Revista Casa Marx

O crescimento do PIB no país das reformas e do Arcabouço Fiscal

Danilo Paris

No segundo trimestre de 2024, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrou um crescimento de 1,4% em comparação ao trimestre anterior, com destaque positivo para os setores de Indústria e Serviços, que apresentaram expansões de 1,8% e 1,0%, respectivamente. Em contraste, o setor Agropecuário sofreu uma retração de 2,3%, reflexo dos impactos adversos das enchentes no Rio Grande do Sul, além das queimadas e secas que atingiram outras regiões. A retração na Agropecuária era amplamente prevista, dada a influência dos fenômenos climáticos adversos. Sob a ótica das despesas, o aumento de 1,3% no consumo das famílias e de 2,1% nos investimentos aponta para um relativo dinamismo na demanda interna, o que reforça a recuperação econômica.

Em comparação ao segundo trimestre de 2023, o PIB brasileiro apresentou um crescimento anual de 3,3%, com contribuições significativas dos setores industrial, que avançou 3,9%, e de serviços, com crescimento de 3,5%. Em contrapartida, o setor agropecuário registrou uma queda de 2,9%, refletindo o impacto prolongado de condições climáticas desfavoráveis. No âmbito externo, as exportações cresceram 4,5%, enquanto as importações aumentaram 14,8%.

Apesar das semelhanças nas taxas de crescimento do PIB entre 2023 e 2024, a economia brasileira mostra uma distribuição mais equilibrada de dinamismo em sua atividade doméstica, com menor dependência do setor agropecuário em relação ao ano anterior. A diversificação do crescimento econômico é evidenciada pela forte performance do setor de construção civil, que expandiu 3,5%, contribuindo significativamente para o resultado global.

Embora distante de um cenário de “boom” econômico, a economia brasileira encontra-se em seu melhor ritmo de crescimento trienal desde 2013, o que representa as melhores taxas dos últimos 11 anos, considerando as adversidades provocadas pela pandemia de COVID-19. Esse contexto reflete um cenário de algum nível de recuperação, após anos de baixo crescimento e retração.

Os dados históricos revelam uma significativa variação no crescimento do PIB ao longo das últimas três décadas. Entre 1994 e 1997, o Brasil experimentou um crescimento moderado, seguido por anos de estagnação e baixo desempenho econômico, notadamente em 1998 e 1999, quando o país enfrentou crises econômicas e ajustes fiscais que restringiram o dinamismo da atividade econômica.

A década de 2000 iniciou-se com um crescimento robusto, impulsionado pelo boom das commodities, pela expansão do crédito e pelo aumento das taxas de lucro, características marcantes do governo Lula. Esse ciclo de crescimento, no entanto, foi interrompido pela crise financeira global de 2008, que resultou em uma contração do PIB em 2009.

A década de 2010 começou com um crescimento robusto, mas logo entrou em um processo de desaceleração, culminando em uma severa recessão entre 2014 e 2016. Nos anos seguintes, a recuperação foi lenta e modesta, até que a pandemia de COVID-19 em 2020 provocou uma das maiores contrações do PIB brasileiro. A retomada econômica veio parcialmente em 2021, mas o crescimento nos anos subsequentes foi moderado, refletindo um ambiente econômico ainda fragilizado.

Comparar o crescimento atual do PIB com anos de boom econômico, como o de 2010, que registrou 7,5%, mostra que o momento atual não tem nada a ver com aqueles anos dourados do lulismo. Analisando os dados dos últimos 20 anos, o crescimento atual supera a média histórica de 2,2% e se posiciona acima de 17 desses anos. Isso sugere que a economia brasileira pode estar entrando em um novo ciclo de crescimento moderado, retornando a níveis próximos da média, após um longo período de baixo crescimento e retração, ainda que sem sinais claros de uma nova fase de aceleração robusta.

