O livro China: onde os estremos se tocam, escrito por André Barbieri, vem à luz proximamente pelas Edições Iskra e já está a vendo em nossa loja digital e pode ser adquirido clicando aqui. Publicamos a seguir um trecho da introdução do livro:
O “espírito profundo, embora fantasioso” a que Marx se referiu, a meados de 1853, quando tratava das implicações epocais de uma revolução na China, era o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Este afirmava que, assim como não existe movimento sem matéria, também não existe matéria sem movimento. Friedrich Engels, servindo-se das lições sobre a filosofia da natureza do pensador alemão, estabelecia, da mesma maneira, que o movimento é o modo de existir da matéria: “matéria sem movimento é tão inconcebível como movimento sem matéria”. Todo objeto de estudo precisa ser captado em sua dinâmica mutável, e diante do seu ser, cumpre não esquecer o seu devir. No terreno das ciências humanas essa concepção é de vital importância. O surgimento de novos fenômenos na arena da economia, da geopolítica e da luta de classes exige atenção aos pontos em que se dão as transições e transformações das formas concretas de ser.
Talvez a China seja uma das expressões mais intrigantes desse movimento da matéria. Ela é, e ao mesmo tempo não é, o que parece, a cada momento. Pelas riquezas acumuladas e a velocidade com que ingressa na arena da rivalidade entre potências, o fenômeno chinês no século XXI deixou no museu da história a lenta gradação que caracterizou seu desenvolvimento milenar. Uma das mais antigas civilizações, que combinou uma galeria de dinastias agrárias com um dos mais atrozes processos de colonização sofridos na história, converte-se em uma formação capitalista que disputa territórios com as principais potências pela absorção de trabalho vivo como meio de valorização do seu capital. Essa processualidade é acelerada e ritmada pelos acontecimentos que abalam a economia capitalista mundial. A começar pelos efeitos não resolvidos da crise econômica mundial de 2008, passando pela pandemia do coronavírus, até a Guerra da Ucrânia e o genocídio dos palestinos em Gaza por parte do Estado de Israel. Todos esses processos complexificam a entrada da China no palco das grandes potências, informando a natureza peculiar da atual competição interestatal que reatualizou as características da época imperialista, de crises, guerras e revoluções.