Revista Casa Marx

Entendendo a rebelião na Síria. Entrevista com Joseph Daher

Redação

Traduzimos para essa edição do Ideias de Esquerda a entrevista com o socialista Sírio-Suiço Joseph Daher, concedida originalmente em inglês à revista americano-canadênse Tempest Magazine.

A rebelião na Síria surpreendeu o mundo e levou à queda da ditadura da família Assad, que governava o país desde que o pai de Bashar al-Assad, Hafez, assumiu o poder em um golpe de Estado há 54 anos. Nem as forças militares do regime, nem seus patrocinadores, a Rússia e o Irã, foram capazes de defendê-lo. Cidades sob o controle do regime foram libertadas, milhares de prisioneiros políticos foram soltos de seus notórios calabouços, e abriu-se espaço para uma nova luta por uma Síria livre, inclusiva e democrática pela primeira vez em décadas.

Ao mesmo tempo, a maioria dos sírios sabe que essa luta enfrenta enormes desafios, começando pelas duas principais forças rebeldes: Hayat Tahrir Al-Sham (HTS) e o Exército Nacional Sírio (SNA), apoiado pela Turquia. Embora tenham liderado a vitória militar, são forças autoritárias e têm um histórico de sectarismo religioso e étnico. Alguns setores da esquerda alegaram, sem fundamento, que essa rebelião foi orquestrada pelos EUA e Israel. Outros, de maneira acrítica, romantizaram essas forças rebeldes como uma renovação da revolução popular original que quase derrubou o regime de Assad em 2011. Nenhuma dessas visões captura a complexidade das dinâmicas que estão se desenrolando na Síria hoje.

Nesta entrevista, realizada em meio a uma situação em rápida mudança na Síria, Tempest conversa com o socialista sírio-suíço Joseph Daher sobre o processo que levou à queda do regime de Assad, as perspectivas para forças progressistas e os desafios enfrentados na luta por um país verdadeiramente livre que atenda aos interesses de todos os seus povos e classes populares.

Tempest: Como os sírios estão se sentindo após a queda do regime?

Joseph Daher: A felicidade é inacreditável. É um dia histórico. 54 anos de tirania da família Assad chegaram ao fim. Vimos vídeos de manifestações populares em todo o país — de Damasco, Tartus, Homs, Hama, Aleppo, Qamishli, Suweida, etc. — com pessoas de todas as seitas religiosas e etnias destruindo estátuas e símbolos da família Assad.

E, claro, há grande alegria pela libertação dos prisioneiros políticos das prisões do regime, especialmente da prisão de Sednaya, conhecida como o “abatedouro humano”, que poderia conter de 10.000 a 20.000 prisioneiros. Alguns estavam detidos desde os anos 1980. Da mesma forma, pessoas deslocadas em 2016 ou antes, de Aleppo e outras cidades, puderam retornar às suas casas e bairros, vendo suas famílias pela primeira vez em anos.

Ao mesmo tempo, nos primeiros dias após a ofensiva militar, as reações populares foram inicialmente mistas e confusas, refletindo a diversidade de opiniões políticas na sociedade síria, tanto dentro quanto fora do país. Algumas pessoas ficaram muito felizes com a conquista desses territórios e o enfraquecimento do regime, agora com sua possível queda.

No entanto, alguns setores da população estavam — e ainda estão — temerosos em relação ao HTS e ao SNA. Preocupam-se com o caráter autoritário e reacionário dessas forças e seus projetos políticos.

E outros estão preocupados com o que acontecerá nessa nova situação. Em particular, amplos setores de curdos e outras comunidades, embora felizes com a queda da ditadura de Assad, condenaram os deslocamentos forçados e assassinatos realizados pelo SNA.

Tempest: Você pode descrever a sequência de eventos, especialmente o avanço rebelde, que derrotou as forças militares de Assad e levou à sua queda? O que aconteceu?

JD: Hayat Tahrir Al-Sham (HTS) e o Exército Nacional Sírio (SNA), apoiado pela Turquia, lançaram uma campanha militar em 27 de novembro de 2024 contra as forças do regime sírio, obtendo vitórias impressionantes. Em menos de uma semana, HTS e SNA assumiram o controle de grande parte das províncias de Aleppo e Idlib. Em seguida, a cidade de Hama, localizada 210 quilômetros ao norte de Damasco, caiu nas mãos do HTS e SNA após intensos confrontos militares entre eles e as forças do regime apoiadas pela força aérea russa. Após Hama, o HTS tomou o controle de Homs.

