e o mal-estar social acumulado criam um cenário para um maior desenvolvimento da luta de classes, estendendo, radicalizando e aprofundando o processo de resistência que ocorreu em 2024. Dando continuidade a essa dinâmica, antes da jornada de 12 de março, vimos lutas de diversos tipos, com certa tendência a superar o corporativismo e levantar a perspectiva da unidade operária e popular. Por exemplo, na greve da Granja Tres Arroyos, que contou com enorme apoio da população de Concepción del Uruguay e, embora tenha sofrido uma derrota parcial, demonstrou a disposição de luta de um setor operário e amplo respaldo social. Ou a luta política contra a privatização da EPEC, em Córdoba. Mais atrás no tempo, em dezembro, vimos a revolta popular em Orán contra o assassinato de Fernando Gómez, onde a rejeição à repressão unificou toda a população.
A resistência que houve até o momento não foi apenas sindical. Foi social e política, expressando frações dos 44% que votaram contra o governo, mas também setores que votaram em Milei e protagonizaram duras lutas salariais, como em províncias como Misiones ou Córdoba. Além disso, houve inúmeras lutas setoriais por melhores salários, contra demissões ou por melhores condições de trabalho. A resistência também se manifestou em duas greves gerais, em mobilizações como o 8M, o 24M, as duas marchas universitárias (que incluíram uma fração da base eleitoral de Milei) e o processo de ocupação de faculdades, assim como na recente marcha de 1º de fevereiro contra o discurso misógino e homofóbico de Milei em Davos. Também se destacou a dura e persistente luta dos aposentados e aposentadas.
A disposição para lutar contra o governo de Milei ficou evidente desde o início. No primeiro mês e meio de governo, houve desafios ao “protocolo antipiquetes” (liderados pela esquerda), panelaços, assembleias nos bairros e uma greve geral. Sempre que as direções sindicais e sociais convocaram mobilizações, a participação foi massiva, ao mesmo tempo em que surgia uma vanguarda inicial. Essa dinâmica não se aprofundou devido à traição escandalosa dessas lideranças do peronismo, que capitularam diante do governo, deixando muitas lutas isoladas enquanto negociavam seus próprios interesses corporativos. A trégua da burocracia sindical teve um ponto de inflexão com a Lei Bases, que inicialmente deixaram passar (apenas alguns sindicatos participaram e depois se retiraram no meio da jornada) e, posteriormente, pactuaram a Reforma Trabalhista, mantendo desde então uma trégua quase total por parte da direção da CGT. Essa traição foi decisiva; se essa legislação fundamental tivesse sido derrubada – e foi aprovada apenas pelo voto de desempate no Senado, o que quase não ocorreu –, o governo de Milei e seus planos reacionários teriam entrado em uma crise de enorme magnitude.
Após a repressão desta quarta-feira, Héctor Daer anunciou que a CGT finalmente convocaria uma greve geral antes de 10 de abril. Esse fato, por si só, confirma a mudança no clima político e a necessidade da burocracia sindical de se reposicionar. Ao mesmo tempo – e ainda resta ver como será a convocação concreta, por exemplo, se incluirá todo o setor de transportes ou não –, se não for parte de um plano de luta ativo para derrotar os planos do governo (o que não acontecerá se depender da CGT), e se for apenas uma medida para aliviar a pressão e negociar os interesses das cúpulas sindicais, isso apenas confirmará a cumplicidade da burocracia sindical. No entanto, essa situação pode abrir uma oportunidade para que setores dispostos a lutar tomem a greve em suas próprias mãos sob outra estratégia, impulsionando um plano de luta real.
Se considerarmos as primeiras semanas de 2025, estavam se delineando as tendências que descrevemos a seguir. No entanto, no novo contexto, será necessário acompanhar sua evolução e estar atento a eventuais saltos na luta de classes.
a) Lutas por salários ligadas às negociações coletivas, que podem ser marcadas por uma tensão maior do que nos anos anteriores, devido ao impacto da crise e ao congelamento ou tentativa de congelamento salarial. Nesse cenário, surgem lutas intensas, como a que ocorreu na Granja Tres Arroyos, os protestos dos trabalhadores do setor pesqueiro em Mar del Plata ou a resistência dos trabalhadores do setor de óleos, que enfrentam ataques salariais na Vicentin. Também há disputas por salários e condições de trabalho no setor docente, na docência universitária e na saúde, tanto em nível nacional quanto por províncias e até por municípios. De forma mais geral, muitos sindicatos ainda não abriram negociações salariais, e a tentativa de congelar salários pode encontrar resistência (como nos casos da Fraternidade e da UTA).
b) Também há lutas contra demissões e ataques das empresas, que tentam alterar a correlação de forças. Há demissões no Ingenio Ledesma e na Seabord (ex-El Tabacal, em Salta), além de dispensas persecutórias na Linde Praxair (zona norte), Shell, Pilkington e VW. Além disso, há suspensões na Acindar, que se estendem até dezembro.
