Gabriel Girão
Esta é a segunda parte do texto Uma polêmica com o Maoísmo e suas vertentes atuais e visa entender o fenômeno do maoísmo a partir do processo revolucionário ocorrido na China entre 1925 e 1927.
O maoísmo na segunda metade do século XX
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, algumas mudanças geopolíticas foram bem visíveis. Por um lado, após 1956, com a ascensão de Nikita Kruschev ao poder na URSS, se tem início o processo de “desestalinização”. Ainda que retirando os aspectos de culto à personalidade de Stálin, a estrutura burocrática da URSS e dos PCs oficiais continua. Com isso, os PCs mantêm sua orientação de conciliação de classes em toda a linha, desempenhando papéis decisivos para a derrota de vários processos de luta, fazendo com que os mesmos sofressem cisões e perdessem influência em vários lugares.
Ao mesmo tempo, as vitórias da Revolução Chinesa e Cubana servem de enorme inspiração para as massas no mundo todo. Com isso, vários grupos guerrilheiros, rurais e urbanos, vão surgir em diversos países, aparecendo como uma alternativa combativa frente aos PCs oficiais. Muitos deles vão reivindicar o maoísmo, que para os olhos de muitos setores aparece como uma alternativa mais combativa (nesse momento ocorria também a ruptura entre URSS e a China, com conflitos entre Mao e Kruschev).
Diferente dos PCs oficiais, que eram dirigidos diretamente por Moscou, esses grupos eram extremamente heterogêneos e ecléticos teoricamente, mantendo distintas relações com a burocracia governante chinesa (ainda que todos viam na China o “farol da revolução”). Isso gerou episódios como, após o golpe de Pinochet no Chile, militantes maoístas tiveram o asilo negado na embaixada chinesa, pois a mesma foi um dos primeiros países a reconhecer o governo de Pinochet, visando manter as relações comerciais com o país, da qual a China dependia do cobre. Dessa forma a China se tornou um dos poucos países que negou asilo político em sua embaixada aos perseguidos pela ditadura chilena.
Um dos grupos maoístas com maior relevância foi o grupo peruano Sendero Luminoso. Nos anos 1960, o Partido Comunista do Peru (PCP) sofreu várias dissidências, uma delas lideradas pelo professor de filosofia da Universidad Nacional de San Cristóbal de Huamanga, em Ayacucho, Abimael Guzmán (que depois adotou o codinome Presidente Gonzalo). A primeira fase da vida do grupo foi a fase de recrutamento e preparação para a “Guerra Popular”, onde criaram várias frentes, como frentes estudantis, frentes do movimento de mulheres, dentro do movimento operário etc., com o objetivo de recrutar integrantes para o exército, a tática dos chamados “organismos gerados”. Após um tempo de recrutamento, principalmente de estudantes universitários, se lançam oficialmente à guerra popular no campo em 1980. No início, conseguem um apoio relativamente considerável entre os camponeses e indígenas, em parte por lhes garantir a terra e, em parte por atuar como “mantenedores da ordem”, perseguindo ladrões de gados (altamente impopulares entre os camponeses) e também impedindo práticas comerciais abusivas, também impopulares entre os camponeses. Com isso chegam a dominar áreas significativas do território peruano, ainda que essas áreas fossem praticamente apenas áreas rurais ou de florestas.
Também mantinham uma frente urbana, mas essa frente não estava destinada a desenvolver a luta de classes com os métodos operários como greves e manifestações e sim em “fortalecer a guerra popular”, seja recrutando novos integrantes, seja através de atentados contra autoridades, o aparato repressor do Estado, infraestrutura e contra estruturas governamentais etc. Tal tática partia da visão que a luta principal era no campo, que a guerra no campo deveria cercar as cidades, que deveriam ser apenas um “complemento” na luta. Além disso, acreditavam que o grande fator mobilizador seria a “violência revolucionária”. Tal visão é totalmente distante do que Lênin propunha. Já em sua obra “Que Fazer?”, de 1902, o dirigente bolchevique colocava a necessidade de se ter um partido enraizado na classe operária e condenava os populistas russos por usarem métodos de ataques a autoridades como os do Sendero, dizendo que tais métodos não atuam para fortalecer a consciência da classe operária e ainda podem ser instrumentalizados pela reação.
