Revista Casa Marx

Ideias comunistas para impedir a catástrofe ambiental e construir um mundo novo

Rosa Linh

Gabriela Mueller

O Brasil atravessa uma crise histórica, um cenário de destruição natural sem precedentes. As redes sociais estão sendo invadidas de imagens sobre a catástrofe climática e o fim do mundo. Cidades foram destruídas por enchentes no início do ano, biomas estão sendo devastados, os rios secando, e agora cidades inteiras são tomadas por “chuva negra”, a fumaça tóxica torna o ar irrespirável. O sentimento de angústia é inevitável frente a situação, e o que a burguesia quer nos vender é a mais profunda resignação e ceticismo, tendo como pano de fundo as eleições municipais, marcadas por um profundo consenso extrativista: enquanto a extrema-direita, com Pablo Marçal e Nunes em São Paulo, esbraveja negacionismo e está disposta a expandir a fronteira agrícola junto do agronegócio, as saídas de capitalismo verde da frente ampla do governo Lula-Alckmin e Boulos do PSOL vendem ilusões, fortalecem o agronegócio com o maior Plano Safra da história. Frente a isso, qual o papel da juventude e da classe trabalhadora? Resignar-se diante do fim do mundo ou levantar-se com a moral da juventude que internacionalmente conquista seu direito à sindicalização nos EUA, que ocupa suas universidades contra o genocídio em Gaza, que toma as ruas de Bangladesh contra os ataques dos governos?

A análise concreta da situação concreta

Depois da catástrofe capitalista que destruiu o Rio Grande do Sul com as enchentes, o país atravessa a pior seca da histórica desde 1944 em pelo menos 16 estados, o que se superpõe com a onda de incêndios florestais, inúmeros deles com causa criminosa na sanha do agronegócio de “limpar” as áreas para cultivo e também fazer avançar a fronteira agrícola floresta adentro. Fica nítido para a juventude e a classe trabalhadora que não existe Planeta B, que o aquecimento global não é um problema para o futuro e a crise ambiental não acontece gradativamente, mas aos saltos. É necessário desnudar quem são os responsáveis por isso e como as medidas paliativas e cosméticas, por dentro do estado burguês são absolutamente e cada vez mais inócuas, colocando-se com urgência uma saída radical e de ruptura anticapitalista.

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Os dados mostram como a situação é crítica. No que tange especificamente a onda de incêndios, segundo a CNN, cerca de 10 milhões de pessoas – o que a própria Folha de São Paulo chamou de um número conservador – foram impactadas diretamente pelas queimadas, isto é, perdendo suas casas, saúde e até mesmo suas vidas. O Mapbiomas afirma que o país perdeu “uma Paraíba” nos incêndios apenas no mês de agosto. Lucas Ferrante, doutor em biologia e pesquisador da USP, afirmou que a Floresta Amazônica se tornou o principal emissor de gases de efeito estufa do mundo na última semana. Os dados do satélite Copernicus mostram uma mancha de fogo com mais de 500 quilômetros de extensão e mais de 400 quilômetros de largura avançando sobre a região. Os incêndios se alastram também pelo Chaco paraguaio, o pantanal boliviano e chegam até a Argentina.

O Rio Madeira, que corta Rondônia, e o Rio Solimões no Amazonas atingiram o menor nível da história. O índice de devastação da Amazônia subiu para 132% se comparado com agosto do ano passado, de acordo com o IPAM. Já foram 685.829 hectares de florestas nativas devastadas pelo fogo. As Florestas Públicas Não Destinadas (FPNDs), que são o principal alvo de grilagem na Amazônia, tiveram o maior aumento de incêndios entre as categorias fundiárias, 175%. As FPNDs representaram 16% de toda a área queimada no bioma neste período. O Bioma Amazônia está cada vez mais reduzido e fragmentado, assim como sua importância na regulação climática atacada, o que pode gerar consequências globais ainda imprevisíveis. A tendência a secas extremas, tanto na Amazônia quanto fora dela aumentam, ao passo que tempestades em outras regiões como no Sul passam a ser “o novo padrão”. Os dados do Cemaden também demonstram como há uma tendência crescente de secas prolongadas e mais fortes ao longo das últimas décadas.

Pantanal, até o dia 02 de setembro, havia perdido 2,5 milhões de hectares para o fogo, segundo a nota técnica do Mapbiomas, sendo que no primeiro semestre de 2024 as queimadas aumentaram 529% em relação a anos anteriores. O Pantanal é a maior área úmida continental do planeta, e foi o bioma brasileiro que mais secou em 2023, a superfície de água apresentou uma redução de 67% em relação à média histórica. Entre os anos de 2018 a 2023 observa-se uma ausência de pico de cheia. De 1985 a 2023, 8,9 mi de hectares foram queimados, correspondendo a 59% do Bioma, e as queimadas estão mais intensas e reincidentes desde de 2020, dificultando a recuperação do bioma e chegando a áreas que antes eram permanentemente alagadas, como o entorno do rio Paraguai. Nesse ano não houve pico de cheia e as queimadas criminosas feitas pelo agronegócio começaram antes, assim as áreas alagadas estão sumindo e se transformando em pasto. Outro dado relevante é que 95% das queimadas no Pantanal estão ocorrendo em propriedade privada.