O ciclo atual da economia brasileira caracteriza-se por um crescimento moderado, distante tanto de um boom quanto de uma crise, sustentado principalmente pela demanda externa pelo agronegócio, incluindo a agroindústria e os serviços ligados ao setor. No entanto, o dinamismo interno permanece limitado, refletindo gargalos estruturais como a dependência do crescimento global e a baixa taxa de investimento. Esse cenário se aproxima da chamada dinâmica “stop-and-go”, em que pequenos ciclos de crescimento são seguidos por desacelerações econômicas abruptas
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Por isso, é importante ressaltar que o Brasil não vive um período de “excepcionalidade econômica”. O cenário atual está dentro dos padrões esperados de crescimento internacional. De acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB mundial deverá crescer 3,2% em 2024 e 2025, o que situa o desempenho brasileiro dentro de um contexto global moderado, sem desvios significativos.

A taxa de desemprego no Brasil atualmente está em 6,8%, enquanto a massa salarial, que representa a soma de todos os rendimentos do trabalho, tem apresentado uma taxa de crescimento anual de 8%. O salário médio registrou um aumento de cerca de 5% ao ano, superando o ritmo observado nos anos de bonança das commodities (2012 e 2013). Esse crescimento é impulsionado por programas sociais e pela política de valorização do salário mínimo, que tem subido um pouco acima da inflação, juntamente com medidas como a antecipação do 13º salário – uma medida conjuntural.

Apesar da queda na taxa de desemprego, é relevante sublinhar que uma parcela significativa desses empregos é de natureza precária. A taxa de desocupação, que era de 6,6% em 2014, aumentou drasticamente após a crise de 2015, atingindo 12,9% em julho de 2017, quando foi aprovada a reforma trabalhista. Nos anos seguintes, a taxa permaneceu elevada, alcançando um pico de 14,9% em março de 2021, em grande parte devido aos efeitos da pandemia.

Um dado relevante é o aumento de 2,1% na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no segundo trimestre de 2024 em relação ao trimestre anterior, indicador que reflete os investimentos em construção civil, máquinas, equipamentos e inovação. Esse crescimento trimestral pode sinalizar uma nova tendência, especialmente considerando que nos últimos quatro trimestres o acumulado ainda apresentava queda de 0,9%.

No segundo trimestre de 2024, a taxa de investimento alcançou 16,8% do PIB, acima dos 16,4% registrados no mesmo período de 2023. No entanto, esse patamar ainda é considerado baixo em comparação aos níveis de 20,5% a 21% do PIB observados entre 2010 e 2013. Esse é um dos gargalos que limitam a retomada do crescimento em um novo patamar, evidenciando a baixa expansão dos investimentos em capacidade produtiva, característica que reflete o esgotamento de um ciclo econômico anterior.

Frente aos dados do PIB, economistas apoiadores da Frente Ampla comemoraram o resultado, porém sem indicar essa grande contradição, que definitivamente é o oposto de um cenário mais clássico de crescimento.
Assim, a recuperação dos níveis de investimento observados entre 2010 e 2013 parece uma meta difícil de atingir, especialmente considerando que o cenário internacional atual é muito diferente, com menos dinamismo e maior incerteza econômica global.

As sucessivas falhas das agências financeiras na previsão do crescimento do PIB têm levantado questionamentos sobre os modelos econômicos utilizados. Guilherme Melo, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, sugere que esses erros podem estar relacionados à superestimação do impacto das políticas monetárias, como as taxas de juros, e à subestimação dos efeitos das políticas fiscais, como o aumento dos gastos públicos. Melo argumenta que o multiplicador fiscal – o impacto econômico gerado pelo aumento dos gastos governamentais – pode ser maior do que os modelos tradicionais preveem, especialmente em áreas como programas sociais e investimentos em infraestrutura. De maneira simplificada, a abordagem neoliberal tradicional defende a contração de gastos públicos e a liberalização econômica, com o objetivo de atrair investimentos externos. Esse modelo visa aumentar a produtividade e, teoricamente, melhorar os indicadores econômicos do país a longo prazo.