Do ponto de vista teórico, transferem mecanicamente a análise de Mao sobre a China para analisar a realidade peruana. Segundo o próprio Gonzalo, o Peru não seria um país capitalista, e sim uma formação semicolonial e semifeudal. Consequentemente, a revolução no Peru deveria ser apenas contra o imperialismo e o feudalismo, ou seja, “nova revolução burguesa ou revolução democrático-nacional, ou revolução burguesa de novo tipo, sob a direção do proletariado, que é a única perspectiva histórica do país” e não uma revolução socialista como na Revolução Russa. Chegam até mesmo a afirmar que a tese de que o Peru seria um país capitalista seria “muito perigosa”, pois significaria uma revolução da cidade para o campo como a Revolução Russa, e não o que eles propunham, uma revolução do campo para a cidade 1.
Além disso, criam o conceito de “capitalismo burocrático” para explicar as formas capitalistas no Peru, onde haveria uma “burguesia burocrática” totalmente servil ao imperialismo, mas ao mesmo tempo teria um setor da burguesia nacional, uma “burguesia média” que, apesar de vacilante, poderia ser hegemonizada pelo proletariado em sua frente única e que inclusive deveria ser apoiada após a revolução. Nesse sentido retomam os conceitos de Nova Democracia e de Bloco das Quatro Classes, ou seja, uma revolução democrática 2.
Por mais que tal análise da formação social peruana possa partir de alguns elementos corretos (como a submissão ao imperialismo americano e a concentração fundiária), apresenta uma visão pouco dialética que não considera os aspectos do desenvolvimento das relações capitalistas do Peru, tanto na cidade como no campo, assim como o próprio desenvolvimento da classe operária. Nesse sentido, relega abertamente as lições de Lênin sobre o papel de vanguarda da classe operária na revolução, assim como as lições da Revolução Russa sobre o caráter reacionário da burguesia e a necessidade da ditadura do proletariado, retomando as teses etapistas que já foram discutidas na parte 1 deste texto.
A falta de dialética também se expressa na visão sobre os regimes e governos no Peru. Partindo do aspecto que todo regime e todo governo burguês tem suas formas de repressão, assim como a tendência a estatização dos sindicatos (fenômeno já analisado por Trótski 3) classificam tudo como “fascismo”, o regime onde esses elementos tem sua expressão máxima – inclusive regimes democráticos burgueses. Além de ser uma análise teoricamente muito pobre, tal análise faz com que os mesmos não vejam a diferença qualitativa na repressão que significou o golpe de Fujimori, que colocou o Peru efetivamente numa ditadura sanguinária.
Seu modelo de partido seguia os moldes de partidos-exércitos maoístas. Totalmente diferentes do modelo de partido leninista. Esse último propunha um partido que fosse de vanguarda, mas que atuasse para ganhar as massas. Combinando trabalhos abertos e clandestinos, intervenções em sindicatos e outras organizações de massa, imprensa partidária e outras ações, o objetivo do partido era conseguir a direção da classe trabalhadora, pelo menos dos seus setores que se colocavam em luta. Isso tudo num partido calcado sobre uma sólida base teórica, que apesar de ter fronteiras bem definidas, pois não buscava agrupar a classe trabalhadora no geral, mas sim a vanguarda revolucionária, funcionava internamente na base do centralismo democrático, onde as decisões eram tomadas em bases a discussões democráticas de seus militantes 4.
Os quatros primeiros congressos da Internacional Comunistas, feitos ainda com Lênin em vida, enriquecem mais ainda tanto as concepções teóricas de partido, como também as táticas para ganhar as massas. Foram desenvolvidas teses sobre A Estrutura, os Métodos e a Ação dos Partidos Comunistas, sobre a atuação dos revolucionários nas eleições e no parlamento, sobre a utilização da frente única junto com outras organizações operárias, para unificar a luta dos trabalhadores. Também se discutiu sobre como fortalecer e dar uma orientação revolucionária à luta do movimento negro e de mulheres, além dos povos oprimidos, chegando mesmo a se formar uma Internacional Comunista de Mulheres.