c) Lutas contra demissões em massa ou fechamentos de empresas. Já vimos processos como o da ex-TextilCom (Catamarca), ocupada em defesa dos empregos, mas abandonada novamente pela nova administração. Entre essas lutas mais difíceis, destaca-se a resistência contra as demissões e o desmonte do Hospital Laura Bonaparte. Outro exemplo é o da gráfica Morvillo (Avellaneda), onde os trabalhadores permanecem mobilizados contra o fechamento patronal. O Partido Obrero faz parte da Comissão Interna. Esse cenário de fechamentos ou demissões em massa pode se repetir se as empresas intensificarem seus ataques aos trabalhadores para repassar os custos da crise. Não se pode descartar que algumas dessas lutas gerem mobilizações mais amplas, com apoio popular. Vimos isso recentemente na grande marcha em Concepción del Uruguay, no domingo, 23 de fevereiro, e na mobilização da cidade de Río Tercero em apoio aos trabalhadores da Petroquímica local, que lutavam contra demissões em 2024.
d) Também podem ocorrer lutas contra privatizações. Em 2024, vimos mobilizações contra os ataques à Aerolíneas Argentinas. Apesar da postura corporativa das lideranças sindicais, o governo não conseguiu avançar nessa agenda. Agora, em Córdoba, ocorre a luta contra a tentativa de privatização da EPEC, com forte disposição de luta da base trabalhadora, que realizou uma grande marcha na última quinta-feira, 27 de fevereiro. Se o governo peronista de Llaryora mantiver seu ataque, essa pode se tornar uma batalha de grande alcance.
e) Devemos considerar a hipótese de que possam surgir lutas ou um movimento democrático em resposta ao avanço da repressão e das medidas reacionárias do governo nacional e dos governos provinciais. A brutal repressão de 12 de março intensificou o ódio de parte da população contra as forças de segurança. À medida que nos aproximamos do 24 de março, essa indignação pode crescer, tornando as mobilizações ainda maiores.
f) As organizações sociais e piqueteiras sofreram um forte golpe econômico e judicial, o que reduziu significativamente sua capacidade de mobilização. No entanto, em meio à fome e à crise do governo e do peronismo, um setor segue organizado. Agora, propõem plenárias próprias, que devemos incentivar para que sejam unitárias, integrando os trabalhadores com carteira assinada.
g) Em Mendoza, há uma intensa luta em defesa da água, que já gerou grandes mobilizações e também uma resposta repressiva do governo do radical Cornejo. As lutas ambientais, que ocorrem em diversas regiões do país, podem se expandir diante do enfraquecimento do governo nacional, que, além de negar as mudanças climáticas, impulsiona o extrativismo, como ficou evidente na RIGI, que integra a corrupta Lei Bases.
h) Precisamos estar atentos ao desenvolvimento da luta universitária. O ano começou com paralisações de docentes (greve de 48 horas em 17 e 18 de março), e devemos observar se isso se torna um fator de mobilização do movimento estudantil.
i) Devemos considerar a hipótese de que ocorram revoltas populares diante de determinadas situações. Os anos 90 mostraram esse fenômeno, com forte protagonismo dos desempregados e em repúdio a repressões brutais. Essa tendência pode reaparecer. Recentemente, vimos uma revolta em Orán (Salta), em resposta ao assassinato de Fernando Gómez.
Como parte da crise do peronismo, estamos assistindo a um forte questionamento da burocracia sindical, que se aprofundou após a repressão de 12 de março. Os gritos contra a CGT, exigindo uma greve geral, foram uma constante tanto em 2024 quanto nos processos que estão se iniciando neste ano. Esse desgaste não pode ser revertido com simples comunicados ou com a participação de seus dirigentes em alguns protestos. É isso que agora obriga a CGT a falar sobre a convocação de uma greve geral. Atualmente, a burocracia sindical está envolvida nas disputas internas do próprio peronismo, com grande parte da cúpula apoiando abertamente Kicillof no lançamento de seu novo movimento. Ainda não está claro se isso representa uma ruptura definitiva com Cristina Fernández de Kirchner.
