Revista Casa Marx

Uma polêmica com o Maoísmo e suas vertentes atuais. Parte 1

Redação

Para começar a entender o fenômeno do maoísmo, temos que entender o processo revolucionário ocorrido na China entre 1925 e 1927.

A Revolução Chinesa de 1925-1927

Para começar a entender o fenômeno do maoísmo, temos que entender o processo revolucionário ocorrido na China entre 1925 e 1927. Após a Revolução Russa de 1917, vários processos revolucionários tomaram o mundo, tanto na Europa como também nas colônias. Nesses últimos, muitas vezes esse processo tomou o caráter de uma verdadeira guerra de libertação nacional, como na China. Frente a isso, os revolucionários também viram a necessidade de formar Partidos Comunistas a nível internacional para conseguir influir e dirigir esses processos. Por isso, os bolcheviques, ainda liderados por Lenin e Trotski, tem a iniciativa de fundar a III Internacional em 1919, também chamada de Internacional Comunista (IC), que reuniu diversos Partidos Comunistas no mundo todo, alguns com bastante peso e influência. Durante os primeiros 4 congressos, foi uma verdadeira escola de estratégia revolucionária, onde não apenas se compartilhou a experiência vitoriosa do Partido Bolchevique, como também se pensou uma série de estratégias e táticas para a revolução internacional. No contexto de burocratização stalinista da URSS, a IC também sofre com isso, se afastando das teses revolucionárias dos primeiros congressos, e instalando um regime interno burocrático e autoritário, com cada vez menos congressos e mais cerceamento à oposição. Isso também ocorre com os Partidos Comunistas filiados a ela, e, como veremos, terá uma série de implicações.

Nessa época a China era governada pelo Governo de Beiyang. Após uma série de revoltas contra a monarquia e a submissão imperialista no século XIX e início do XX, a Dinastia Qing é derrubada e se proclama a República da China. No entanto, o novo governo era controlado por vários generais da antiga dinastia, que eram chamados de “senhores da Guerra”, que formavam governadores militares feudais que dominavam determinada zona de influência. Portanto, apesar dessa mudança, não existia nenhuma liberdade democrática, o parlamento era apenas decorativo (e depois foi inclusive derrubado por um golpe) e o governo que se instala na prática era um dos latifundiários e traziam elementos do governo da antiga dinastia Qing, mantendo a submissão semicolonial da China atrelada aos interesses de diversos imperialismos. Além disso, as relações no campo ainda mantinham uma série de traços semifeudais e mesmo tarefas como a unidade nacional do país não tinham sido resolvidas. Apesar disso, as cidades chinesas cresciam muito rápido, assim como o seu proletariado, que foi protagonizando várias greves. Nesse cenário surge o Partido Comunista Chinês (PCCh) e também o Kuomintang, o partido da burguesia “nacionalista” chinesa, que propunha uma China unificada sob uma república burguesa.

Em 1925 começa um grande levante contra o Governo de Beiyang, sendo o PCCh e o Kuomintang os principais partidos de oposição ao governo. No entanto, o PCCh, sob as ordens da IC estalinizada – contra a proposta de Trotski, que preconizava a independência política do PCCh – tem uma política de aliança a todo custo com o Kuomintang, sob a visão que a Revolução Chinesa se trava de uma revolução burguesa que deveria passar por uma etapa de liderança do Kuomintang. No entanto, Sun Yat-Sen rejeita qualquer aliança, exigindo que o PCCh se dissolva no Kuomintang e siga sua liderança. A IC então segue tal exigência com os membros do PCCh entrando dentro do Kuomintang e se submetendo a sua direção. A URSS chega a armar esse partido e o próprio Chiang Kai-Shek, líder do partido à época, é condecorado pela IC.