No entanto, dentro da lógica do partido-exército maoísta e dos grupos que a reivindicam, todos esses ensinamentos são jogados pelo ralo. Apesar de se reivindicarem a vanguarda do proletariado, o partido-exército na verdade é um partido de base camponesa e direção pequeno-burguesa. Diferente da estratégia de Lênin de buscar ganhar as massas operárias; suas frentes urbanas estavam centradas em praticar atos de “violência revolucionária” e conseguir integrantes para o exército da Guerra Popular. Sob a linha da construção dos “Três Instrumentos”, a construção do partido e do exército se mesclam. Longe de ser um partido calcado no centralismo democrático, é um partido militarizado, burocratizado e super hierarquizado, estrutura essa que passa ser a base também do Estado nas áreas dominadas 5. Frente a isso, renegam qualquer tática para ganhar as massas. O parlamentarismo revolucionário da terceira internacional é substituído por uma tática permanente de boicote eleitoral, independente de se analisar cada questão concretamente. A frente única deixa de ser operária, com o objetivo de unificar as fileiras de classes, mas passa a ser uma frente policlassista para incluir também a burguesia nacional como aliada.
Além disso, seguindo as tradições stalinistas, há um forte culto à personalidade. A linha oficial do partido era baseada no “Pensamento Gonzalo”, que foi inaugurado nada menos que pelo próprio Gonzalo 6 – ele mesmo se reivindicava, junto com Marx, Lênin e Mao, a “quarta espada do Comunismo”. Dentro dessa doutrina, se coloca uma enorme peso sobre os “chefes” do partido, que seriam inquestionáveis. Para justificar isso, deturpam toda a história do marxismo colocando esse aspecto como muito presente. O próprio “Presidente” alega que a tese contra o culto à personalidade seria revisionismo. Tal característica era tão marcante que após a prisão dessa liderança, não apenas ocorreram várias discórdias internas (que veremos mais à frente), mas uma das grandes linhas do Sendero e de seus seguidores internacionais era “defender a vida e a saúde do Presidente Gonzalo”, seja lá o que isso signifique.
Sobre a questão da opressão de gênero, as elaborações do grupo colocam certas posições corretas, criticando as teses machistas sobre a “natureza feminina”, além das teses burguesas de emancipação feminina sob o capitalismo, além de colocar que as mulheres burguesas não são aliadas das mulheres proletárias. No entanto, as reflexões em nada perpassam a questão do trabalho doméstico e da criação dos filhos. Nesse sentido elaboram um programa que, apesar de ter elementos corretos como a igualdade salarial, é muito limitado ao não tratar dos pontos anteriormente mencionados, não falando nada sobre a questão do trabalho doméstico ou da legalização do aborto 7. Esses temas estiveram no centro da reflexão dos bolcheviques sobre a questão da emancipação da mulher, tendo a URSS sido o primeiro país a descriminalizar o aborto e a introduzir um sistema de socialização do trabalho doméstico. No entanto, sob a reação stalinista, idolatrada pelos senderistas, todos esses avanços retrocederam.
O que tange à luta da população LGBTQIA+, é difícil achar qualquer documento do grupo que trate sobre o tema. Porém, nos casamentos celebrados nas áreas dominadas pelo Sendero, se reforçava a lógica do casamento apenas entre homem e mulher 8. Além disso, é fato de público conhecimento no Peru a hostilidade que os membros da organização tinham com esse setor, colocando-os junto com prostitutas e usuários de drogas como “flagelos sociais” ou “indesejados”, dentre outros adjetivos. Dessa forma, mostram como herdaram o pior da herança stalinista conservadora 9.
Portanto, apesar de gostarem de taxar tudo de revisionista, na prática, eles mesmo fazem revisionismo do próprio leninismo, pois segundo eles mesmos, o marxismo tem 2 etapas: a de Marx e Lênin e a “superior”, a de Mao. Eles mesmo, no entanto, chegam a revisar o próprio Mao, pois o mesmo propunha um longo período de “Nova Democracia”, enquanto eles chegam em alguns textos a falar de passar da revolução democrática a socialista ininterruptamente 10.