O processo de resistência que começou em 2024 partiu de um nível baixo, mas isso pode estar mudando. As massas trabalhadoras e populares da Argentina possuem uma forte tradição de luta. No entanto, o peronismo-kirchnerismo e as direções sindicais e sociais alinhadas a ele atuaram para desmobilizar o movimento de massas, ao mesmo tempo em que aprofundaram a fragmentação e a precarização da classe trabalhadora, impedindo que uma saída para as crises fosse construída a partir dos interesses dos trabalhadores. Se olharmos para os últimos anos, após a enorme resposta nas ruas contra a reforma previdenciária de Macri (dezembro de 2017), a burocracia sindical e o peronismo adotaram a estratégia do “Há 2019”, que significava permitir que Macri continuasse com seus ajustes, apostando em removê-lo nas urnas. Essa estratégia foi um fator de desmobilização, reforçando a ideia de que as mudanças só podem vir “de cima”, por meio da administração do Estado. Essa política continuou durante os anos de governo da Frente de Todos. O alinhamento político das burocracias sindicais com o governo peronista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner permitiu que inúmeros ataques ocorressem sem nenhuma reação. Isso gerou uma passividade no movimento de massas que agora começa a ser desmontada diante dos ataques brutais de Milei e das grandes empresas.
A história – nacional e internacional – demonstra que a consciência pode passar por grandes e abruptas transformações e reviravoltas. Essas mudanças bruscas se desenvolvem no contexto de processos de luta de classes, que podem ocorrer de forma mais ou menos rápida. As situações transitórias – como a que estamos definindo a nível nacional – abrem o cenário para reviravoltas abruptas, que podem permitir essas rápidas transformações na subjetividade e na consciência. Isso não significa que o setor direitista que apoia com mais convicção Milei possa girar à esquerda, mas sim que os setores opositores mais próximos do progressismo e com maior simpatia pela esquerda podem se radicalizar e se tornar mais ativos. Ou seja, a polarização atual pode se tornar menos assimétrica.
O papel da oposição burguesa e a crise de seus partidos
Embora tenhamos mencionado isso em uma seção anterior, o papel dos diferentes partidos burgueses frente ao governo de Milei merece um capítulo à parte. Ao mesmo tempo em que destacamos o papel fundamental que todos eles desempenham – de diferentes maneiras – para sustentar o governo de La Libertad Avanza, vale a pena analisar brevemente alguns elementos dos partidos do regime, pois isso afeta a luta política e a formulação de hipóteses. O ponto de partida é o colapso do “bicoalicionismo”, que prevaleceu nos anos anteriores à ascensão da ultradireita.
A ascensão de Javier Milei causou, em primeiro lugar, um grande impacto na direita argentina. O antigo Juntos por el Cambio, que se via como o sucessor natural do Frente de Todos, primeiro explodiu em disputas internas entre “falcões” e “pombas” – conflitos processados a um alto custo nas eleições primárias de 2023 – e depois sofreu uma dura derrota política ao ficar fora do segundo turno. Com o “pacto de Acassuso”, Macri contribuiu para a transferência dos votos de JxC para Milei, selando a vitória de La Libertad Avanza. No entanto, a grande derrota política não significou apenas a dissolução de Juntos por el Cambio, mas também fortes divisões e rupturas dentro de cada um de seus partidos.
Sem um programa alternativo ao de Milei e com o presidente sendo bem visto em termos gerais por sua própria base eleitoral, os partidos do ex-Juntos por el Cambio ficaram presos na impotência de votar quase tudo a favor do governo no Congresso, sem conseguir construir um perfil próprio suficientemente forte. O PRO se fragmentou entre aqueles que se integraram ao governo ou migraram para suas fileiras; Macri tenta negociar de fora, mas até agora sem sucesso; e setores como o de Rodríguez Larreta ficaram de fora, com um perfil mais centrista. Por sua vez, a União Cívica Radical, o segundo parceiro mais importante da antiga coalizão, também se dividiu, formando diferentes blocos no Congresso Nacional e se fragmentando entre os “peluca” (apoiadores fervorosos de Milei) e aqueles que tentam se posicionar como mais críticos.
Nas últimas semanas, todos esses partidos e facções, assim como o heterogêneo bloco de Pichetto, tentaram explorar as dificuldades crescentes do governo nacional, seja para “aumentar seu valor” em possíveis negociações eleitorais deste ano, seja para formar suas próprias listas – ou novas alianças – na tentativa de recuperar algum espaço diante de um governo que busca hegemonizar toda a direita argentina. O desenrolar da crise e a formação das listas eleitorais revelarão elementos sobre como se reconfiguram tanto os espaços da direita quanto do centro (que frequentemente se apoiam em bandeiras “republicanas” e de qualidade institucional para tentar se diferenciar de Milei, ainda que compartilhem os aspectos essenciais de seu programa econômico).
Por sua vez, o peronismo, como mencionamos anteriormente, entrou nessa nova etapa imerso em uma grande crise. Apesar dos 44% obtidos no segundo turno (com toda a artificialidade que esse mecanismo do regime gera), sua realidade é a de um espaço em crise: um governo do Frente de Todos que fracassou e desiludiu profundamente toda a sua base eleitoral; um ex-presidente completamente desacreditado (o que piorou ainda mais após as denúncias contra Fabiola Yañez); um candidato (Massa) que obteve apenas 22% nas primárias e foi aceito apenas como um mal menor contra Milei por amplos setores; e uma ex-vice-presidente, Cristina Kirchner, que, embora tenha tentado se preservar ao se diferenciar constantemente de Alberto Fernández, acabou associada ao fracasso, uma vez que foi ela quem escolheu o presidente.
