Revista Casa Marx

Trump, engenheiro do caos

Esteban Mercatante

Donald Trump concretizou sua ameaça de aplicar tarifas a todo o mundo com percentuais superiores ao que se esperava, e outros parceiros comerciais, como a China, responderam na mesma moeda. O presidente norte-americano cumpre suas promessas de fazer tudo o que for possível para subverter as condições sob as quais os EUA vêm perdendo posições de poder. Mas essas mesmas condições foram as que permitiram aos magnatas dos EUA lucrarem como nunca antes, estendendo os tentáculos da extração de mais-valia por todo o planeta — e eles se recusam a abandoná-las. O pânico dos mercados, refletido na queda dos valores das ações e das commodities, expressa o desconcerto diante da incursão em um terreno desconhecido.

No dia 2 de abril, o presidente dos EUA, Donald Trump, concretizou a aplicação generalizada de tarifas que havia anunciado semanas antes. Os países menos prejudicados pagarão 10% sobre a entrada de seus produtos no mercado norte-americano. Mas as alíquotas aplicadas chegam até 50%, de acordo com o critério de responder de forma recíproca às barreiras tarifárias que supostamente os demais países impõem às importações provenientes dos EUA. Os países da União Europeia, parceiros históricos dos EUA, enfrentarão tarifas adicionais de 20%, enquanto que para a China será de 34%. Essas alíquotas se somam às tarifas que já estavam em vigor.

Os mercados, que desde o final de fevereiro já demonstravam nervosismo com as medidas de Trump, entraram em pânico com a confirmação do rumo protecionista por parte do presidente dos EUA.

O que busca a administração Trump com sua política tarifária, o que ela pode conseguir, e quais podem ser os efeitos que produzirá?

Sem precedentes

Com as tarifas aplicadas por Trump, a economia dos EUA passará a ter o maior nível tarifário dos últimos 130 anos. Durante a guinada protecionista dos anos 1930 — que foi um dos fatores determinantes da reversão da globalização econômica, juntamente com as desvalorizações competitivas das moedas e os estragos da depressão iniciada em 1929 — as tarifas tinham níveis médios inferiores aos que passaram a vigorar nos EUA a partir de 2 de abril.

A fórmula usada para calcular as alíquotas que afetam os diferentes países não está diretamente relacionada a impostos, subsídios ou barreiras não-tarifárias que esses países apliquem às exportações norte-americanas. Sua determinação foi muito mais simples e arbitrária: resulta da divisão do tamanho do déficit comercial dos EUA com cada país pelo tamanho das importações norte-americanas vindas desse país, sendo o resultado posteriormente dividido por dois. Um piso de 10% de tarifa rege para todo o comércio de bens — os serviços não são abrangidos pelas tarifas aplicadas — com poucas exceções, como Rússia, Bielorrússia, Cuba e Coreia do Norte. Nem mesmo territórios habitados exclusivamente por pinguins, como as ilhas Heard e McDonald, escaparam da fúria tarifária de Trump. México e Canadá não estão na lista de países afetados, mas os envios de automóveis, aço e alumínio desses países serão alcançados pelas tarifas específicas que entraram em vigor na mesma quinta-feira.

A arbitrariedade da fórmula dificulta que os países possam reverter “tarifas recíprocas” que na verdade não estão aplicando. O economista Michael Roberts explica isso com o exemplo do Vietnã:

Os Estados Unidos têm um déficit de US$ 123 bilhões com o Vietnã, de onde importam US$ 137 bilhões. Portanto, considera-se que o país possui barreiras comerciais equivalentes a uma tarifa de importação de 90%. A fórmula dos EUA aplica uma tarifa recíproca da metade disso (45%) para reduzir o déficit bilateral à metade. Problema: o Vietnã não tem uma tarifa de 90% sobre exportações norte-americanas, então não pode evitar a redução nas vendas aos EUA simplesmente concordando em reduzir suas “tarifas” sobre as exportações norte-americanas.

Golpear e negociar?