Inicialmente, o regime sírio enviou reforços para Hama e Homs e, com o apoio da força aérea russa, bombardeou as cidades de Idlib e Aleppo e seus arredores. Nos dias 1 e 2 de dezembro, mais de 50 ataques aéreos atingiram Idlib, impactando pelo menos quatro instalações de saúde, quatro escolas, dois campos de deslocados e uma estação de água. Os ataques deslocaram mais de 48.000 pessoas e interromperam gravemente serviços e a entrega de ajuda. O ditador Bashar al-Assad havia prometido derrotar seus inimigos e declarou que “o terrorismo só entende o discurso da força”. Mas seu regime já estava desmoronando por todos os lados.

Enquanto o regime perdia cidade após cidade, os governatorados do sul, Suweida e Daraa, libertaram-se; suas forças locais e populares de oposição, separadas e distintas do HTS e SNA, assumiram o controle. As forças do regime então se retiraram de localidades a cerca de dez quilômetros de Damasco e abandonaram suas posições na província de Quneitra, que faz fronteira com as Colinas de Golã, ocupadas por Israel.

Conforme diferentes forças armadas da oposição — novamente, não HTS nem SNA — se aproximavam da capital Damasco, as forças do regime simplesmente desmoronaram e recuaram, enquanto manifestações e a destruição de todos os símbolos de Bashar al-Assad se multiplicavam nos subúrbios de Damasco. Na noite de 7 para 8 de dezembro, foi anunciado que Damasco estava liberada. O destino exato e a localização de Bashar al-Assad eram inicialmente desconhecidos, mas algumas informações indicavam que ele estava na Rússia sob proteção de Moscou.

A queda do regime provou sua fraqueza estrutural — militar, econômica e política. Ele colapsou como um castelo de cartas. Isso não é surpreendente, pois parecia claro que os soldados não iriam lutar pelo regime de Assad, dadas as péssimas condições de trabalho e salários. Preferiram fugir ou simplesmente não lutar, em vez de defender um regime pelo qual tinham muito pouca simpatia, especialmente porque muitos deles haviam sido recrutados à força.

Paralelamente a essas dinâmicas no sul, outras ocorreram em diferentes partes do país desde o início da ofensiva rebelde. Primeiro, o SNA liderou ataques a territórios controlados pelas Forças Democráticas Sírias (SDF) no norte de Aleppo e, em seguida, anunciou o início de uma nova ofensiva contra a cidade de Manbij, também sob o controle das SDF. No domingo, 8 de dezembro, com o apoio do exército, força aérea e artilharia turca, o SNA entrou na cidade.

Segundo, as SDF capturaram grande parte do governatorado de Deir-ez-Zor, anteriormente controlado por forças do regime sírio e milícias pró-Irã, após estas terem se retirado para se redistribuir em outras áreas para lutar contra HTS e SNA. As SDF então estenderam seu controle sobre vastas áreas do nordeste anteriormente sob domínio do regime.

Tempest: Quem são as forças rebeldes e, em particular, as principais formações rebeldes HTS e SNA? Quais são suas políticas, programas e projetos? O que as classes populares pensam delas?

JD: A conquista bem-sucedida de Aleppo, Hama, Homs e de outros territórios em uma campanha militar liderada pelo HTS reflete, de muitas maneiras, a evolução desse movimento ao longo de vários anos em uma organização mais disciplinada e estruturada, tanto politicamente quanto militarmente. Atualmente, o HTS consegue produzir drones e opera uma academia militar. O grupo conseguiu impor sua hegemonia sobre vários grupos militares, por meio de repressão e inclusão nos últimos anos. Com base nesses desenvolvimentos, posicionou-se para lançar este ataque.

O HTS tornou-se um ator quase estatal nas áreas que controla. Estabeleceu um governo, o Governo de Salvação Sírio (SSG, na sigla em inglês), que atua como administração civil do HTS e presta serviços. Nos últimos anos, tanto o HTS quanto o SSG demonstraram uma clara disposição de se apresentar como uma força racional para os poderes regionais e internacionais, a fim de normalizar seu domínio. Isso resultou, notadamente, em maior espaço para que algumas ONGs operem em setores-chave como educação e saúde, áreas em que o SSG carece de recursos financeiros e expertise.

Isso não significa que não exista corrupção nas áreas sob seu controle. O HTS impôs seu domínio por meio de medidas autoritárias e policiamento. O grupo reprimiu ou limitou atividades que considera contrárias à sua ideologia. Por exemplo, o HTS interrompeu vários projetos de apoio a mulheres, especialmente residentes em campos, sob o pretexto de que esses projetos cultivavam ideias de igualdade de gênero hostis ao seu regime. Também perseguiu e deteve opositores políticos, jornalistas, ativistas e pessoas que considerava críticas ou adversárias.

O HTS—que ainda é categorizado como organização terrorista por várias potências, incluindo os EUA—têm tentado projetar uma imagem mais moderada, buscando reconhecimento como um ator racional e responsável. Essa mudança remonta à ruptura de seus laços com a Al-Qaeda em 2016 e ao enquadramento de seus objetivos políticos dentro do contexto nacional sírio. Também reprimiu indivíduos e grupos ligados à Al-Qaeda e ao autoproclamado Estado Islâmico.