Essa crise do peronismo continuou com seu papel na oposição. Como analisamos com dados de pesquisas, existe um importante descontentamento na base desse espaço. Segundo um estudo da Tendencias realizado em fevereiro, a Unión por la Patria mantém 35% de intenção de voto em nível nacional, ao mesmo tempo em que quase 60% dos eleitores do peronismo estão insatisfeitos com o papel desse partido na oposição. Ou seja, embora ainda não observemos grandes rupturas (o “malmenorismo” continua existindo, agora diante de um governo de ultradireita), identificamos, como um fenômeno a ser analisado, o fato de que suas alas mais progressistas ou combativas são críticas à conciliação do peronismo com Milei (ao mesmo tempo em que veem com bons olhos os representantes do PTS). Isso ocorre porque, além dos discursos, esse espaço forneceu votos decisivos ao governo atual para a aprovação de múltiplas leis e vetos, enquanto as lideranças sindicais da CGT (principalmente) e da CTA foram parte de uma trégua escandalosa (tentando se reposicionar no momento da publicação deste documento). No caso da liderança de Daer, eles se retiraram completamente das ruas depois de terem negociado a reforma trabalhista em troca da preservação de interesses materiais da burocracia.
No fundo, fica evidente que a estratégia das diferentes alas do peronismo consiste em permitir que Milei implemente seu plano e se preparar apenas para uma troca de governo em 2027, quando os efeitos da gestão de ultradireita já tiverem sido devastadores. Em contraposição a isso, defendemos nossa estratégia e nossa saída programática (sobre isso voltaremos a falar mais adiante). A maior confrontação atual contra o governo de Milei será utilizada para “mudar algo para que nada mude”.
A crise do kirchnerismo, que representa a centro-esquerda realmente existente nos últimos vinte anos no país, é de particular importância para nós. Com o fracasso da coalizão Frente de Todos, idealizada por Cristina Kirchner, terminou a hegemonia da ex-presidente e ex-vice-presidente sobre esse espaço, embora ela continue sendo uma figura de grande relevância dentro do peronismo. Isso se expressa tanto no vazio que diversos setores impuseram à sua assunção como presidente do PJ quanto no desafio representado por Axel Kicillof, que lançou sua própria corrente e busca se posicionar para 2027, reunindo apoios importantes de prefeitos da província de Buenos Aires, setores do interior e amplos segmentos da burocracia sindical.
Cabe destacar que, nesse processo de longo prazo, Kicillof, como governador – já com cinco anos de gestão e, portanto, responsável por muitas decisões, como a repressão em Guernica, entre inúmeras outras –, enfrenta grandes crises e problemas, como o desastre de Bahía Blanca e a agenda de “segurança pública”, que será utilizada contra ele ao longo da campanha eleitoral. Além disso, ele também é responsável pela implementação do ajuste econômico, chegando até mesmo a atacar os professores e descontar os dias de greve contra seu legítimo pedido de reajuste salarial. No interior do país, como sempre ocorre quando o peronismo está na oposição, governadores negociaram seus interesses individualmente em troca de votos para o governo no Congresso Nacional.
Com essa crise de liderança, o peronismo apresenta vários aspectos de “feudalização”, com múltiplos setores cuidando apenas de seus próprios interesses. De forma geral, e especialmente na disputa entre Cristina Kirchner e Axel Kicillof, estamos diante de uma luta por poder, sem que nenhuma das alas consiga explicar quais são as diferenças programáticas entre si. Além disso, o peronismo vive uma crise de narrativa: apesar dos discursos sobre a defesa do mercado interno, o papel do Estado ou a distribuição de renda, e das oposições pontuais ao governo, ele compartilha com o conjunto da burguesia a perspectiva de continuar sob o regime do FMI e do saque extrativista. No entanto, resta ver se, com o aprofundamento da crise, não surgirão mais diferenciações entre setores da burguesia que modifiquem esse cenário, como ocorreu no final dos anos 1990 e em 2001, com a disputa entre devalorizadores e dolarizadores – um cenário que, por ora, não tem equivalente na atualidade.