O presidente Trump acredita que as tarifas geram poder de negociação para chegar a acordos. É fácil imaginar que, após uma série de tarifas punitivas, parceiros comerciais como Europa e China se tornem mais receptivos a algum tipo de acordo monetário em troca de uma redução nas tarifas. [1]

Foi isso que escreveu em novembro do ano passado Stephen Miran, economista que desde março ocupa a presidência do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca. O autor se posiciona entre aqueles que defendem o uso de tarifas como arma para obrigar outros países a aceitar um novo sistema financeiro ao estilo “Bretton Woods”. Para Miran, a força do dólar — consequência de seu papel como moeda de reserva mundial, altamente demandada por investidores e bancos centrais ao redor do globo — deve ser corrigida para atrair novamente investimentos dos setores produtores de bens aos EUA. Em linha semelhante, Scott Besset, nomeado Secretário do Tesouro, previa no ano passado um grande “reordenamento econômico, algo equivalente a um novo Bretton Woods”. Besset afirmava que, embora o abandono por parte dos EUA do sistema de comércio internacional fosse “um grande erro estratégico e econômico”, era urgente a adoção de “políticas voltadas a corrigir as causas dos desequilíbrios na economia internacional”, privilegiando “intervenções em nível macroeconômico, como tarifas de base ampla” [2].

A aplicação de tarifas, se este fosse o propósito que as orienta, não seria o objetivo final, mas sim um meio de modificar, em favor dos EUA, as regras do sistema econômico mundial. Se for esse o caso, o caos atual está sendo guiado por objetivos bastante concretos, que não envolvem a implementação de barreiras comerciais duradouras, pois, se estas persistirem ao longo do tempo, poderiam desintegrar severamente a integração econômica mundial e aumentar os custos em todas as cadeias produtivas globais.

Se este for o objetivo buscado, tratar-se-ia de uma tentativa de repetir o que ocorreu nos anos 1980 com os Acordos Plaza. Assim chamados por causa do hotel onde ocorreram as negociações, esses acordos levaram ao compromisso, por parte do Japão e da Alemanha — os maiores concorrentes econômicos dos EUA, que também eram estreitos aliados em matéria de segurança — de adotar políticas voltadas a fortalecer o valor de suas moedas em relação ao dólar. Os integrantes da administração atual sonham com uns “Acordos de Mar-a-Lago”, nos quais, para escapar do impasse das tarifas recíprocas, os principais concorrentes e parceiros comerciais dos EUA aceitariam contribuir para uma desvalorização do dólar. Mas não se trata apenas do valor da moeda — o objetivo é negociar uma depreciação do dólar em relação às demais moedas sem que sua preeminência indiscutível como moeda de reserva mundial seja prejudicada. Essa condição é o que dá aos EUA uma capacidade inigualável de tomar decisões sobre sua própria economia (e sobre a do resto do mundo) sem as restrições enfrentadas por outros países. Um novo sistema monetário poderia surgir se outros países aceitassem vincular a cotação de suas moedas ao dólar, em níveis de paridade mais altos que os atuais.

Para Miran, “se o dólar pudesse se enfraquecer para equilibrar o comércio, não teríamos tantos déficits comerciais. Não teríamos muitos dos problemas que as tarifas e outras políticas tentam resolver, porque as exportações americanas seriam mais competitivas no cenário global e não sofreríamos tantos abusos por parte de outros países”. Ou seja, a guerra tarifária se tornaria supérflua, e tudo poderia voltar à normalidade pré-tarifária, com alíquotas mais baixas, uma vez que os EUA tivessem imposto ao resto do mundo a responsabilidade de sustentar sua competitividade. O caos das últimas semanas, então, seria apenas momentâneo, e dele emergiria uma nova ordem favorável ao ressurgimento produtivo dos EUA.

A dúvida é se os EUA têm hoje força suficiente para forçar a aceitação dessa mudança nas regras do jogo — uma mudança que busca substituir, por decisão unilateral, aquelas que vigoraram sob a “ordem baseada em regras” previamente construída pelo próprio Estado norte-americano para assegurar as condições adequadas à expansão do capital pelo mundo. Sem dúvida, todos os países querem que suas empresas mantenham acesso vantajoso ao cobiçado mercado norte-americano. Mas hoje os países com os quais os EUA precisam negociar não estão integrados de maneira subordinada aos esquemas de segurança norte-americanos, como estavam Alemanha e Japão nos anos 1980. Trump precisa trazer à mesa a China — potência em ascensão com a qual os EUA rivalizam de forma cada vez mais agressiva — e também a União Europeia, que com o retorno de Trump acelera os planos para tentar alcançar uma autonomia militar em relação aos EUA. Será que o benefício de manter o acesso ao mercado norte-americano é suficiente para compensar os custos, para esses países — assim como para os BRICS (dos quais, curiosamente, apenas a Rússia escapou das tarifas, assim como a Coreia do Norte) e outros blocos — de reconfigurar o padrão monetário em benefício dos EUA?