Durante os anos 80 e início da década de 90, o Sendero chegou a ter um peso relativo, com milhares de militantes, dominando uma parcela significativa do território peruano – ainda que em sua maioria áreas rurais ou de florestas, nenhuma cidade significativa foi tomada pelo grupo. No entanto, a estratégia do grupo de violência revolucionária não se limitava às autoridades desprezíveis do Estado peruano ou seu aparato repressor. Como bons stalinistas, também atacaram dirigentes e militantes de outros grupos de esquerda – principalmente os trotskistas, a quem classificavam como os maiores contrarrevolucionários. Além disso nas áreas onde os mesmos dominavam, também perseguiam, em alguns casos até mesmo matando, as pessoas que discordavam deles, taxando todos indistintamente de “inimigos do povo” 11. Em alguns casos, chegaram até mesmo a ter práticas como a de punição coletiva, como no caso de Lucanamarca, onde após um de seus dirigentes ser morto por um grupo de ronderos da cidade, os militantes do Sendero foram na cidade e mataram dezenas de pessoas, inclusive crianças. O massacre é publicamente reivindicado pelo “Presidente” Gonzalo 12. Isso foi criando um rechaço ao Sendero, até mesmo em áreas rurais onde chegaram a contar com certo apoio. Sobre os ronderos anteriormente mencionados, em muitos lugares, os camponeses chegaram a se organizar nas chamadas rondas campesinas para combater o Sendero 13.
Essa situação rapidamente começa a ser explorada pelos distintos governos peruanos e seus aparatos repressivos. As Forças Armadas começam a cooptar as rondas existentes, apoiando-as financeiramente e com armas, além de estimular a criação de outras rondas em regiões onde ainda não existia, atuando em conjunto com as mesmas para reprimir o Sendero. A extrema direita também explora esse rechaço e Alberto Fujimori consegue se eleger em 1990, promovendo posteriormente um autogolpe. Esse cenário aumenta a repressão contra o Sendero, mas também contra todas as lutas operárias, camponesas e populares, somada a um brutal plano de ataques neoliberais, que até hoje repercute no fato do Peru ter um dos piores índices sociais da América Latina. A repressão durante esse período foi tão grande que a própria justiça peruana depois condenou Fujimori à prisão perpétua. A “burguesia nacional”, que os senderistas acreditavam ser capaz de hegemonizar, apoiou totalmente a repressão não apenas contra o Sendero, mas contra todas as lutas populares.
Aqui, é necessário uma ponderação. Apesar do enorme rechaço que foi se acumulando ao Sendero, algo que persiste no Peru até hoje, muitos trabalhadores e camponeses que tinham esse rechaço não apoiavam os governos prévios à Fujimori, muito menos o ditador. Em muitos lugares, esses trabalhadores e camponeses se organizaram tanto para combater o Sendero como também a repressão do Estado peruano, e lutaram contra as políticas neoliberais.
A repressão à guerrilha, assim como o rechaço que vinham enfrentando, fez com que o Sendero começasse a perder força. Com a prisão de Gonzalo em 1992, além de outras lideranças do grupo, esse não apenas se enfraquece como começa a se dividir. O “Presidente” é condenado à prisão perpétua e fica em total isolamento no cárcere, não lhe sendo permitido ter contato com ninguém, nem ao mesmo conceder entrevistas. Nesse cenário, o governo Fujimori alega estar negociando um “Acordo de Paz” com o mesmo. No entanto, todas as declarações da liderança do Sendero se limitavam a cartas divulgadas pelo governo peruano que supostamente teriam sido escritas por ele, com o mesmo impedido de dar qualquer declaração pública.
Com a dificuldade em provar a autenticidade das cartas, o Sendero Luminoso se divide entre as alas que acreditam ser necessário uma trégua e a ala que contesta a veracidade dos documentos e propõe seguir a “Guerra Popular”. Mais uma vez, a discussão gira muito em torno ao culto de personalidade, pois o centro da mesma não é uma análise político-estratégica baseada na teoria marxista, e sim especulações sobre o que uma liderança presa sem qualquer contato com o mundo externo teria feito 14. Essa divisão, somada à intensa repressão, faz com que o movimento perca ainda mais força, de forma que hoje as distintas alas que reivindicam o Sendero contem com pouquíssima força.
