Revista Casa Marx

[França] Os trabalhadores e a crise política

Juan Chingo

Paul Morao

Este artigo foi publicado originalmente em francês na Révolution Permanente, parte da rede internacional de La Izquierda Diario, no dia 2 de setembro. Assim, foi publicado antes de Macron finalmente nomear como Primeiro-Ministro, na quinta-feira, 5, o Michel Barnier, com um perfil de governo "técnico", que faz parte do partido de direita gaullista Os Republicanos (LR). Este partido ficou em quarto lugar no segundo turno das recentes eleições legislativas, com 9% e apenas 66 cadeiras parlamentares de um total de 577. Barnier, além disso, é alguém ideológica e politicamente alinhado com muitas posições da extrema direita do Rassemblement National de Marine Le Pen, uma força que, no entanto, foi derrotada e relegada à terceira minoria na Assembleia Nacional. Até essa quinta-feira, os vencedores da última eleição, a centro-esquerda da Nova Frente Popular (NFP), consideravam que, de acordo com o costume da política francesa, o cargo de primeiro-ministro deveria ser ocupado por alguém oriundo de suas fileiras. Essa afronta ao resultado das urnas em favor de um direitista de um partido minoritário ocorre após a própria força de Macron fazer campanha junto com a NFP contra o fantasma da extrema-direita de Le Pen. Por esse motivo, feita esta atualização para o artigo, a crise política continua em aberto.

Enquanto Macron se dá ao luxo de escolher um primeiro-ministro após impor seu golpe de força antidemocrático [Nota do tradutor: o qual já foi resolvido com a nomeação de Michel Barnier em 5/9], uma coisa é certa: o governo que virá será anti-operário, mas frágil. Diante dessa situação, devemos defender uma saída para os trabalhadores e as classes populares, sem ilusões em um hipotético “governo da Nova Frente Popular” e sem nos conformarmos com mobilizações sindicais rotineiras, que estão a anos-luz dos problemas atuais.

Depois que o resultado das eleições legislativas agravou a crise política devido à ausência de uma maioria clara na Assembleia, o debate sobre a escolha do primeiro-ministro polariza a vida política francesa desde julho. Interrompido temporariamente durante os Jogos Olímpicos, que permitiram ao governo recuperar o controle após o golpe de força que rejeitou um governo da NFP, vencedor nas eleições legislativas, o debate foi retomado com renovado vigor nas últimas semanas, com Macron à frente.

Um novo salto bonapartista na V República

Bernard Cazeneuve para um governo de centro-esquerda, Xavier Bertrand para um governo de centro-direita, e agora Thierry Beaudet para um governo “técnico” liderado por um representante da “sociedade civil”… O Palácio do Eliseu [a presidência da República] examinou nos últimos dias todas as opções possíveis de primeiro-ministro, que ocuparam sucessivamente os titulares. Embora o presidente tenha deixado claro em uma carta de julho que tinha a intenção de manter o controle sobre a escolha do governo, dois critérios estão no centro do debate.

Primeiramente, a capacidade de o novo primeiro-ministro de durar pelo menos algum tempo no poder, sem ser imediatamente censurado pelas forças políticas de oposição, tem sido o centro das discussões. A partir de agora, o que prevalece é a possibilidade de combinar a aparência de mudança com uma ampla submissão à vontade do Presidente da República. Além de escolher o primeiro-ministro, Macron exige de fato, entre outras coisas, a possibilidade de nomear os ministros de Relações Exteriores, Interior e Economia do futuro governo, que também deverá manter a maior parte da reforma das pensões e estar disposto a adotar um orçamento de austeridade.

A sequência que estamos assistindo marca um novo salto bonapartista na Quinta República, altamente autoritária. Após ter fornecido a Macron uma ampla gama de ferramentas para impor uma reforma das pensões rejeitada por 94% dos trabalhadores, agora permite a um presidente em minoria determinar com todos os detalhes o perfil do futuro governo, em oposição à Assembleia. Apesar de duas derrotas sucessivas nas eleições europeias e depois nas legislativas, e apesar de uma poderosa rejeição no país, que explica em parte o impulso eleitoral do Rassemblement National (RN), ainda é Macron quem impõe a lei, a serviço das classes dominantes.

Um futuro governo instável em um regime em crise

No entanto, a atenção dada às manobras atuais não deve ocultar um fato essencial: o caráter inédito da crise política atual e a dificuldade de encontrar uma solução duradoura. Seja qual for a escolha de Macron, e na falta de uma coalizão com Os Republicanos (LR), a instabilidade continuará reinando nos próximos meses. Desde a aprovação do orçamento até as hipotéticas reformas, o risco de moções de censura será permanente, enquanto o governo terá que impor à população medidas de austeridade na ordem de dezenas de bilhões de euros sob a pressão dos mercados financeiros nos próximos meses. Essa instabilidade pode se agravar, e a votação do orçamento para 2025 já se perfila como um ponto crítico para o futuro governo.

De fato, a crise política não caiu do céu. Reflete a incapacidade das classes dirigentes para conquistar o apoio da maioria da população em um momento marcado pelo declínio da globalização neoliberal em escala internacional, o retorno das tendências à guerra e o acirramento da polarização política e social no país. Isso está minando o que foi um dos pilares do imperialismo francês no concerto das grandes potências, apesar de seus frequentes surtos de luta de classes: seu sistema político bonapartista, a V República, que lhe conferiu uma considerável estabilidade.

A atual situação sem precedentes pode se prolongar a curto e médio prazo, na falta de uma solução clara. No entanto, não durará para sempre. Ou o movimento operário e todos os setores oprimidos propõem uma alternativa à decadência da República imperialista, ou as classes dominantes imporão uma alternativa necessariamente reacionária. Isso já ocorreu na época da crise da IV República com o pano de fundo da guerra colonial na Argélia, que deu origem à V República após um golpe militar.