O que é certo, além dos cenários traçados pelos economistas de Trump ao imaginar um mundo onde os EUA se reindustrializam e mantêm ao mesmo tempo o lugar preeminente de sua moeda como reserva de valor, é que não existem alquimias monetárias suficientes para atrair novamente a produção massiva de bens aos EUA. Assim como os Acordos Plaza ajudaram momentaneamente a equilibrar as contas externas dos EUA e a recuperar um pouco de mercado dos seus parceiros, mas não impediram as reestruturações econômicas que levaram as indústrias americanas a se realocarem em países de baixos salários, as tarifas de Trump, mesmo que consigam arrancar concessões substanciais na área monetária, não vão trazer de volta aos EUA os empregos perdidos com a realocação de empresas para fora do país, em busca de menores custos de produção. Como disse o falecido CEO da Apple, Steve Jobs, ao então presidente Barack Obama em 2011, quando este lhe perguntou o que seria necessário para que o iPhone fosse fabricado em solo americano: “esses empregos não vão voltar”.

Golpe por golpe e incerteza econômica

Resta saber se a sequência virtuosa de “bater para negociar”, imaginada pela administração Trump, tem alguma base na realidade. Por ora, em meio à desordem mundial, Trump introduziu ainda mais caos, e isso marcará a conjuntura. A imprensa liberal, que convocou a União Europeia, China e outros países relevantes a não caírem na armadilha da retaliação e manterem o compromisso com a economia integrada, parece não estar tendo o eco necessário. Aos tarifários de Trump seguiram-se os anúncios da China de impor aos produtos provenientes dos EUA a mesma alíquota de 34%.

Os mercados de ações estiveram em queda desde quarta-feira, no mesmo modo de colapso que tem predominado em várias sessões desde o final de fevereiro. A destruição de valor de mercado desde os picos gira em torno de impressionantes 20%.

O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, advertiu na sexta-feira que as tarifas aprovadas por Trump são “maiores do que o esperado”, e que, portanto, também é provável que suas consequências econômicas sejam mais severas, como o aumento da inflação e a desaceleração do crescimento. “Estamos enfrentando um cenário muito incerto, com riscos elevados tanto de aumento do desemprego quanto da inflação”.

O problema para o Fed é que, para estimular a atividade econômica e combater o desemprego, deveria promover uma expansão monetária, reduzindo as taxas de juros, enquanto que, para enfrentar a ameaça de um ressurgimento da inflação, deveria aplicar uma política monetária contracionista. Após os anúncios, se reforçaram as previsões de queda econômica para este ano, que algumas entidades estimam entre 1% e 2%, acompanhadas ainda de um aumento da inflação que poderia chegar a 4% ou 5% ao ano. As margens de atuação da entidade responsável pela política monetária se estreitam em meio ao descontrole provocado por Trump.

Como observa Michael Roberts, hoje o peso do comércio exterior na economia dos EUA é três vezes maior do que era quando foi implementada a Lei Smoot-Hawley em 1929: em 2024, as importações representavam 15% do PIB, frente a aproximadamente 6% em 1929. A produção e as vendas domésticas estão muito mais entrelaçadas com a entrada dessas mercadorias importadas do que há 90 anos. Isso contradiz a ideia de que as tarifas afetarão apenas a atividade econômica de outros países que vendem aos EUA. Por isso, os impactos da guerra comercial sobre o PIB podem ser muito maiores do que as estimativas mencionadas.

Terreno desconhecido

A conjuntura é caótica. Não se pode descartar que seja o prelúdio do objetivo perseguido pela administração Trump de forçar uma negociação. Mas mesmo que assim seja, a governança – ou melhor, o desgoverno – mundial entrou em um terreno desconhecido, com novas regras. As implicações dessa mudança serão muito profundas para as relações entre as potências.

Nem a guerra de tarifas, nem a eventual imposição por parte dos EUA de novas regras para o comércio e o sistema monetário – que alguns funcionários de Trump imaginam que poderiam ser alcançadas em troca de revertê-las – mudarão fundamentalmente o curso de declínio que afeta os EUA. Assim como as medidas implementadas desde o Pivot to Asia de Obama, e aprofundadas por Trump, não conseguiram frear o crescimento da influência da China no mundo. Ao contrário do que pretendem, como advertiu o The Economist, as decisões de Trump poderiam engrandecer a China, e não os EUA.

O que se confirma com o golpe de machado de Trump no comércio mundial é a decisão da principal potência – que teve um papel-chave na consolidação da integração econômica – de embaralhar e redistribuir as cartas. Isso aprofunda a crise do que já existe, sem que fique claro o que poderia ser construído em seu lugar. Esse elemento, a rivalidade exacerbada entre EUA e China, e os cenários de guerra em aberto, configuram uma situação que pode claramente ser enquadrada como caos sistêmico, do qual Trump se tornou um de seus principais engenheiros.

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