Em fevereiro de 2021, em sua primeira entrevista a um jornalista norte-americano, o líder do HTS, Abu Mohammad al-Jolani (ou Ahmed al-Sharaa, seu nome verdadeiro), declarou que a região sob seu controle “não representa uma ameaça à segurança da Europa e da América”, afirmando que essas áreas não se tornariam base para operações no exterior.

Nesse esforço para se definir como um interlocutor legítimo na cena internacional, ele destacou o papel do grupo no combate ao terrorismo. Como parte dessa reformulação, permitiu o retorno de cristãos e drusos a algumas áreas e estabeleceu contatos com líderes dessas comunidades.

Após a captura de Aleppo, o HTS continuou a se apresentar como um ator responsável. Combatentes do HTS, por exemplo, publicaram vídeos imediatamente em frente a bancos, oferecendo garantias de que protegeriam propriedades privadas e bens. Também prometeram proteger civis e comunidades religiosas minoritárias, particularmente cristãos, conscientes de que o destino dessa comunidade é monitorado de perto no exterior.

De forma semelhante, o HTS fez várias declarações prometendo proteção a curdos e minorias islâmicas, como ismaelitas e drusos. Em relação aos alauítas, emitiu um comunicado pedindo que rompessem com o regime, sem, no entanto, sugerir que os protegeria ou dizer algo claro sobre seu futuro. Nesse comunicado, o HTS descreve a comunidade alauíta como um instrumento do regime contra o povo sírio.

Finalmente, o líder do HTS, Abu Mohammed al-Jolani, declarou que a cidade de Aleppo será administrada por uma autoridade local, e todas as forças militares, incluindo as do HTS, se retirarão completamente da cidade nas próximas semanas. É evidente que al-Jolani busca ativamente engajar-se com poderes locais, regionais e internacionais.

No entanto, permanece uma questão em aberto se o HTS cumprirá essas declarações. A organização tem sido autoritária e reacionária, com uma ideologia fundamentalista islâmica, e ainda conta com combatentes estrangeiros em suas fileiras. Muitas manifestações populares ocorreram nos últimos anos em Idlib contra seu domínio e suas violações das liberdades políticas e dos direitos humanos, incluindo assassinatos e tortura de opositores.

Não é suficiente tolerar minorias religiosas ou étnicas ou permitir que elas rezem. A questão crucial é reconhecer seus direitos como cidadãos iguais, participando da decisão sobre o futuro do país. De forma mais geral, declarações do líder do HTS, como “as pessoas que temem o governo islâmico ou viram implementações incorretas dele ou não o entendem corretamente”, definitivamente não são tranquilizadoras, mas sim o oposto.

Com relação ao SNA, apoiado pela Turquia, é uma coalizão de grupos armados, em sua maioria com políticas islâmicas conservadoras. O SNA tem uma reputação muito ruim e é culpado de inúmeras violações de direitos humanos, especialmente contra populações curdas em áreas sob seu controle. Eles participaram notavelmente da campanha militar liderada pela Turquia para ocupar Afrin em 2018, o que levou ao deslocamento forçado de cerca de 150.000 civis, a grande maioria deles curdos.

Na atual campanha militar, mais uma vez o SNA serve principalmente aos objetivos turcos, visando áreas controladas pelas Forças Democráticas Sírias (SDF), lideradas pelos curdos, e com grandes populações curdas. O SNA capturou, por exemplo, a cidade de Tal Rifaat e a área de Shahba, no norte de Aleppo, anteriormente sob governança das SDF, causando o deslocamento forçado de mais de 150.000 civis e cometendo muitas violações de direitos humanos contra indivíduos curdos, incluindo assassinatos e sequestros. Em seguida, o SNA anunciou uma ofensiva militar, apoiada pelo exército turco, na cidade de Manbij, lar de 100.000 civis e controlada pelas SDF.

Portanto, existem diferenças entre o HTS e o SNA. O HTS possui relativa autonomia em relação à Turquia, em contraste com o SNA, que é controlado pela Turquia e serve a seus interesses. As duas forças são diferentes, perseguem objetivos distintos e têm conflitos entre si, embora, por enquanto, esses conflitos tenham sido mantidos sob controle. Por exemplo, o HTS atualmente não busca confrontar as SDF. Além disso, o SNA publicou uma declaração crítica contra o HTS por seu “comportamento agressivo” em relação a membros do SNA, enquanto o HTS teria culpado os combatentes do SNA por saques.

Tempest: Para muitos que não estavam prestando atenção à Síria, isso pareceu surgir do nada. Quais são as raízes dessa situação na revolução, contrarrevolução e guerra civil da Síria? O que aconteceu dentro do país recentemente que desencadeou a ofensiva militar? Quais são as dinâmicas regionais e internacionais que abriram espaço para os avanços dos rebeldes?