Em uma variante mais à esquerda, a figura de Juan Grabois vem ganhando força, tentando se apresentar como mais confrontativo. A disputa política com seu espaço é de especial importância, e é necessário denunciar que sua orientação representa uma engrenagem política – ligada à reacionária Igreja Católica – para conter a indignação popular dentro dos limites do regime. Isso se evidencia não apenas em seu papel quase nulo na luta de classes (nos últimos dias, inclusive, ele teve declarações conciliadoras com a repudiada direção da CGT), mas também no fato de que, em 2023, seu único papel foi conter a insatisfação pela esquerda para, no final, entregar os votos a Massa. Nas primeiras semanas de 2025, ele chegou até mesmo a propor uma chapa eleitoral de um “frente antifascista” com figuras tão reacionárias quanto Elisa Carrió ou Martín Lousteau, que nos últimos anos foram totalmente funcionais a Mauricio Macri e Javier Milei. Trata-se de uma versão ainda mais à direita da política do “mal menor”.
Como destacamos no início deste documento, a disputa eleitoral deste ano, além de seus objetivos específicos, estará inserida em objetivos mais amplos para todos os atores políticos – desde o governo, que buscará se posicionar da melhor forma possível para a segunda metade do mandato, até os opositores burgueses, que tentarão se fortalecer para 2027 no contexto de suas próprias crises.
Nós, a esquerda
Como analisamos em outros documentos, o PTS, junto com milhares de trabalhadores, estudantes e companheiros e companheiras de bairros e assembleias populares, esteve desde o primeiro dia na linha de frente da resistência contra o governo de Milei e os planos das grandes patronais.
No Congresso Nacional, isso se expressou no fato de que o FITU foi o único espaço político que não deu sequer um voto aos projetos reacionários do governo e, ao mesmo tempo, utilizou a tribuna parlamentar para apresentar uma saída para a crise favorável aos trabalhadores e ao povo pobre.
Nas ruas, nos locais de trabalho e estudo, buscamos sempre contribuir com todas as nossas forças, sem nenhuma especulação, para ser um elo na tentativa de articular volumes de força, apostando na auto-organização, na coordenação e em pressionar as burocracias a sair de sua passividade. Além disso, buscamos demonstrar que, para enfrentar o governo de Milei, há duas estratégias: a dos “peronismos”, que chamam à resignação e a esperar pela renovação eleitoral, e a que propomos desde a esquerda, impulsionando a resistência contra a ultradireita governante, lutando pela maior unidade possível de todos os setores explorados e oprimidos e impondo ações de massas com a perspectiva de uma greve geral política. Ao mesmo tempo, buscamos construir a grande força política da resistência de que o povo trabalhador precisa – um partido dos trabalhadores e da juventude, com um programa socialista e internacionalista.
Essa postura de conjunto fez com que nosso partido e nossos representantes públicos fossem amplamente reconhecidos por estarem presentes em todas as lutas, por sua coerência e por estarem na linha de frente da resistência, contrastando com a criticada atitude dos dirigentes do peronismo.
Ainda assim, estamos longe de considerar o que conquistamos como um ponto de chegada, pois os desafios que virão são enormes e as mudanças na situação política colocarão à prova tanto a força de luta dos trabalhadores e do povo pobre quanto a capacidade da esquerda de se propor a triunfar em uma estratégia que permita derrotar os planos dos capitalistas e abrir caminho para uma saída socialista e revolucionária. Para nós, o capital político acumulado até agora é apenas o começo para ampliar a agitação, a propaganda e a organização em torno da nossa saída de fundo. A seguir, nos referiremos a esse tema, e em outro artigo desta edição de Ideias de Esquerda também abordaremos uma importante reflexão sobre a necessidade fundamental de que nosso partido melhore seu trabalho sistemático junto à base de todos os locais de trabalho e estudo, como uma condição absolutamente indispensável para conquistar forças que nos permitam intervir decisivamente na luta de classes.
O governo de Milei, o FMI e as grandes patronais não dão mais
O ponto de inflexão que representou a criptofraude para o governo nacional coloca a necessidade de redobrar o debate sobre o problema estratégico de como derrotá-lo. Derrotar não apenas Milei, mas todo o conjunto dos interesses patronais que ele representa. Desde já, cada luta que travamos deve estar ligada à proposta fundamental de impulsionar a ação direta da classe trabalhadora e de todos os setores explorados e oprimidos, contrapondo-se à ilusão de que o Parlamento, a Justiça ou, mais adiante, uma renovação eleitoral oferecerão uma resposta positiva a esta crise. O PTS-FITU direciona todos os seus esforços para a irrupção da luta de classes, na perspectiva da greve geral política.
Nossa saída para esta crise é oposta às orientações das diferentes alas da oposição política patronal. Apostamos que o desenvolvimento da mobilização desde a base possa permitir um salto na resistência, abrindo caminho para avançar em direção a novas ações históricas independentes das massas, como foram o Cordobazo e outras grandes jornadas da classe trabalhadora e do povo pobre, criando o que os marxistas chamam de uma situação prerrevolucionária.