Em 1927 começa um levante operário em Xangai, com uma greve geral insurrecional na cidade, mostrando o potencial do proletariado como vanguarda dirigente da revolução chinesa, no contexto de uma luta nacional no país. O PCCh, que era a clara direção do movimento na cidade, contando com muitos milhares de militantes na cidade (que exerciam influência, certamente, sobre centenas de milhares), ao invés de desenvolver esse processo e chamar à criação dos sovietes, se coloca contra isso, com a lógica que a direção do processo deveria ser do Kuomintang, chegando inclusive a mandar os operários entregaram as armas ao partido de Chiang Kai-Shek. Com isso, o Kuomintang mostra seu caráter burguês e reprime fortemente o levante, prendendo e matando milhares de operários, muitos inclusive do próprio PCCh.

Apesar disso, o PCCh mantém sua linha de aliança com a burguesia nacional, mas dessa vez aposta na “ala esquerda do Kuomintang” 1, que tinha estabelecido um governo com sede em Wuhan. Durante essa época, essa ala vinha tendo atritos com o governo de Chiang Kai-Shek. Entretanto, após um breve período de colaboração, Wang Jingwei, líder da “ala esquerda”, diz que o governo de Wuhan estava falhando graças aos comunistas e então inicia uma repressão massiva ao PCCh. Ao mesmo tempo Wang se rende e se alia novamente com Chiang Kai-Shek.

Após isso, a IC e o PCCh dão um giro de 180º, reconhecem a “traição” da burguesia e do Kuomintang e conclamam levantes armados contra o mesmo. A questão é que com a derrota de Xangai, o Kuomintang se consolida como partido dominante e tal orientação da IC, por fora da correlação de forças, só poderia ter um caráter aventureiro. Após algumas rebeliões derrotadas, ocorre um levante Cantão. O PCCh proclama a criação de um soviete na cidade. Os operários atendem a esse chamado, expropriando a burguesia e tomando uma série de medidas, mostrando novamente o caráter operário da revolução chinesa. Apesar disso, Cantão fica isolada e o Kuomintang consegue reprimir o levante. Dessa forma, o partido se consolida no poder, mostra totalmente seu caráter contrarrevolucionário e começa uma dura perseguição aos comunistas, que tem de se refugiar no campo para conseguir sobreviver 2

Sobre esse processo, Trótski e Stalin tiram conclusões bem diferentes. O primeiro, no caráter de líder da Oposição de Esquerda, analisa atentamente o processo, mostra os erros da direção da IC e a partir do balanço desse processo generaliza as teses da revolução permanente. Condizente com o combate que deu durante todo esse processo, coloca claramente o papel reacionário da burguesia nacional, totalmente amedrontada frente ao imperialismo e totalmente incapaz de realizar tarefas democráticas como a independência nacional e a reforma agrária. Dessa forma generaliza as suas conclusões sobre a Revolução Permanente:

2. Para os países de desenvolvimento burguês atrasado e, em particular, para os países coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a resolução íntegra e efetiva das suas tarefas democráticas e de libertação nacional somente pode ser concebida por meio da ditadura do proletariado, que se coloca à cabeça da nação oprimida e, primeiro de tudo, das suas massas camponesas.

3. Não só a questão agrária como também a questão nacional atribuem ao campesinato, que constitui a enorme maioria da população dos países atrasados, um papel excepcional na revolução democrática. Sem a aliança entre o proletariado e os camponeses, as tarefas da revolução democrática não podem ser realizadas; nem sequer podem ser seriamente colocadas. Mas a aliança destas duas classes não poderá realizar-se a não ser através duma luta implacável contra a influência da burguesia liberal nacional.

4. Quaisquer que sejam as primeiras e episódicas etapas da revolução nos diferentes países, a aliança revolucionária do proletariado e do campesinato só é concebível sob a direção política da vanguarda proletária organizada em partido comunista. O que significa, por sua vez, que a vitória da revolução democrática só é concebível por meio da ditadura do proletariado, que se apoia na sua aliança com o campesinato e que, em primeiro lugar, decide das tarefas da revolução democrática.