JD: Inicialmente, o HTS lançou a campanha militar como uma reação à escalada de ataques e bombardeios em seu território no noroeste pelo regime de Assad e pela Rússia. O objetivo também era recuperar áreas que o regime havia conquistado, violando as zonas de desescalada acordadas em um acordo de março de 2020, negociado por Moscou e Teerã. Com o sucesso surpreendente, no entanto, eles ampliaram suas ambições e declararam abertamente a intenção de derrubar o regime, o que agora eles e outros conseguiram.

O sucesso do HTS e da SNA deve-se ao enfraquecimento dos principais aliados do regime. A Rússia, principal patrocinador internacional de Assad, redirecionou suas forças e recursos para sua guerra imperialista contra a Ucrânia. Como resultado, seu envolvimento na Síria foi significativamente mais limitado em comparação a operações militares similares em anos anteriores.

Outros dois aliados-chave, o Hezbollah do Líbano e o Irã, foram dramaticamente enfraquecidos por Israel desde 7 de outubro de 2023. Tel Aviv realizou assassinatos de líderes do Hezbollah, incluindo Hassan Nasrallah, dizimou seus quadros com ataques de precisão e bombardeou suas forças no Líbano. O Hezbollah enfrenta, sem dúvida, o maior desafio desde sua fundação. Israel também lançou ondas de ataques contra o Irã, expondo suas vulnerabilidades, e aumentou os bombardeios a posições iranianas e do Hezbollah na Síria nos últimos meses.

Com seus principais apoiadores ocupados e enfraquecidos, a ditadura de Assad ficou em uma posição vulnerável. Devido às suas fraquezas estruturais, à falta de apoio da população que governa, à pouca confiabilidade de suas próprias tropas e sem suporte internacional e regional, o regime foi incapaz de resistir ao avanço das forças rebeldes. Cidade após cidade, seu controle desmoronou como um castelo de cartas.

Tempest: Como os aliados do regime inicialmente reagiram? Quais são os interesses deles na Síria?

JD: Tanto a Rússia quanto o Irã inicialmente prometeram apoiar o regime e também o pressionaram a lutar contra o HTS e a SNA. Nos primeiros dias da ofensiva, a Rússia instou o regime sírio a se recompor e “colocar ordem em Aleppo”, o que parece indicar que esperava que Damasco contra-atacasse.

O Irã pediu “coordenação” com Moscou diante da ofensiva. Alegou que os EUA e Israel estão por trás da ofensiva rebelde contra o regime sírio como parte de uma tentativa de desestabilizá-lo e desviar a atenção da guerra de Israel na Palestina e no Líbano. Autoridades iranianas declararam seu total apoio ao regime sírio e confirmaram suas intenções de manter e até aumentar a presença de seus “conselheiros militares” na Síria para apoiar o exército sírio. Teerã também prometeu fornecer mísseis e drones ao regime sírio e até mesmo enviar suas próprias tropas.

Mas claramente isso não funcionou. Apesar dos bombardeios russos em áreas fora do controle do regime, o avanço dos rebeldes não foi impedido.

Ambas as potências têm muito a perder na Síria. Para o Irã, a Síria é crucial para o transporte de armas e a coordenação logística com o Hezbollah. Antes da queda do regime, houve rumores de que o partido libanês havia enviado um pequeno número de “forças supervisoras” para Homs para ajudar as forças militares do regime, além de 2.000 soldados na cidade de Qusayr, um de seus redutos na Síria próximo à fronteira com o Líbano, para defendê-lo no caso de um ataque rebelde. Com a queda do regime, essas forças foram retiradas.

Do seu lado, a base aérea de Hmeimim, na província síria de Latakia, e a instalação naval em Tartous, na costa, são importantes para que a Rússia afirme sua influência geopolítica no Oriente Médio, no Mediterrâneo e na África. A perda dessas bases enfraqueceria o status da Rússia, já que sua intervenção na Síria foi usada como exemplo de como pode empregar força militar para moldar eventos fora de suas fronteiras e competir com os estados ocidentais.

Tempest: Que papel outras potências regionais e imperiais, particularmente Turquia, Israel e EUA, desempenharam neste cenário? Quais são suas ambições nessa situação?

JD: Apesar da normalização das relações entre a Turquia e a Síria, Ancara tem se frustrado com Damasco. Assim, incentivou, ou pelo menos deu o aval para a ofensiva militar e a assistiu de uma forma ou de outra. O objetivo inicial de Ancara era melhorar sua posição em futuras negociações com o regime sírio, mas também com o Irã e a Rússia.