O maoísmo no Brasil hoje
No cenário atual, o número de organizações que reivindicam o maoísmo caiu bastante. No entanto, ainda existem alguns grupos pelo mundo que seguem tal ideologia. No Brasil, o grupo mais relevante é o Partido Comunista Brasileiro – Fração Vermelha (PCB-FV). Publicamente, atuam com seus braços como o Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR), Mangue Vermelho (MV), Movimento Ventania, Liga de Camponeses Pobres (LCP) e o Movimento Feminista Popular (MFP). Seu jornal é chamado A Nova Democracia, reivindicando a herança senderista.
Mais uma vez, buscam transpor mecanicamente a análise de Mao sobre a China para o Brasil, considerando o mesmo um país semifeudal e semicolonial. De novo, não se trata de negar a enorme concentração latifundiária do nosso país, além dos laços de submissão aos EUA. Porém, é perceptível para qualquer que ocorreu um desenvolvimento capitalista no Brasil. Para sustentar sua tese sobre a semifeudalidade, tem de recorrer a uma psicodelia argumentativa cada vez maior. Nesse sentido, se apoiam na tese de que… o IBGE mente. Sim, o grande argumento seria uma distorção estatística em que os municípios aumentam a população urbana para arrecadar mais IPTU 15.
Tal análise ignora muitos aspectos, para dizer o mínimo. Primeiramente, tal distorção, por mais que exista de fato, não é significativa a ponto de colocar o Brasil como mais urbano que rural. Além disso, ignora todas as transformações que ocorreram nas relações sociais tanto no campo como na cidade. Hoje, muitos dos trabalhadores rurais são diretamente proletários rurais, relações muito diferentes das servis. Muitos moram inclusive nas cidades, com grandes engenhos promovendo ônibus fretados para levar os trabalhadores. Dessa forma, o campo é cada vez mais integrado à cidade, inclusive os próprios trabalhadores. Além disso, em regiões como a Zona da Mata pernambucana, onde enormes fazendas de cana convivem lado a lado com indústria de alta tecnologia como a Jeep (no caso da mata norte) e os imensos complexos industriais em Suape (na mata sul), há muitos trabalhadores que em sua trajetória oscilaram tanto no corte de cana como nessas indústrias de ponta. Além das inúmeras denúncias de trabalho escravo no campo. Mais que uma semifeudalidade, temos um exemplo de desenvolvimento desigual e combinado, onde formas avançadas do capitalismo se misturam com formas arcaicas. Por último, tal análise, ao falar de um suposto desenvolvimento feudal brasileiro, ignora vários aspectos da formação histórica do Brasil, ignorando todo o aspecto que a escravidão significou na constituição do país. Para justificar suas teses, tem de recorrer a Nelson Werneck Sodré, militante do PCB oriundo das camadas militares e que foi da ala mais conciliadora do partido 16.
Mais uma vez, tais teses estão a serviço de justificar que o Brasil necessita de uma revolução de “Nova Democracia”, ignorando mais uma vez as lições da Revolução Russa, onde num país que de fato tinha vários traços semifeudais, o proletário urbano foi vanguarda da revolução e instaurou seu próprio governo. Ressuscitam para o Brasil também o conceito de capitalismo burocrático, usado justamente para justificar que exista uma suposta “burguesia nacional progressista”, oposto a burguesia burocrática e compradora (essas submissas ao imperialismo) a quem o proletariado deveria se aliar 17. Tais teses, há muito já haviam sido desmentidas pela LCI 18, grupo trotskista atuante no Brasil durante a década de 30, que fez estudos importantes sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esses estudos depois influenciarão uma série de outros pensadores do chamado “Pensamento Social Brasileiro”.