A orientação do conjunto do arco político patronal é evitar essa dinâmica. Apostam em sustentar Milei ou, caso isso se torne impossível, em apresentar saídas que não questionem o essencial do atual esquema econômico e a orientação global de ajuste e submissão ao FMI que o grande capital propõe. Vimos isso, por exemplo, no caso do criptoescândalo, diante do qual os diferentes partidos do regime atuaram para salvar o governo. Enquanto o PRO mal utilizou o caso para se reposicionar, o mais escandaloso foi o radicalismo, que teve setores votando no Senado contra a abertura de uma investigação sobre o escândalo.
No entanto, também é preciso destacar que, em plena crise, o peronismo forneceu à La Libertad Avanza votos indispensáveis para anular as PASO e desenhar um calendário eleitoral conveniente. Outro pilar fundamental, nesta conjuntura de crise, foram as direções da CGT e da CTA, que pouparam o governo em seu momento de maior fragilidade. Esses elementos demonstram que a proposta de “julgamento político”, vociferada por alguns setores do peronismo, além de inviável e indesejável (pois significaria a ascensão de Villarruel), era pura propaganda para capitalizar politicamente com vistas ao ano eleitoral.
Contra essas posições, a nossa é não apenas aproveitar a maior fraqueza do governo para avançar na resistência, mas fazer disso um passo para construir as condições que derrotem o plano da ultradireita e abram caminho para a luta pela destituição de Milei, de seu governo e de seus cúmplices, junto com seu plano a serviço das grandes patronais e do FMI. Essa formulação serve para explicar que o objetivo político que propomos ao movimento de massas não é apenas derrotar a figura central do governo, mas desmantelar todo um plano econômico que busca aprofundar a submissão e o saque nacional.
É com uma greve ativa, um plano de luta e uma greve geral que conseguiremos fazê-los sair e mudar o rumo do país. A coordenação e o reagrupamento de todos os setores combativos e em luta são fundamentais para avançar na imposição dessa perspectiva.
Independentemente das conjunturas que enfrentarmos, essa é uma proposta para todo o novo período que se abriu.
Nossa hipótese estratégica: a greve geral política até derrotar o governo e seu plano a serviço do grande capital
Em diferentes documentos e materiais públicos, indicamos que nossa perspectiva de luta não é a de uma “greve nacional” isolada, como a burocracia sindical muitas vezes faz, mas a de uma greve geral política ativa. É isso que definimos como nossa hipótese estratégica. Ou seja, uma revolta nacional em que a classe trabalhadora imponha sua marca, dirigindo o conjunto das massas oprimidas na luta contra as patronais e o Estado capitalista.
Nos referimos à construção de um levante nacional que combine a paralisação de toda a atividade econômica com mobilizações massivas e ações de luta da classe trabalhadora, da juventude, do povo pobre, do movimento de mulheres e diversidades e de outros setores em luta. Nessa direção, é fundamental a participação ativa e o mais consciente possível da classe trabalhadora, que tem a capacidade social de paralisar portos, aeroportos, estações de trem, serviços de ônibus e todo outro meio de transporte. A força para interromper a produção de aço, ferro, materiais de construção, insumos para outras indústrias e qualquer outra mercadoria. Para paralisar a produção de energia, gás, petróleo, assim como deter sua distribuição. Para atingir a atividade financeira, interrompendo bancos e serviços financeiros em geral. Para paralisar as comunicações e o funcionamento da internet.
Essa perspectiva tem pontos de apoio: as greves nacionais; as mobilizações massivas que ocorreram em 2024; a ampla reivindicação de “greve geral” que se ouviu na imensa maioria dos protestos e uma tradição nacional de ação direta que, nos últimos anos, se manifestou, por exemplo, nas jornadas de 2017 contra a reforma previdenciária de Macri e, mais recentemente, embora em menor escala, na jornada de luta de 12 de março. Também possui limites: o principal é, claramente, o papel da burocracia sindical peronista e a debilidade dos setores combativos e de vanguarda. No entanto, se a dinâmica da resistência se acelerar e se radicalizar, estará colocada de forma mais concreta a luta pela frente única para impor essa dinâmica às burocracias.
Para essa perspectiva, é fundamental o desenvolvimento de frações classistas e antiburocráticas dentro das organizações de massas. Também é essencial a luta por todo tipo de organização que possa fortalecer a tendência à auto-organização. Desde o PTS-FITU, destacamos a importância dos comitês de ação ou formas similares de auto-organização que, agrupando amplamente os setores de vanguarda, lutem para impor a frente única às direções sindicais burocráticas no caminho da greve geral. Esses comitês podem se desenvolver em sindicatos e locais de trabalho; em bairros; e em setores do movimento estudantil.