Agora, com a queda do regime, a influência da Turquia na Síria se torna ainda mais significativa, provavelmente tornando-a o principal ator regional no país. Ancara também busca usar o Exército Nacional Sírio (SNA) para enfraquecer as Forças Democráticas Sírias (SDF), que são dominadas pelo braço armado do partido curdo PYD, uma organização irmã do partido curdo turco PKK, designado como terrorista por Ancara, pelos EUA e pela União Europeia.

A Turquia possui outros dois objetivos principais. Primeiro, realizar o retorno forçado dos refugiados sírios na Turquia para a Síria. Segundo, negar as aspirações curdas de autonomia e, mais especificamente, enfraquecer a administração liderada pelos curdos no nordeste da Síria, a Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria (AANES, também chamada de Rojava), que poderia estabelecer um precedente para a autodeterminação curda na Turquia, representando uma ameaça ao regime tal como está constituído.

Nem os EUA nem Israel tiveram participação nesses eventos. Na verdade, ocorreu o oposto. Os EUA estavam preocupados que a derrubada do regime pudesse criar mais instabilidade na região. Autoridades americanas declararam inicialmente que a “recusa contínua do regime de Assad em engajar-se no processo político delineado na Resolução 2254 do CSNU, e sua dependência da Rússia e do Irã, criaram as condições agora em curso, incluindo o colapso das linhas do regime de Assad no noroeste da Síria.”

Também declararam que não tinham “nada a ver com esta ofensiva, que é liderada por Hayat Tahrir al-Sham (HTS), uma organização designada como terrorista.” Após uma visita à Turquia, o secretário de Estado Antony Blinken pediu uma desescalada na Síria. Após a queda do regime, autoridades dos EUA declararam que manteriam sua presença no leste da Síria, com cerca de 900 soldados, e tomariam as medidas necessárias para evitar o ressurgimento do Estado Islâmico.

Por sua vez, autoridades israelenses declararam que o “colapso do regime de Assad provavelmente criaria um caos no qual ameaças militares contra Israel se desenvolveriam.” Além disso, Israel nunca realmente apoiou a derrubada do regime sírio desde a tentativa de revolução em 2011. Em julho de 2018, Netanyahu não se opôs a Assad retomar o controle do país e estabilizar seu poder.

Netanyahu afirmou que Israel apenas agiria contra ameaças percebidas, como as forças e a influência do Irã e do Hezbollah, explicando: “Não tivemos problemas com o regime de Assad. Por 40 anos, não foi disparado um único tiro nas Colinas de Golã.” Poucas horas após o anúncio da queda do regime, o exército de ocupação israelense tomou o controle do lado sírio do Monte Hermon, nas Colinas de Golã, para evitar que os rebeldes assumissem a área no domingo. Anteriormente, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu havia ordenado ao exército de ocupação israelense que “tomasse o controle” da zona de buffer nas Colinas de Golã e de “posições estratégicas adjacentes.”

Tempest: Muitos campistas vieram novamente em defesa de Assad, desta vez argumentando que uma derrota para Assad seria um revés para a luta pela libertação palestina. O que você acha desse argumento? O que isso significará para a Palestina?

JD: Sim, os campistas argumentaram que esta ofensiva militar é liderada por “Al-Qaeda e outros terroristas” e que se trata de um complô ocidental-imperialista contra o regime sírio para enfraquecer o chamado “Eixo da Resistência” liderado pelo Irã e pelo Hezbollah. Como este Eixo afirma apoiar os palestinos, os campistas alegam que a queda de Assad enfraquece o Eixo e, portanto, prejudica a luta pela libertação da Palestina.

Além de ignorarem qualquer protagonismo dos atores locais sírios, o principal problema com o argumento promovido pelos apoiadores do chamado “Eixo da Resistência” é a suposição de que a libertação da Palestina virá de cima, desses estados ou outras forças, independentemente de sua natureza reacionária e autoritária, e de suas políticas econômicas neoliberais. Essa estratégia falhou no passado e falhará novamente hoje. Na verdade, em vez de avançar a luta pela libertação da Palestina, os estados autoritários e despóticos do Oriente Médio, sejam eles alinhados com o Ocidente ou opostos a ele, repetidamente traíram os palestinos e até os reprimiram.

Além disso, os campistas ignoram o fato de que os principais objetivos do Irã e da Síria não são a libertação da Palestina, mas a preservação de seus estados e de seus interesses econômicos e geopolíticos. Eles priorizarão isso em relação à Palestina todas as vezes. A Síria, em particular, como Netanyahu deixou muito claro na citação que acabei de mencionar, não moveu um dedo contra Israel por décadas.

De sua parte, o Irã tem apoiado retoricamente a causa palestina e financiado o Hamas. Mas, desde 7 de outubro de 2023, seu objetivo principal tem sido melhorar sua posição na região para estar na melhor posição para futuras negociações políticas e econômicas com os EUA. O Irã deseja garantir seus interesses políticos e de segurança e, por isso, tem se esforçado para evitar qualquer guerra direta com Israel.