[…] 8. A ditadura do proletariado, que sobe ao poder como força dirigente da revolução democrática, se encontra muito rápida e inevitavelmente colocada perante tarefas que a forçarão a fazer incursões profundas no direito de propriedade burguês. No decurso de seu desenvolvimento, a revolução democrática transforma-se diretamente em revolução socialista e torna-se assim uma revolução permanente. 3

Já a IC estalinizada joga toda a culpa sob os dirigentes do PC chinês à época pelos erros, mas não tira nenhuma conclusão revolucionária, mantendo uma visão etapista dos processos revolucionários nas colônias e semi-colônias, onde quem deveria encabeçar a primeira etapa é a burguesia nacional 4. O próprio Stalin, mesmo depois da derrota de Xangai, ainda defendeu a tese de que havia uma etapa necessária do Kuomitang.

A Nova Democracia, o Bloco das Quatro Classes e a Revolução de 1949

As derrotas em Xangai e Cantão consolidam o domínio do Kuomintang sobre a China – em acordo com os antigos senhores da guerra, sob a base de não conceder a terra aos camponeses – com o partido tomando Pequim em 1928. Além disso, o próprio domínio de Chiang Kai-Shek vai se consolidando internamente no Kuomintang. Como já mencionado anteriormente, tais derrotas significaram uma grande repressão ao movimento operário e particularmente ao PCCh. A linha ultraesquerdista de levantamentos insurrecionais nas cidades, por fora da correlação de forças após as derrotas, só faz aprofundar esse processo, fazendo com que o PCCh perdesse praticamente toda sua base operária nas cidades.

Nesse sentido, o PCCh adota como estratégia para sua sobrevivência se refugiar no campo, onde os camponeses ainda lutavam com uma guerra de guerrilhas, em um fenômeno similar ao que ocorreu na Rússia após a derrota da insurreição de Moscou durante a revolução de 1905. Nesse episódio, Lenin faz o balanço que, dentro de determinadas condições específicas, tal método de luta era válido e que os revolucionários deveriam se juntar a essas lutas. No entanto, deixa claro que tal método não deve ser o único e nem mesmo o principal, separando esse método das grandes insurreições de massa que de fato podem levar o proletariado ao poder 5

Já os dirigentes da IC e do PCCh não tiram a mesma conclusão. Veem numa retirada tática o início da revolução agrária. Montam o Exército Vermelho chinês a partir de uma base camponesa – apesar de tal tática ter sido originada quase como uma forma de sobrevivência após as derrotas já mencionadas -, e o PCCh começa a teorizar sobre o campesinato ser a principal classe revolucionária nos países coloniais e semicoloniais, e não o proletariado, apesar das lições da revolução russa e dos levantes urbanos terem mostrado o papel dirigente desta classe mesmo em um país majoritariamente camponês.

O PCCh chega a ganhar uma influência considerável entre os camponeses, chegando até mesmo a dominar algumas áreas rurais, onde levavam a frente medidas como reforma agrária e a expropriação de grandes latifundiários, chegando a fundar uma república soviética artificial, formado por alguns territórios rurais descontinuados sob o poder do PCCh. No entanto, em tais repúblicas, não são adotadas medidas diretamente socialistas, pelo próprio caráter de classe dos camponeses. Além disso, pelo seu próprio isolamento dos grandes centros urbanos, são duramente reprimidas pelo Kuomintang. Isso culmina na Longa Marcha em 1934, que foi uma retirada das tropas do PCCh dos seus territórios anteriormente dominados em Hunan e Jiangxi. Após marcharem milhares de quilômetros e perdendo cerca de 2/3 dos integrantes (estima-se que apenas 30 mil dos 90 mil que partiram chegaram ao final), o exército do PCCh consegue romper o cerco do exército nacionalista do Kuomintang e se reagrupa no norte da China. Nessa época, se consolida a direção de Mao Tsé Tung sobre o partido, sob o apoio de Stalin. Algumas de suas principais teses políticas serão debatidas a seguir, assim como suas implicações na orientação do PCCh.