Após o recesso de verão, não há nenhum plano substancial para os trabalhadores e as classes populares

Neste contexto tenso, apesar da fragilidade do poder e da tentativa de passar por cima não só da NFP, mas da Assembleia Nacional como um todo, nenhuma força parece querer organizar uma confrontação real contra Macron e a decadente Quinta República. Enquanto a Nova Frente Popular fez sua campanha “Lucie Castets primeira-ministra”, denunciando a atitude de Macron, a coalizão não tem intenção de sair dos limites do aceitável para o regime. Nesse sentido, a candidata ao Palácio de Matignon [a sede do primeiro-ministro] se mostrou disposta a transigir sobre o salário mínimo e a lei de imigração durante o verão, enquanto Olivier Faure, do Partido Socialista (PS), disse nos últimos dias que está disposto a trabalhar com todas as forças políticas.

Embora A França Insubmissa (LFI) tenha chamado à mobilização contra o golpe de força de Macron em 7 de setembro, sua estratégia continua a ser igualmente respeitosa com o quadro da V República. Longe de pretender organizar uma confrontação real com Macron para forçar sua renúncia utilizando os métodos da luta de classes, a LFI quer organizar uma manifestação simbólica e impotente em um sábado, na expectativa de lançar seu “procedimento de destituição” com base no artigo 68 da Constituição. Durante o verão, Mélenchon teve que abandonar o projeto de ter sequer um ministro de seu próprio partido em um hipotético governo da NFP. Quem pode acreditar que A França Insubmissa será capaz de derrubar Macron com artigos da Constituição?

Pior ainda, as direções sindicais convocam uma mobilização totalmente rotineira para 1º de outubro, apoiada pela CGT, a FSU e Solidaires, e boicotada pela CFDT. Em meio a uma crise política histórica, essa jornada intersindical se mantém à margem de qualquer reivindicação política para não aumentar a tensão, com a mesma lógica que quando Macron impôs por decreto a reforma das pensões utilizando o artigo 49.3 da Constituição. Em um contexto tenso, os dirigentes do movimento operário não têm nenhuma vontade de iniciar uma mobilização operária contra o golpe de força antidemocrático, o que os levaria a “fazer política”, não mais seguindo uma aliança eleitoral de centro-esquerda, mas organizando o confronto contra Macron e o regime.

Precisamos de uma saída para os trabalhadores e as classes populares!

Frente aos tímidos planos de uns e outros, cabe aos trabalhadores tomar a questão em suas próprias mãos e impor uma mudança radical nas reivindicações e ações das organizações políticas e sindicais que se supõe que os representam. A conclusão dos últimos meses é clara: enquanto houver um presidente com poderes ilimitados, que possa impor sua vontade à maioria da população, enquanto houver uma câmara como o Senado, que controla o que a Assembleia faz e endurece sistematicamente suas leis mais reacionárias, será impossível conquistar nem mesmo a mais mínima de nossas reivindicações, seja com um governo de centro-esquerda ou com qualquer outro. A recusa de Macron em tolerar o menor retrocesso substancial em sua reforma das pensões é um exemplo contundente do quão bloqueado está o regime.

É necessária uma unidade de ação o mais ampla possível para combater o novo golpe de força que está sendo dado no quadro de uma Quinta República moribunda. Mas para travar essa luta com eficácia, não podemos confiar nas ferramentas da Constituição, seja o artigo 68, como propõe a LFI, nem depositar esperanças em procedimentos perante o Conselho Constitucional. Mesmo sob a pressão das ruas, essas alavancas continuarão sendo impotentes. Ao mesmo tempo, não podemos depositar a menor esperança nas negociações e no “diálogo social”, como fazem implicitamente as direções sindicais, embora o último período tenha mostrado constantemente seu papel deletério, desarmando o movimento operário e apoiando as contrarreformas.

Pelo contrário, devemos nos opor ao regime com os métodos da luta de classes, defendendo o melhor das tradições democráticas radicais da história revolucionária francesa, exigindo o fim da Presidência da República, do Senado e do Conselho Constitucional, e a instauração de uma assembleia única, que concentre o poder executivo e legislativo, e cujos membros sejam eleitos por 2 anos e possam ser destituídos. Amplos setores da população se politizaram nos últimos meses contra o autoritarismo de Macron, sem deixar de acreditar nos mecanismos do sufrágio universal, como demonstra a forte mobilização eleitoral nas eleições legislativas: uma perspectiva desse tipo poderia ter neles um amplo auditório e permitir frustrar todo e qualquer intento de reforma cosmética do regime.

Como comunistas revolucionários, sabemos que nem a mais democrática das repúblicas burguesas resolverá os problemas centrais da população enquanto os meios de produção ou de comunicação estiverem nas mãos de uma minoria de parasitas, como Arnault, Bolloré, Niel, Pinault ou Bettencourt, a serviço de Macron, assim como qualquer governo de direita ou de centro-esquerda. De fato, a crise insolúvel do capitalismo, com o retorno das guerras entre grandes potências, genocídios e as crescentes consequências da catástrofe climática, torna mais urgente do que nunca tomar o poder dos exploradores. No entanto, essas reivindicações democráticas radicais permitiriam opor-se às exigências dos partidos do regime com um programa radical que deve ser defendido usando os métodos da luta de classes, e aproximariam as massas da conclusão da necessidade de um governo dos que nunca governaram, um governo dos trabalhadores, das classes populares e de todos os oprimidos.

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