A greve geral ativa implica que a ação da classe trabalhadora não apenas paralise a atividade econômica, mas também expanda sua combatividade para as ruas. Utilizamos a analogia com o Cordobazo de maio de 1969 para ilustrar uma greve geral que se transforma em uma rebelião operária e popular e que, recorrendo aos métodos mais duros de luta, derrota nas ruas a ação das forças repressivas e abre uma nova etapa histórica.
Em nossa estratégia, essa é a ferramenta da classe trabalhadora para desorganizar o poder capitalista e enfraquecer a força do aparato estatal. No entanto, também implica que a própria classe trabalhadora tenha sua própria organização para garantir que não seja – ela mesma e o conjunto das massas oprimidas – a primeira vítima do caos criado pela paralisação da atividade econômica.
Por isso, parte de nossa estratégia é a luta pelo desenvolvimento de organizações de auto-organização do movimento operário e das massas em luta. A história forneceu numerosos exemplos desse tipo de organismo: sovietes, juntas, comitês de fábrica, cordões industriais, coordenadoras interfábricas. Em diferentes níveis, esses organismos permitem que a classe trabalhadora e as massas oprimidas expressem sua força e capacidade de luta de forma mais aberta: representam um desafio direto às burocracias impulsionadas pelo Estado e pelas classes dominantes para conter a força espontânea das massas.
Essa foi uma de nossas lutas centrais historicamente como partido. Em 2024, com o início da resistência a Milei, apostamos na auto-organização e na coordenação da vanguarda que se expressava nas assembleias de bairro, assembleias da cultura e outros setores. Mais tarde, impulsionamos a auto-organização no contexto da luta universitária, buscando superar os obstáculos impostos pelas direções sindicais burocráticas, tanto do movimento estudantil quanto dos trabalhadores e trabalhadoras da universidade. São tentativas de antecipar os sujeitos e as alianças de classe que caminham na direção de nossa estratégia, concretizando aquela bandeira de “operários e estudantes, como no Cordobazo”.
Nossa participação em cada luta parte da perspectiva de unificar as fileiras da classe trabalhadora e unir a classe trabalhadora com o conjunto dos explorados e oprimidos em uma grande luta nacional que derrote o conjunto do plano capitalista que hoje está sendo implementado pelo governo de Milei. Isso implica a perspectiva de conectar e unificar as múltiplas lutas e batalhas que ocorrem em nível nacional, na perspectiva da greve geral. De desenvolver as lutas sindicais, democráticas, ambientais e contra a opressão de gênero em uma perspectiva de conjunto, anticapitalista, que se expresse na greve geral.
Estratégicamente, desenvolver a perspectiva do Cordobazo e da greve geral é apostar na luta de classes como saída para a crise nacional, desde uma visão internacionalista e como parte da luta dos trabalhadores e dos povos do mundo, no contexto de um mundo convulsionado por guerras, crises econômicas, disputas entre potências e catástrofes ambientais.
No entanto, a proposta de derrotar Milei e os planos das grandes corporações levanta outra questão: e depois, o que vem?
Nosso partido sustenta que não há saída favorável para a classe trabalhadora e para as massas populares sem impor uma mudança total de rumo em relação ao que os governos capitalistas e as grandes corporações vêm impondo. Nós, socialistas revolucionários, lutamos por uma reorganização profunda do país. Por isso, agitamos e propagamos um programa de transição que, ao mesmo tempo em que incentiva a mobilização revolucionária do movimento de massas, responde aos problemas estruturais. Essa luta hoje é contra a corrente. Apostamos em estabelecer um diálogo e construir uma luta comum com companheiros e companheiras politicamente mais conscientes, o que costumamos definir como vanguarda.
Defendemos que é necessário romper com o FMI, expulsá-lo do país e não reconhecer a dívida ilegal e fraudulenta que Milei, assim como todos os governos das últimas décadas, continua perpetuando. Esse endividamento constitui um mecanismo de submissão nacional. Defendemos a suspensão soberana do pagamento da dívida como parte de uma luta internacional contra o saque imperialista, junto com os povos do mundo.
Essa luta é inseparável da defesa da nacionalização do sistema bancário sob controle de seus trabalhadores e trabalhadoras. Somente assim é possível frear a fuga de capitais, um mecanismo de saque permanente da nação promovido pelos grandes capitalistas. Um banco nacional único permitiria, além disso, proteger a poupança nacional e, em particular, a dos pequenos poupadores, sempre sob o risco de serem expropriados pelos governos de plantão (Plano Bonex, Corralito). Também concentraria os recursos nacionais em investimentos fundamentais e garantiria o acesso ao crédito barato para a população trabalhadora e os pequenos comerciantes, hoje sufocados por dívidas.