Como estratégia, defendem a Guerra Popular Prolongada, por mais que atualmente ainda não passaram oficialmente da fase de “preparação”. Dessa forma, mantém internamente a estrutura de partido-exército exposta nas teses de Mao e do “Presidente” Gonzalo, usando suas diversas frentes com o objetivo de recrutar os combatentes. Nesse sentido, também adotam como lógica não disputar organismos de massa como os sindicatos e entidades estudantis, como a UNE. Desse modo, deixam bem tranquilos a burocracia sindical da CUT e CTB, assim como a direção pelega da UNE (composta por UJS, Levante PSB, PDT e correntes do petismo), que mantém sua direção burocrática, paralisando os estudantes e trabalhadores organizados nesses organismos com a complacência dos maoístas. Por último, também negam qualquer participação eleitoral, e saem indiscriminadamente comparando qualquer repressão ao fascismo, mesmo durante um governo de um partido reformista como o do PT, posições já discutidas anteriormente nesse artigo.
No campo internacional, no que tange a questão palestina, reivindicam tanto o Hamas como o Hezbollah; dois partidos políticos burgueses, que uma vez no poder, iriam reprimir duramente um partido revolucionário com influências de massas em suas regiões de domínio. Assim, se colocam contra a independência política do proletariado mesmo nos países em que não estão. O Hamas e o Hezbollah, apesar de serem organizações que se colocam no combate ao Estado de Israel em seu colonialismo e genocídio perpetrado contra o povo palestino, são organizações que tem como meta a construção de um Estado burguês teocrático (no caso do Hezbollah, tem esse objetivo no Líbano), similar ao Irã atual – cujas classes dominantes, assim como a burguesia árabe no geral, usam a causa Palestina para negociar com o imperialismo.
Nesse sentido, é apenas uma consequência da sua lógica de revolução de Nova Democracia, pois esses grupos representariam a suposta burguesia nacional com quem pretendem se aliar, parecendo um pouco mais radical por realizarem ações armadas 19. Dessa forma, colocam a perspectiva para o povo palestino se apoiar não na mobilização independente da burguesia a nível internacional, como vemos nos acampamentos e manifestações multitudinárias pelo mundo, mas sim em grupos burgueses e na burguesia árabe. Se aproximam, nesse sentido, de grupos como o PCO, um grupo que dispensa comentários.
Em vários aspectos carregam os traços conservadores do stalinismo, que perpassaram o maoísmo e o Sendero, chegando a seus seguidores nos dias atuais. Se colocam contra a legalização das drogas, alegando ser uma degeneração burguesa. Chegam até mesmo a falar sobre os riscos do uso leve de maconha em um escrito que poderia facilmente ser atribuídos a figuras como Damares Alves. Com isso, mesmo que possam dizer ao contrário, se colocam ao lado do proibicionismo e da guerra as drogas, que massacram o povo negro nas favelas e dificultam qualquer tratamento adequado aos dependentes químicos.
Na questão da diversidade sexual, o grupo hoje não tem coragem de abertamente colocar a questão como o Sendero Luminoso colocava. Entretanto, buscando em seu portal A Nova Democracia, o tema recebe pouca atenção. Em sua nota celebrando o centenário da Revolução Russa, falam contra o “pós modernismo” das “ONGs LGBTs”, mas nada falam que após a revolução a Rússia descriminalizou a homossexualidade. Essa falta de atenção foi inclusive levantada por um setor que recentemente rompeu com os mesmos.
Muito mais atenção recebe por exemplo o culto às personalidades como Stálin, Mao e o “Presidente” Gonzalo. No entanto, a tentativa de versão tupiniquim do Sendero Luminoso possui particularidades, como por exemplo fazer pichações em defesa de Stálin e depois publicar como se tivessem sido encontradas e enviadas espontaneamente ao jornal, quando é óbvio que foi feita por eles mesmos. Isso sem falar que em algumas pichações fazem referência a 141 anos do nascimento do burocrata e em outras 142 anos, de forma que ou erraram na pichação, ou estão reciclando fotos antigas.
Frente ao cenário de, por um lado, uma juventude cada vez mais interessada no comunismo e, por outro, o crescimento de organizações que reivindicam a deturpação do marxismo que é o stalinismo – e o maoísmo aí em curso – acreditamos ser de suma importância o resgate das ideias do marxismo revolucionário, o marxismo de Marx, Engels, Lênin, Rosa, Trótski, dentre outros, contra as deturpações promovidas pelo stalinismo, em todas as suas variações, como o maoísmo.