Em 1932, inicia-se uma ocupação do imperialismo japonês na China. Durante esse processo, Mao Tsé Tung teoriza sobre a possibilidade da passagem de um setor da burguesia, inclusive alas do próprio Kuomintang, para o campo revolucionário, com medo que a China virasse uma colônia total 6. Nesse ponto, afirma que: “A tarefa do Partido é formar uma Frente Única Nacional revolucionária, coordenando as ações do Exército Vermelho com a atividade dos operários, camponeses, estudantes, pequena burguesia e burguesia nacional, em todo o país.”. Dessa forma, abandona deliberadamente a ideia de estabelecer na China uma república soviética, em nome de uma “república popular” que seja governada não apenas por operários, camponeses e a pequena burguesia, mas todas as classes que se oponham ao imperialismo japonês, mesmo que não se oponham ao imperialismo americano e europeu.. Para terminar afirma que apenas os “trotskistas” podem negar o caráter democrático-burguês da revolução, de forma que, segundo Mao, o único objetivo é lutar contra o imperialismo e o feudalismo, não o capitalismo, e que nesse sentido a revolução socialista estaria colocada apenas muito mais para a frente. Chega até mesmo a colocar abertamente que desenvolveria as indústrias da burguesia não imperialista e/ou feudal, e que haveria que limitar a luta dos trabalhadores contra esse setor burguês.

Tais teses repetem o velho etapismo menchevique reciclado pelo estalinismo, que separam o mundo em países maduros e não maduros para a revolução operária. Apesar da própria Revolução Russa já ter mostrado, na prática, a incapacidade da burguesia de conduzir a própria revolução burguesa na época imperialista, o estalinismo ressuscitou tais teses etapistas, levando os PCs em várias partes do mundo a se subordinar às suas respectivas burguesias nacionais, o que ocasionou derrotas estrondosas.

Cabe aqui dizer que os trotskistas jamais negaram a necessidade de resolver as tarefas democrático-burguesas pendentes, como a questão da unidade nacional, a independência do imperialismo (todos eles) e a reforma agrária. No entanto, como os acontecimentos da China mostraram, a burguesia nacional das colônias e semi-colônias é totalmente reacionária e inapta para resolver essas questões.

Dessa forma, se baseando nas lições tanto da China como também da própria Revolução Russa, Trótski colocava que era o proletariado, dirigido pelo partido revolucionário, que deveria levar a frente a revolução nos países atrasados, em aliança com outros setores explorados e oprimidos, como o campesinato e a pequena burguesia. Para isso, é necessária uma luta implacável contra a influência da burguesia nacional nesses setores. No entanto, uma revolução vitoriosa só poderia conduzir à ditadura do proletariado, que começaria resolvendo as tarefas democráticas pendentes, mas que logo teria que entrar em tarefas socialistas 7. Como veremos a seguir, tais teses se confirmaram com os acontecimentos, enquanto as teses maoístas sobre o papel revolucionário da burguesia nacional vão mostrar de novo seu fracasso.

Em 1937 o Japão intensifica sua ocupação colonial na China. Por um lado, isso dá um novo impulso às lutas dos operários urbanos contra a ocupação japonesa, permitindo inclusive que o PCCh volte a aumentar sua influência aí. Além disso, o Kuomintang faz um acordo de colaboração com o PCCh para enfrentar os japoneses 8. Dessa forma, o PCCh forma uma nova frente com o Kuomintang de Chiang Kai-Shek. Nesse cenário, Mao aprofundará suas elaborações etapistas anteriores, criando conceitos como “A Nova Democracia”, o “Bloco das Quatro Classes” e a “Guerra Popular Prolongada”.

Mao parte da caracterização, em parte correta, da China como uma sociedade semifeudal, semicolonial e diretamente colonial nas regiões ocupadas pelo Japão (que tinha como perspectiva a total colonização da China), onde os senhores de terra atuavam como representantes diretos dos interesses imperialistas. Mao também vê que o próprio imperialismo tinha atuado para desenvolver o capitalismo no país, ainda que a débil burguesia nacional e os senhores de terra estivessem ligados ao imperialismo. No entanto, o que não aparece na análise de Mao é como esse desenvolvimento capitalista tinha formado um proletariado urbano e industrial e com uma grande concentração nas cidades e que não existia um setor progressista da burguesia nacional 9. Pelo contrário, como analisa Trotsky, “Quanto mais se vai para o oriente na Europa, mais a burguesia se torna débil no aspecto político, mais covarde, e mais mesquinha, e maiores são as tarefas culturais e políticas que recaem sobre a classe trabalhadora” 10 Ainda que a grande maioria da população vivesse no campo, esse proletariado concentrado não apenas crescia, como protagonizava fortes lutas e levantamentos de relevância nacional, como já mencionado anteriormente.

