Daniel Alfonso
Artigo publicado originalmente em inglês no Left Voice no dia 09/04/25.
O Grande Capital está preocupado com os lucros, mas os planos tarifários do presidente Trump são um ataque à classe trabalhadora nos Estados Unidos e em todo o mundo.
Na semana passada, no chamado “Dia da Libertação”, o governo Trump anunciou tarifas gigantescas sobre dezenas de parceiros comerciais. O anúncio veio acompanhado da ameaça de tarifas ainda mais altas para países que já possuíam impostos de importação ou que haviam adotado outras medidas econômicas contra produtos americanos. Algumas tarifas, como as impostas ao Vietnã (46%!), foram muito mais altas do que aquelas aplicadas às importações dos EUA. Embora alguns países vejam as tarifas como uma tentativa de Trump forçar novas negociações comerciais, muitos, incluindo a China, estão respondendo com tarifas retaliatórias próprias.
Com uma rapidez que surpreendeu tanto aliados quanto adversários, Trump contra-atacou impondo um aumento adicional de 50% sobre produtos chineses e anunciou, na noite de terça-feira, que, à meia-noite, aumentos totalizando 104% entrariam em vigor. Na quarta-feira, isso foi elevado para 125%. Em resposta, o governo chinês aumentou suas tarifas para um total de 84% a partir de quarta-feira. A União Europeia também está prestes a aprovar novas tarifas que entrarão em vigor na próxima semana.
Os mercados reagiram de forma caótica à notícia, despencando após o anúncio inicial em 2 de abril, apenas para se recuperarem, caírem novamente e depois se recuperarem de forma dramática hoje, quando Trump anunciou que suspenderia temporariamente algumas das chamadas tarifas “recíprocas” para a maioria dos países — com exceção da China. As tarifas sobre México e Canadá, no entanto, permanecem.
Apesar dessa recuperação temporária, há um consenso crescente de que uma recessão pode ser iminente se as tarifas permanecerem altas ou aumentarem ainda mais — o JP Morgan estima o risco em 60%, o Goldman Sachs em 45%. Como sempre, o capital está preocupado com suas margens de lucro, mas o plano ousado de Trump afetará, antes de tudo, a classe trabalhadora, tanto dentro quanto fora das fronteiras do império em declínio.
As tarifas de Trump, que violam as regras básicas da globalização imperialista baseada no livre comércio, terão consequências profundamente negativas se permanecerem em vigor — tanto para a economia real quanto para a vida de milhões de pessoas, em especial a classe trabalhadora e os oprimidos. Trump pode recuar ainda mais e tentar usar novamente as tarifas como forma extrema de pressão para negociar condições onerosas com aliados e inimigos comerciais dos EUA.
Políticas protecionistas não são uma solução para o neoliberalismo
Pode parecer que a guerra comercial iniciada por Trump esteja sendo travada apenas em Wall Street, mas não é o caso. Essa guerra já se manifesta materialmente no chão de fábrica em Michigan, um dos estados cuja classe trabalhadora experimentou em primeira mão a ofensiva neoliberal que deixou centenas de milhares de trabalhadores do cinturão da ferrugem na pobreza. Os trabalhadores ali já estão sentindo o início das consequências dessas tarifas.
Como é amplamente conhecido, 20% da economia de Michigan está ligada à indústria automotiva, que depende de peças e veículos do México e Canadá, além de importações da China. Esse comércio que alimenta a economia de Michigan é tão dinâmico que o estado é o quinto maior importador e exportador dos Estados Unidos.
Executivos da indústria automotiva em Detroit já estão acumulando estoque de componentes importados e enfrentando fornecedores por causa do aumento dos preços. As sedes das grandes montadoras foram transformadas em “salas de guerra” para traçar estratégias de redução de custos de produção — o que, claro, inclui reduzir salários e aumentar a carga de trabalho.
Os trabalhadores das grandes montadoras também têm se preparado para a escassez, e há medo de possíveis demissões caso a demanda caia devido ao aumento no preço dos veículos. Sinais de alerta já começaram a surgir. Apenas algumas horas após o anúncio das tarifas, a Stellantis demitiu 900 trabalhadores em sua fábrica em Indiana, que fornecia peças para fábricas no México e no Canadá. O índice VIX, que mede a volatilidade do mercado, disparou.
Apesar da fanfarronice de Trump, tensões fermentam dentro da administração
Até agora, apesar de evidências claras em contrário, a coalizão trumpista e o próprio Trump tentaram projetar a ideia de que há unidade no palácio. As importantes diferenças entre os magnatas da tecnologia, o movimento MAGA, o gabinete e outros setores já chegaram às manchetes. Esta semana, Robert Navarro e Elon Musk trocaram insultos online, com a administração tentando vender isso como um exercício de transparência. O Grande Capital apostou em Trump acreditando que esta nova administração seria “cão que ladra, mas não morde” e ficou satisfeito com os cortes na seguridade social e os benefícios fiscais para os super-ricos. Eles descartaram a ideia de que Trump teria objetivos políticos profundos ligados à sua cruzada tarifária.