Seu principal objetivo geopolítico em relação aos palestinos não é libertá-los, mas usá-los como moeda de troca, especialmente em suas relações com os Estados Unidos. Da mesma forma, a resposta passiva do Irã ao assassinato de Nasrallah por Israel, à dizimação dos quadros do Hezbollah e à sua brutal guerra contra o Líbano demonstra que sua prioridade é proteger a si mesmo e seus interesses. O Irã não estava disposto a sacrificar isso para defender seu principal aliado não estatal.

Da mesma forma, o Irã provou ser, na melhor das hipóteses, um aliado instável do Hamas. Reduziu seu financiamento ao Hamas quando seus interesses não coincidiram. Cortou sua assistência financeira ao Hamas após a Revolução Síria em 2011, quando o movimento palestino se recusou a apoiar a repressão assassina do regime sírio contra os manifestantes.

No caso do regime sírio, o argumento contra seu suposto apoio à Palestina é inquestionável. Ele não defendeu a Palestina no último ano da guerra genocida de Israel. Apesar do bombardeio de Israel na Síria, antes e depois de 7 de outubro, o regime não respondeu. Isso está em linha com a política do regime desde 1974 de evitar qualquer confronto significativo e direto com Israel.

Além disso, o regime repetidamente reprimiu os palestinos na Síria, incluindo o assassinato de vários milhares desde 2011, destruindo o campo de refugiados de Yarmouk, em Damasco. Eles também atacaram o próprio movimento nacional palestino. Por exemplo, em 1976, Hafez al-Assad, pai de seu herdeiro e recém-deposto ditador Bashar al-Assad, interveio no Líbano e apoiou partidos libaneses de extrema-direita contra organizações palestinas e libanesas de esquerda.

Também realizou operações militares contra campos palestinos em Beirute em 1985 e 1986. Em 1990, aproximadamente 2.500 prisioneiros políticos palestinos foram detidos em prisões sírias.

Dada essa história, é um erro o movimento de solidariedade à Palestina defender e alinhar-se com estados imperialistas ou subimperialistas que colocam seus interesses à frente da solidariedade com a Palestina, competem por ganhos geopolíticos e exploram os trabalhadores e recursos de seus países. Claro, o imperialismo dos EUA continua sendo o principal inimigo da região, com sua história excepcional de guerra, pilhagem e dominação política.

Mas não faz sentido considerar potências regionais reacionárias e outros estados imperialistas, como Rússia ou China, como aliados da Palestina ou de seu movimento de solidariedade. Simplesmente não há evidências que sustentem essa posição. Escolher um imperialismo em detrimento de outro é garantir a estabilidade do sistema capitalista e a exploração das classes populares. Da mesma forma, apoiar regimes autoritários e despóticos na busca do objetivo de libertar a Palestina não é apenas moralmente errado, mas também se provou uma estratégia fracassada.

Em vez disso, o movimento de solidariedade à Palestina deve ver a libertação da Palestina como interligada não com os estados da região, mas com a libertação das classes populares. Estas se identificam com a Palestina e veem suas próprias lutas por democracia e igualdade intimamente ligadas à luta de libertação palestina. Quando os palestinos lutam, isso tende a desencadear o movimento regional por libertação, e esse movimento regional retroalimenta o da Palestina ocupada.

Essas lutas estão dialeticamente conectadas; são lutas mútuas por libertação coletiva. O ministro israelense de extrema-direita Avigdor Lieberman reconheceu o perigo que as revoltas populares regionais representavam para Israel em 2011, quando disse que a revolução egípcia que derrubou Hosni Mubarak e abriu caminho para um período de abertura democrática no país era uma ameaça maior para Israel do que o Irã.

Isso não significa negar o direito de resistência dos palestinos e libaneses às guerras brutais de Israel, mas entender que apenas a revolta unida das classes populares palestinas e regionais tem o poder de transformar todo o Oriente Médio e o Norte da África, derrubando regimes autoritários, expulsando os EUA e outras potências imperialistas. A solidariedade anti-imperialista internacional com a Palestina e com as classes populares da região é essencial, porque elas enfrentam não apenas Israel e os regimes reacionários do MENA, mas também seus apoiadores imperialistas.

A principal tarefa do movimento de solidariedade à Palestina, particularmente no Ocidente, é denunciar o papel cúmplice de nossas classes dominantes em apoiar não apenas o estado colonial-apartheid racista de Israel e sua guerra genocida contra os palestinos, mas também os ataques de Israel a outros países da região, como o Líbano. O movimento deve pressionar essas classes dominantes a romper qualquer relação política, econômica e militar com Tel Aviv.

Dessa forma, o movimento de solidariedade pode desafiar e enfraquecer o apoio internacional e regional a Israel, abrindo espaço para que os palestinos se libertem junto com as classes populares da região.