A conclusão de Mao, muito diferente de Lênin e Trótski, que viam o caráter reacionário da burguesia liberal (e baseada nas conclusões da IC estalinizada), era de que, diferente da burguesia russa, a burguesia chinesa possuía um duplo caráter, pois, ainda que vacilantes, determinados setores da burguesia nacional, e até mesmo da nobreza que demonstrassem “sentimentos anti-japoneses” poderiam ser forças motrizes da revolução. Dessa forma a direção da revolução deveria ser não o proletariado com seu partido revolucionário à cabeça, mas o “Bloco das quatro classes”, representado pela burguesia nacional, pequena burguesia, camponeses e proletariado, que estariam em aliança numa “Frente única anti-japonesa”, que na prática se dava pela aliança do PCCh com o Kuomintang.

Por mais que falasse que a direção desse bloco fosse do proletariado e criticasse a vacilação da burguesia nacional e até mesmo como setores dela debandavam para o lado do imperialismo, na prática a política de Mao Tsé Tung significava a submissão do proletariado à política da burguesia. Isso pois, segundo Mao, a revolução na China não deveria ser uma revolução visando implantar uma ditadura do proletariado, como se deu na Rússia, mas sim uma revolução “de Nova Democracia”. Essa diferiria das antigas revoluções burguesas pois não levaria a burguesia ao poder, e sim um governo das quatro classes anteriormente mencionadas 11, ou seja um governo de “Nova Democracia”. Nesse sentido, seria uma revolução que buscaria apenas atacar o imperialismo e o feudalismo, mas não a burguesia nacional chinesa (que, como já mencionado, tem diversos laços com o imperialismo e explora o próprio proletariado chinês). Nesse sentido, o programa adotado deveria ser não um programa operários, e sim o programa burguês originário do Kuomintang. Já a revolução socialista ficaria numa “segunda etapa futura”.

Mais que isso, Mao enfatiza que ganhar esses setores da burguesia e da nobreza “esclarecida”, que seria a “ala esquerda” dos senhores de terra, é essencial para o triunfo da revolução na China. Portanto, em nome de não romper o acordo político e militar da frente única anti-japonesa, os operários e camponeses deveriam respeitar “os interesses das forças intermediárias”, que significava a burguesia nacional e a nobreza “esclarecida”. Ou seja, clamar para os operários não lutarem contra seus próprios exploradores se fossem da “burguesia nacional” e nem que os camponeses expropriassem os senhores de terra “esclarecidos”. Além disso, mesmo após todas provas do caráter contra-revolucionário do Kuomitang, Mao insiste em dizer que isso é apenas uma minoria do partido.

No entanto, como analisa Trótski em relação à Revolução Espanhola 12, a política revolucionária não se reduz apenas a aritmética da soma de forças. A política estalinista de Frente Populares de submeter o proletariado à burguesia “liberal”, sob a pretensa lógica que quanto mais integrantes no bloco, este seria mais forte militarmente, esquece de colocar a política nessa equação. O ponto é que, ao limitar a luta dos proletários e dos camponeses em nome da aliança com a burguesia “liberal, progressista, nacional” etc, se enfraquece a própria capacidade de combate das classes revolucionárias. Afinal:

“A guerra civil, onde a força da violência apenas tem pouca ação, exige dos seus participantes um devotamento supremo. Os operários e os camponeses só são capazes de assegurar a vitória quando eles travam a luta pela sua própria emancipação. Submetê-los nestas condições à direção da burguesia, é assegurar antecipadamente sua derrota na guerra civil. 13