É preciso também acabar com o oligopólio privado do comércio exterior, controlado por poucos atores do agronegócio. O comércio exterior deve ser nacionalizado sob controle da classe trabalhadora, para impedir as manobras (legais e ilegais) que essas grandes empresas utilizam para desviar divisas. Essa medida também permitiria que o Estado definisse, com base nas necessidades estratégicas da produção e nas demandas sociais, o que deve ser exportado e para quais compras devem ser destinadas as divisas internacionais obtidas nessas operações, impedindo que grandes empresas especulem à custa da fome do povo.
Os recursos estratégicos do país, como transporte, energia, a grande indústria, os serviços essenciais e as grandes propriedades rurais, devem ser nacionalizados e colocados sob controle operário.
Toda fábrica que fechar ou demitir em massa deve ser ocupada e colocada em produção por seus trabalhadores e trabalhadoras. É preciso enfrentar o desemprego, o subemprego e o excesso de carga horária. É necessário lutar pela redução da jornada de trabalho e pela redistribuição das horas trabalhadas: 6 horas por dia, 5 dias por semana, com um salário mínimo equivalente à cesta básica. Aplicando essa medida em 12.000 grandes empresas, seriam criados mais de 1.000.000 de empregos com direitos.
Esses são alguns dos pontos programáticos essenciais que, desde o PTS-FITU, apresentamos para que a crise seja paga pelos capitalistas. Em nossa perspectiva, essas medidas só podem ser implementadas por meio da luta por um governo dos trabalhadores e do povo pobre, que avance na expropriação do grande capital e se baseie nas organizações democráticas das massas. Um Estado operário que reorganize toda a atividade econômica em função dos interesses das grandes maiorias trabalhadoras, e não do lucro privado. Esse Estado operário, dirigido democraticamente pela classe trabalhadora e pelo povo pobre, é, na nossa visão internacionalista, uma trincheira de luta pela revolução socialista internacional, como parte da luta por uma sociedade comunista em escala mundial.
No entanto, temos plena consciência de que essa perspectiva é hoje minoritária entre os trabalhadores e o povo pobre. Por isso, diante da pergunta sobre o que propomos caso haja uma mobilização e Milei seja derrotado, defendemos uma instância democrática para que seja o povo como um todo – que confia na força do seu voto (sufrágio universal) – quem decida os destinos do país por meio de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana.
Uma Constituinte convocada tendo o país como distrito único, para que seja a população trabalhadora a debater e decidir, sem limitações impostas pelos outros poderes do Estado. E nela, desde a esquerda, impulsionaremos o programa que apresentamos anteriormente. Também proporemos um programa para enfrentar o caráter restritivo dessa democracia dos ricos: acabar com a figura presidencial, que concentra o poder político do grande capital; eliminar o Senado e concentrar a atividade executiva e legislativa em uma Câmara Única, com deputados e deputadas eleitos pelo povo, que possam ser revogados e recebam um salário equivalente ao de um trabalhador; acabar com a aristocrática Corte Suprema de Justiça e estabelecer a eleição direta e a revogabilidade dos juízes, assim como a ampliação dos julgamentos por júri para os casos em que se julgue o poder econômico e político. Essa luta por uma democracia menos limitada faz parte de uma luta para avançar rumo a um governo da classe trabalhadora e do povo pobre.
Desde já, essa perspectiva só pode se concretizar por meio da irrupção da classe trabalhadora nas ruas, que é hoje o principal desafio que temos pela frente. A proposta de uma Assembleia Constituinte também serve para enfrentar as diferentes saídas alternativas que o regime tentará construir caso a crise se aprofunde e Milei não consiga se manter no governo. Esse não é o cenário da atual conjuntura, mas pode se colocar caso a crise política se acelere.
Se o movimento de massas irromper, a luta pela Constituinte deve favorecer o desenvolvimento de organismos de auto-organização da classe trabalhadora, permitindo que essa estrutura lute para evitar que um organismo desse tipo resulte apenas em reformas cosméticas ou ineficazes (como ocorreu no Chile após a rebelião de 2019, como explicamos na última declaração nacional do PTS). Além disso, diante da resistência que a grande patronal e o Estado certamente imporão a essa perspectiva, essa luta deve permitir o avanço na construção da base de um novo poder: um governo das e dos trabalhadores, rompendo com o capitalismo. Precisamos deixar claro que, se não conseguirmos mudar o rumo nessa direção, as políticas de ajuste continuarão e se aprofundarão, mantendo o país submetido ao FMI, como já vimos no governo da Frente de Todos, de Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner. Milei é apenas o executor de uma partitura escrita pela classe dominante, que deve ser derrotada para que não sejam os aposentados, os trabalhadores e o povo pobre que continuem pagando os custos da crise. Ou ocorre uma irrupção da classe trabalhadora, ou segue a escravidão.
É para todas essas batalhas que apostamos na construção de um grande partido socialista da classe trabalhadora, que impulsione essas lutas, esse programa e essa perspectiva estratégica para vencer, contra todas as variantes capitalistas que levaram à decadência nacional.