Tempest: A revolta dos rebeldes na Síria abrirá espaço para que forças progressistas renovem a luta revolucionária e ofereçam uma alternativa tanto ao regime quanto ao fundamentalismo islâmico?

JD: Não há respostas óbvias, apenas mais perguntas. Será possível a luta de base e a auto-organização nas áreas de onde o regime foi expulso? As organizações da sociedade civil (não restritas às ONGs, mas no sentido gramsciano de formações populares de massa fora do Estado) e as estruturas políticas alternativas com políticas democráticas e progressistas poderão se estabelecer, organizar e constituir uma alternativa política e social ao HTS e ao SNA? A dispersão das forças do HTS e do SNA permitirá espaço para organização local?

Estas são as questões-chave, na minha opinião, sem respostas claras. Observando as políticas do HTS e do SNA no passado, elas não incentivaram o desenvolvimento de um espaço democrático, mas exatamente o oposto. Têm sido autoritárias. Não se deve confiar em tais forças. Somente a auto-organização das classes populares lutando por demandas democráticas e progressistas criará esse espaço e abrirá um caminho para a verdadeira libertação. Isso dependerá de superar muitos obstáculos, desde o cansaço da guerra até a repressão, pobreza e desestruturação social.

O principal obstáculo tem sido, é e continuará sendo os atores autoritários, anteriormente o regime, mas agora muitas das forças de oposição, especialmente o HTS e o SNA. Seu domínio e os confrontos militares entre eles sufocaram o espaço para que forças democráticas e progressistas determinem seu futuro democraticamente. Mesmo nos espaços livres do controle do regime, ainda não vimos campanhas populares de resistência democrática e progressista. E, nas áreas curdas conquistadas pelo SNA, foram violados os direitos dos curdos, que sofreram repressão violenta e deslocamentos forçados em larga escala.

É preciso encarar o fato de que há uma ausência gritante de um bloco independente democrático e progressista capaz de organizar e se opor claramente tanto ao regime sírio quanto às forças fundamentalistas islâmicas. Construir esse bloco levará tempo. Ele terá que combinar lutas contra a autocracia, exploração e todas as formas de opressão. Será necessário levantar demandas por democracia, igualdade, autodeterminação curda e libertação das mulheres para construir solidariedade entre os explorados e oprimidos do país.

Para avançar tais demandas, esse bloco progressista precisará construir e reconstruir organizações populares, desde sindicatos a organizações feministas, comunitárias e estruturas nacionais para uni-las. Isso exigirá colaboração entre atores democráticos e progressistas em toda a sociedade.

Dito isso, há esperança. Embora a dinâmica principal tenha sido inicialmente militar e liderada pelo HTS e pelo SNA, nos últimos dias, vimos crescentes manifestações populares e pessoas saindo às ruas em todo o país. Elas não estão seguindo ordens do HTS, SNA ou de outros grupos armados de oposição. Há agora um espaço, com suas contradições e desafios, como mencionado acima, para os sírios tentarem reconstruir a resistência popular civil de base e estruturas alternativas de poder.

Além disso, uma das tarefas-chave será enfrentar a principal divisão étnica do país, entre árabes e curdos. As forças progressistas devem travar uma luta clara contra o chauvinismo árabe para superar essa divisão e forjar solidariedade entre essas populações. Esse desafio existe desde o início da revolução síria, em 2011, e precisará ser enfrentado e resolvido de maneira progressista para que o povo do país seja verdadeiramente libertado.

Há uma necessidade urgente de retornar às aspirações originais da Revolução Síria por democracia, justiça social e igualdade—de uma maneira que respeite a autodeterminação curda. Embora o PYD curdo possa ser criticado por seus erros e forma de governar, ele não é o principal obstáculo para a solidariedade entre curdos e árabes. Esse papel tem sido desempenhado pelas posições e políticas beligerantes e chauvinistas das forças de oposição árabes na Síria—começando com a Coalizão Nacional Síria dominada por árabes, seguida pela Coalizão Nacional de Forças Revolucionárias e de Oposição Sírias, os principais órgãos de oposição no exílio apoiados pelo Ocidente e por países da região, que tentaram liderar a Revolução Síria em seus primeiros anos—e, hoje, pelas duas forças militares-chave, o HTS e o SNA.

Nesse contexto, as forças progressistas devem buscar colaboração entre árabes e curdos sírios, incluindo a AANES. O projeto da AANES e suas instituições políticas representam grandes setores da população curda e a protegeram contra várias ameaças locais e externas.