Ligado a tudo isso está a teoria da Guerra Popular Prolongada 14. Para Mao, a questão quase exclusivamente se resolvia no plano militar. Analisando por essa perspectiva, Mao conclui que a única solução para a resolução do conflito entre a China e o Japão está numa guerra prolongada, onde aos poucos, as forças nacionalistas chinesas (a frente única anti-japonesa), com auxílio exterior, conseguiriam vencer o Japão. Não passa pela reflexão de Mao medidas para fortalecer a luta da classe operária e dos camponeses contra a ocupação japonesa. Pelo contrário, o centro é não quebrar a frente única anti-japonesa com burguesia nacional e o Kuomintang. A grande arma para a mobilização de massas é um programa de reivindicações ao Kuomintang que não passam de medidas por dentro de uma democracia liberal 15. Ainda que não renegasse o trabalho político entre os operários urbanos, como as principais cidades estavam na mão das forças reacionárias, o proletariado dessas cidades não poderia cumprir um papel dirigente, podendo apenas facilitar o trabalho das guerrilhas rurais.

Consequentemente, não se trata de construir, como foi o partido bolchevique, um partido que organizasse a vanguarda revolucionária dos operários e também dos camponeses e que pudesse dirigir os levantes de massa, sob a base do centralismo democrático, e sim de construir um partido-exército altamente centralizado e hierarquizado.

Apesar da aliança, as lideranças do Kuomintang, mostrando o espírito da burguesia nacional, viam nos comunistas um mal maior que os japoneses, e acabam boicotando a luta contra o imperialismo japonês. Em muitos lugares, atacam abertamente os militantes do PCCh. Apesar disso, Mao – seguindo a orientação de Stalin – insiste que é necessário manter a todo custo a frente única, colocando que isso são provocações do imperialismo contra a frente única.. Frente as ações do Kuomintang, não fazem mais que apelar por uma mudança de linha do Kuomintang 16. Ao mesmo tempo que queria a todo custo manter a aliança com a burguesia, indicava a necessidade de “eliminar os trotskistas”, justamente por se colocarem contra essa orientação colaboracionista. Apesar dessa orientação da direção, em muitos lugares a própria base do PCCh acaba tomando a dianteira combatendo também o Kuomintang e promovendo a expropriação dos latifúndios dos setores camponeses ligados aos nacionalistas.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a ocupação japonesa é derrotada (com apoio dos aliados) e a China se encontra dividida entre áreas dominadas pelo governo oficial do Kuomintang e áreas dominadas pelo PCCh. Esse último, se encontrava fortalecido pelo prestígio obtido na luta contra a ocupação japonesa e também pela participação da URSS na derrota dos nazistas e dos japoneses.

Mesmo após a experiência durante a invasão japonesa, o PCCh busca ainda acordos com o Kuomintang, enquanto o mesmo intensifica sua repressão sobre as áreas dominadas pelo primeiro. Longe de apelar à mobilização de massas, Mao apela aos “Aliados”, ou seja, ao imperialismo americano e inglês para “parar” Chiang Kai-Shek 17. Enquanto ataca o PCCh, Chiang Kai-Shek propõe acordos ao mesmo, e sob mandos de Stalin, Mao vai negociar com os nacionalistas, se comprometendo a reconhecer o governo deles, em troca dos comunistas poderem ser uma oposição legal. Também iniciam-se conversas, intermediadas pelos EUA, para se formar um governo de coalizão entre os 2 partidos.

Apesar da disposição do PCCh para negociar, o Kuomintang segue atacando as áreas dominadas pelo primeiro, que é obrigado a atacar de volta para se defender. No entanto, mais uma vez, a luta de classes começa a determinar o militar. Nas cidades dominadas por Chiang Kai-Shek começam a ocorrer grandes lutas operárias e estudantis. Além de terem sido marcados por não se enfrentarem consequentemente com os japoneses, terem iniciado uma campanha contra o PCCh fez com que os nacionalistas perdessem muito prestígio, com muitas de suas tropas debandando de lado. Em muitas áreas que o PCCh foi tomando, as próprias massas iam além das diretrizes da direção do partido, realizando por conta própria a expropriação e divisão de grandes latifundiários 18. Nesse cenário, o Kuomintang vai sofrer cada vez mais reveses, até que em 1949 é proclamada a República Popular da China e Chiang foge para Taiwan.