Embora Trump tenha recuado temporariamente em algumas das tarifas propostas, talvez apaziguando parte de seus críticos, não está claro se o descontentamento em Wall Street e dentro das fileiras do Partido Republicano crescerá. Na semana passada, o Senado votou uma resolução para encerrar as tarifas sobre o Canadá — quatro senadores republicanos apoiaram a resolução. O senador republicano Chuck Grassley e a senadora democrata Maria Cantwell também apresentaram na semana passada um projeto de lei para exigir que o Congresso seja informado com 48 horas de antecedência antes que qualquer tarifa entre em vigor, sendo também sujeito à revisão pelo Congresso em um prazo de 60 dias. As tarifas expirariam se não fossem aprovadas. A cooperação bipartidária contra as tarifas, ainda que limitada neste momento, revela alguns dos desafios da administração e da maioria republicana no Congresso, que até agora agiu de forma obediente, mas tem sua própria agenda e diferenças substanciais com Trump e Musk.
Durante semanas, o Grande Capital manteve-se principalmente em silêncio em relação às tarifas, mas a reação dura dos mercados e os impactos sobre a economia real os levaram a se manifestar. Como descreveu o Wall Street Journal há alguns dias:
Agora, após três dias de queda no mercado e alertas de titãs de Wall Street como Bill Ackman e Jamie Dimon, mais líderes empresariais estão expressando abertamente sua preocupação. Ken Griffin, bilionário e um dos principais doadores republicanos, que comanda o fundo hedge Citadel, chamou as tarifas de “um enorme erro de política” durante um evento na Universidade de Miami na segunda-feira à noite.
Mais importante do que as lutas internas no mundo de Trump, formado por bilionários, neonazistas e obscurantistas, são os muitos sinais de que a resistência contra Trump começou.
As tarifas afetam a classe trabalhadora, assim como a globalização capitalista
No sábado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas contra os ataques de Trump às instituições governamentais e em defesa do Medicaid, da Seguridade Social e de outros serviços e programas sociais. O impacto das tarifas certamente contribuiu para a alta adesão.
As manifestações massivas de sábado seguiram semanas de mobilizações que começaram no mês passado em todo o país contra os cortes, em defesa da seguridade social e contra as demissões de funcionários públicos. Também temos visto protestos frequentes de migrantes e suas comunidades contra as operações do ICE (Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas).
Desorientado e desmoralizado, o establishment do Partido Democrata tem, até agora, adotado uma postura de cautela frente às primeiras dez semanas de Trump no cargo. Nas últimas semanas, no entanto, tem se inclinado para uma posição ligeiramente mais confrontadora. O ex-presidente Barack Obama chegou a pedir uma defesa ativa dos “direitos democráticos” dos americanos.
Enquanto isso, Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez têm mobilizado com o slogan “Lutar Contra a Oligarquia”, como se o Partido Democrata também não fosse um partido dos super-ricos, alimentando ilusões na ideia de que os democratas realmente travarão uma luta. No que diz respeito às tarifas, o Partido Democrata defende o livre comércio do passado, que empobreceu a classe trabalhadora do Cinturão da Ferrugem (Rust Belt) e permitiu que corporações norte-americanas lucrassem milhões com mão de obra barata mexicana. Mas a realocação neoliberal não foi apenas para o México, China ou Vietnã — ela também foi para o Sul dos EUA, onde há significativamente menos sindicatos e os patrões têm mais liberdade para impor condições de trabalho precárias.
Trump promete usar tarifas para trazer de volta a indústria e os empregos industriais para os Estados Unidos, mas qualquer cenário desse tipo, caso realmente se concretize, teria que se basear em um programa de maior exploração e repressão aos trabalhadores e suas organizações, incluindo sindicatos como o United Auto Workers. Afinal, o que todas as corporações querem é mão de obra barata — e não se importam se ela é americana, mexicana ou vietnamita.
Diante desses ataques, líderes sindicais como Sean O’Brien e Shawn Fain estão se alinhando a Trump em relação às tarifas, colocando os interesses da classe trabalhadora norte-americana em oposição aos de seus irmãos de classe ao redor do mundo — especialmente ao sul da fronteira.
Um dos pilares do apoio político a Trump é a rejeição da agenda neoliberal por amplas parcelas da classe trabalhadora — somada à inaptidão do Partido Democrata, que se apega ao status quo. Por trás das tarifas e das tensões no regime bipartidário está a experiência política da classe trabalhadora nos Estados Unidos. Aqueles que votaram em Trump na esperança de melhorar suas vidas terão de encarar a dura realidade de que a estratégia de Trump para reposicionar os EUA internacionalmente — sua resposta ao declínio acentuado da hegemonia norte-americana — baseia-se, em sua essência, em ataques aos resquícios do estado de bem-estar social dos EUA, em maior precarização do trabalho e em altos níveis de inflação e incerteza.
Nos últimos anos, o regime conseguiu canalizar o descontentamento para as urnas, como foi o caso do Black Lives Matter em 2020. Desta vez, no entanto, o descontentamento com o Partido Democrata é mais profundo e a experiência da vanguarda é maior. É essencial promover a mais ampla unidade entre trabalhadores, movimentos sociais e o movimento estudantil para barrar Trump e levantar uma perspectiva independente, para que, desta vez, seja a classe trabalhadora — e não o Partido Democrata — a se fortalecer na resistência contra a nova direita no poder.