Dito isso, a AANES também tem falhas e não deve ser apoiada de forma acrítica. O PYD e a AANES usaram força e repressão contra ativistas políticos e grupos que desafiavam seu poder. Também violaram os direitos humanos de civis. No entanto, alcançaram importantes conquistas, em particular o aumento da participação das mulheres em todos os níveis da sociedade, bem como a codificação de leis seculares e uma maior inclusão de minorias religiosas e étnicas. Porém, em questões socioeconômicas, não romperam com o capitalismo nem atenderam adequadamente às queixas das classes populares.

Quaisquer que sejam as críticas que os progressistas tenham ao PYD e à AANES, devemos rejeitar e nos opor às descrições chauvinistas árabes de que se tratam de um “diabo” ou de um projeto etnonacionalista “separatista”. Mas, ao rejeitar tal preconceito, também não devemos romantizar a AANES, como alguns anarquistas e esquerdistas ocidentais têm feito, representando-a erroneamente como uma nova forma de poder democrático de base.

Já houve alguma colaboração entre democratas e progressistas árabes sírios e a AANES e suas instituições, e isso deve ser ampliado. Mas, como em qualquer tipo de colaboração, isso não deve ser feito de forma acrítica.

Embora seja importante lembrar a todos que o regime de Bashar al-Assad e seus aliados são os principais responsáveis pelo massacre de centenas de milhares de civis, destruições em massa, empobrecimento profundo e a situação atual na Síria, o objetivo da revolução síria vai além do que o líder do HTS, al-Jolani, disse em sua entrevista à CNN. Não é apenas derrubar esse regime, mas construir uma sociedade caracterizada por democracia, igualdade e plenos direitos para os grupos oprimidos. Caso contrário, estaremos apenas substituindo um mal por outro.

Tempest: Qual será o impacto da queda do regime na região e nas potências imperiais? Qual posição a esquerda internacional deve adotar nessa situação?

JD: Após a queda do regime, o líder do HTS, al-Jolani, declarou que as instituições estatais sírias seriam supervisionadas pelo ex-primeiro-ministro do regime, Mohammed Jalali, até serem transferidas para um novo governo com plenos poderes executivos, após eleições, indicando esforços para garantir uma transição ordenada. O ministro das telecomunicações da Síria, Eyad al-Khatib, concordou em colaborar com os representantes do HTS para assegurar que as telecomunicações e a internet continuassem funcionando.

Esses são indícios claros de que o HTS pretende realizar uma transição controlada de poder para apaziguar temores externos, estabelecer contatos com potências regionais e internacionais e ganhar reconhecimento como uma força legítima com quem se pode negociar. Um obstáculo para essa normalização é o fato de o HTS ainda ser considerado uma organização terrorista, enquanto a Síria permanece sob sanções.

Espera-se, no entanto, um período de instabilidade no país. Em Damasco, no dia seguinte à queda do regime, foi possível observar certo caos nas ruas; por exemplo, o banco central foi saqueado.

Ainda é difícil prever qual será o impacto da queda do regime nas potências regionais e imperiais. Para os EUA e os países ocidentais, o principal objetivo agora é o controle de danos, para evitar que o caos se estenda pela região. Os estados regionais claramente não estão satisfeitos com a situação atual, já que vinham promovendo um processo de normalização com o regime nos últimos anos. No caso da Turquia, seu principal objetivo será consolidar seu poder e influência na Síria e eliminar a administração liderada pelos curdos (AANES) no nordeste. O principal diplomata turco afirmou, no domingo, que o estado turco estava em contato com rebeldes na Síria para garantir que o Estado Islâmico e, especificamente, o “PKK” não aproveitassem a queda do regime de Damasco para expandir sua influência. Um impacto adicional a ser considerado é o enfraquecimento da influência regional do Irã e, consequentemente, do Hezbollah no Líbano.

As diferentes potências têm, no entanto, um objetivo comum: impor uma forma de estabilidade autoritária na Síria e na região. Isso, é claro, não significa unidade entre as potências regionais e imperiais. Cada uma tem seus próprios interesses, frequentemente antagônicos, mas nenhuma quer a desestabilização do Oriente Médio e do Norte da África, especialmente qualquer tipo de instabilidade que interrompa o fluxo de petróleo para o capitalismo global.

A esquerda internacional não deve se alinhar com os remanescentes do regime ou com as forças locais, regionais e internacionais de contrarrevolução. Pelo contrário, a bússola política dos revolucionários deve ser o princípio da solidariedade com lutas populares e progressistas de base. Isso significa apoiar grupos e indivíduos que organizam e lutam por uma Síria progressista e inclusiva, além de construir solidariedade entre eles e as classes populares da região.

Em meio a um momento volátil na Síria, no Oriente Médio e no Norte da África, devemos evitar as armadilhas gêmeas da romantização e do derrotismo. Em vez disso, devemos buscar uma estratégia de solidariedade internacional crítica e progressista entre as forças populares da região e do mundo. Esta é a tarefa e a responsabilidade crucial da esquerda, especialmente nestes tempos tão complexos.

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