Essa interpretação reflete a posição do governo sobre os erros de análise das agências de mercado, mas também se alinha a uma visão econômica neodesenvolvimentista. Essa abordagem, que o governo de Frente Ampla parece buscar sustentar, contrasta com o contexto atual do Brasil, que passou por inúmeras reformas e políticas de privatização, ancorada assim em uma política macroeconômica neoliberal, cujo pilar central é o Arcabouço Fiscal, que impõe restrições rigorosas ao gasto público em função dos interesses do capital financeiro.

Independentemente desse debate, tanto os governos de Temer quanto de Bolsonaro implementaram políticas econômicas que reduziram significativamente o investimento estatal, com a pandemia representando um ponto fora da curva. Já a atual política econômica de Lula, ainda que marcada por um “neodesenvolvimentismo tímido”, busca reequilibrar a economia por meio de pequenas injeções de estímulo, com o objetivo de normalizar um cenário econômico que vem enfrentando grandes choques e instabilidade desde 2014.

Importante dizer, que esses “estímulos” sempre estão em função de agradar os interesses do capital financeiro e dos grandes capitalistas. O governo Lula-Alckmin preserva o conjuntos das reformas neoliberais do golpe institucional e do governo Bolsonaro, que estruturalmente impuseram um conjunto de medidas mais agressivo para as condições de vida das maiorias populares. Agora em nome do Arcabouço Fiscal o PT, acompanhado pela maioria do PSOL, ataca os idosos e PCD’s (BPC) junto com a direita e bolsonaristas, para manter este novo teto de gastos.

A recuperação da produção da indústria automobilística exemplifica essa política econômica. O governo dedicou esforços específicos para reativar o setor, que agora conseguiu retornar aos níveis de produção pré-pandemia. Ao mesmo tempo, o governo segue uma política de equilíbrio fiscal, ajustando gastos e cortes conforme as orientações do mercado, como ressaltou o ministro Haddad, que atribuiu o crescimento do PIB a esses ajustes realizados em momentos oportunos.

A principal hipótese que se desenha atualmente é que o Brasil está em um processo de busca por uma normalização econômica. No entanto, a duração desse período é incerta e depende de uma série de fatores, tanto internos quanto externos. O que parece claro é que esse ciclo não repetirá o dinamismo do primeiro governo Lula. Além disso, não se pode descartar a possibilidade de um ciclo breve, dado o elevado grau de dependência internacional da economia brasileira, especialmente em um contexto global marcado por tensões geopolíticas, conflitos militares e guerras comerciais.

A economia global enfrenta uma série de desafios, incluindo crises inflacionárias persistentes, altas nas taxas de juros e uma desaceleração no crescimento. A pandemia de COVID-19, somada aos impactos econômicos da guerra na Ucrânia, desestruturou cadeias de suprimentos, aumentou os preços da energia e dos alimentos, e elevou a incerteza nos mercados financeiros. Isso resultou em maior vulnerabilidade para as economias emergentes, que lidam com a fuga de capitais e o aumento da dívida externa, enquanto as economias avançadas enfrentam ameaças crescentes de uma recessão prolongada.

Essas tensões globais impactam diretamente as perspectivas econômicas do Brasil, tornando o futuro altamente incerto. O governo Lula, neste contexto, busca reviver fórmulas econômicas e políticas do final da década de 2000, mas enfrenta condições muito mais adversas. Sem conseguir recuperar o dinamismo econômico daquele período, o atual governo se vê em uma posição delicada, equilibrando-se em meio a grandes tensões para tentar alcançar uma nova fase de estabilização econômica e política.

Longe de ser uma retomada do cenário econômico dos anos áureos do lulismo, os atuais indicadores econômicos, quando analisados para além dos percentuais do PIB, revelam um país atravessados por grandes contradições. A tentativa de reedição do lulismo opera, antes de tudo, como uma forma “senil” daquela clássica. Isso, sem as mesmas condições, e portanto com alcance e musculatura mais limitado. Não há nenhuma outra alternativa frente a esta política econômica que não seja um programa operário contra as reformas neoliberais, o arcabouço fiscal, pelo não pagamento da dívida pública e defendendo todos os direitos da classe trabalhadora e dos setores oprimidos.

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