Apesar disso, durante todos esses anos, Mao buscou um acordo com o Kuomintang para construir um governo burguês de coalizão, o que foi rechaçado por Chiang Kai-Shek 19. O Kuomintang contava com o apoio do imperialismo americano (mostrando mais uma vez o caráter da burguesia nacional subimissa ao imperialismo), que enviou armamentos, soldados e recursos financeiros. No entanto, isso não foi suficiente para reprimir o processo revolucionário, frente ao cenário da imensa pobreza, hiperinflação e desemprego causados pela política do Kuomintang, além do rechaço que havia à sua ofensiva contra o PCCh. Após a tomada do poder pelo PCCh, a reforma agrária que já era feita por baixo pelas massas é institucionalizada, mas esse hesita em expropriar a burguesia até início da década de 50, seguindo sua linha etapista. Apesar de contarem com a proteção do governo chinês, a burguesia “nacional” continua abertamente a boicotar a revolução. No entanto, apenas após a pressão das massas e a própria incursão imperialista na Guerra da Coréia – que contou com o apoio do governo do Kuomintang estabelecido em Taiwan – é que ocorre a expropriação da burguesia. Dessa forma, o Estado chinês se consolidava como um Estado operário deformado burocraticamente, similar ao que havia se tornado a URSS após a reação stalinista.

Na prática, a ideia de um governo das quatro classes se mostrou inviável. A burguesia nacional,, se mostrou reacionária em toda linha, capitulando aos diversos imperialismos contra a revolução operária. A ideia de que seria possível uma “Nova Democracia”, ou seja, um regime intermediário entre o antigo regime semifeudal e semicolonial chinês e a ditadura do proletariado se mostrou inviável, confirmando o ponto 6 das Teses da Revolução Permanente. Apenas um Estado operário foi capaz de levar a frente as tarefas democrático burguesas na china. Apesar disso, o fato de se ter estabelecido, desde o início um estado operário deformado – onde o regime do partido-exército foi transformado em regime de Estado – e sem ter uma política de expansão da revolução internacional como teve o Partido Bolchevique após a Revolução Russa com a fundação da Internacional Comunista, limitou os ganhos da revolução e bloqueou o avanço ao comunismo, mas isso é tema para outro artigo.

 

Notas de rodapé
1.  Essa suposta ala esquerda do Kuomintang na verdade não diferia nos objetivos estratégicos da “ala direita”, como será mostrado mais adiante. Inclusive, seu líder Wang Jingwei vai se tornar mais tarde um colaborador dos japoneses na invasão. No entanto, nesse momento essa ala vinha disputando internamente o controle do Kuomintang e do próprio território chinês, no marco de uma disputa de poder interna no campo burguês
[^2]: Esse processo está melhor descritos nos textos O espectro de Trótski em Pequim, de André Barbieri e no Podcast Espectro do Comunismo: Revolução Chinesa – Trotskismo contra Maoísmo.
4.  Isso é descrito extensivamente no livro Stalin, o Grande Organizador de Derrotas, lançado pelas edições Iskra

[^7]: Ver a Teoria da Revolução Permanente, cuja as teses já foram citadas aqui, assim como o livro Stalin, o Grande organizador de Derrotas, das Edições Iskra

8.  Esse acordo foi feito a contragosto de Chiang Kai-Shek, que como veremos adiante, nunca abandonou sua intenção de destruir os comunistas. Inclusive, para ocorrer a assinatura do acordo, foi necessário que generais do partido raptasse e obrigasse Chiang a assinar

10. A Teoria da Revolução Permanente, op cit

11.  Mao Tsé Tung, Sobre a Democracia Nova

13.  Idem

14.  Mao Tsé TungSobre a Guerra Prolongada

19. Já no início de 1949, é formada uma comissão para tentar estabelecer um acordo de paz com o Kuomintang, liderada por Zhou Enlai, acordo esse que é recusado pelo Kuomintang]. Enquanto isso, Stalin desencorajava o PCCh a expandir seus territórios cruzando o Rio Yangtzé. [[Esse artigo mostra telegramas entre Mao e Stalin sobre isso
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