Cerrado vive a pior seca em 700 anos. Os focos de incêndios, 54.298 até agora, já ultrapassaram o somatório total de todo o ano passado, além de ter sido o bioma campeão em desmatamento em 2023. Entre janeiro e agosto de 2024, o fogo consumiu 4 milhões de hectares de mata, sendo 79% de vegetação nativa, de acordo com o Monitor do Fogo do Mapbiomas. A expansão da pecuária é responsável por cerca de 67% do desmatamento, além de contarmos com uma degradação em terras indígenas e quilombolas aumentando em mais de 650% em comparação com 2022. O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros teve cerca de 10 mil hectares consumidos pelo fogo, resultado direto de sua privatização. O Cerrado é considerado o berço das águas do país, o avanço da fronteira agrícola compromete suas nascentes, promove o assoreamento e contamina os aquíferos.

Enquanto isso, a mídia burguesa bombardeia sua ideologia. Expressão disso é a coluna do climatologista Carlos Nobre, intitulada “Mundo pode não ter mais volta, e isso me apavora”. Como o cientista afirma, o mundo está vendo uma aceleração do aquecimento global além do previsto, sendo que desde junho de 2023 estamos vendo um aumento de temperatura de 1,5ºC, o que tem um impacto substancial nas ondas de calor e de frio extremos, secas severas, catástrofes e incêndios avassaladores. Pensando nos cenários possíveis, se o planeta vier a atingir um aumento de 2,5ºC na temperatura média global, marcaria-se um ponto de não retorno superior ao marco das grandes eras glaciais, no qual a Floresta Amazônica se transformaria em um grande deserto. Se o cenário mais alarmante se concretizar, com um aumento de 5ºC, diretamente continentes inteiros se tornarão inabitáveis, colocando as condições de vida da espécie humana em níveis passíveis de extinção. No entanto, a saída que o autor defende, diante do medo do futuro, é que a diplomacia ambiental global promova “medidas mais duras”.

Se fôssemos depender dos governos imperialistas e dos capitalistas e suas promessas vãs, o que nos restaria é a falência de todos os nossos sonhos. Essa é a estreiteza do imaginário vendida pela ideologia burguesa. “O capitalismo destroi o planeta, destruamos o capitalismo” ou “não mude o clima, mude o sistema” são algumas das frases que ficaram populares com o ressurgimento do movimento ambientalista internacional nas Greves Globais pelo Clima a partir de 2019, questionando a política ambiental das potências imperialistas por meio das Cúpulas do Clima da ONU. Não por acaso, desde o Protocolo de Kyoto de 1997 – que nem o imperialismo dos EUA, nem a burguesia reacionária da China aderiram – até o Acordo de Paris em 2015, o que vimos não foi uma diminuição da emissão de gases de efeito estufa. Pelo contrário, os dados demonstram como 50% das emissões globais desde a revolução industrial estão localizadas nos últimos 30 anos, justamente na ofensiva da globalização neoliberal. Se por um lado o negacionismo da extrema-direita quer radicalizar a exploração natural e levar cada vez mais ao limite as condições da biosfera, o ecocapitalismo não passa de uma utopia reacionária.

Com esse quadro geral em mente, dentro da esquerda e das vertentes ecossocialistas temos setores, por exemplo, de tendências catastrofistas, que enxergam apenas a impossibilidade, que a biosfera já chegou no ponto de não retorno e seria muito difícil transformar a realidade no atual estágio de consciência dos trabalhadores e setores populares. Não é incomum que, nesse caso, diante do medo da extrema-direita e a radicalização da crise, opte-se pelas políticas do mal-menor e da conciliação de classes para “mitigar e adaptar” as consequências do inevitável fim do mundo. Além disso, ainda que a situação seja de fato alarmante, e podemos afirmar que o avanço da devastação dos biomas já está provocando mudanças substanciais, o fato é que a situação ainda pode ser revertida e há tecnologia e ciência disponíveis para isso – algo que só será resolvido na luta de classes.

Outros setores, por outro lado, abraçam a lógica simplista do aceleracionismo: quanto pior, melhor. Conforme a catástrofe ficar mais insuportável, o que virá é necessariamente a revolução. Portanto, todo o trabalho da construção de uma alternativa independente dos governos e patrões, a disputa pela consciência dos explorados e oprimidos para que rompam com suas ilusões em seus dominadores de classe, tudo isso é abstraído. Claro que as crises podem fomentar o ódio de classe a organização política, no entanto não existe vazio político – a catástrofe também pode abrir espaço para saídas ainda mais à direita e radicalizadas. Por vezes, também caem no canto da sereia do mal menor.

Ambas visões partem de uma concepção teleológica da história, isto é, retiram da equação a ação humana positiva na transformação dos rumos dos acontecimentos, assumindo um fatalismo inexorável e incontornável. O marxismo, por outro lado, advoga não apenas por uma interpretação do mundo particular, mas pela transformação dele radicalmente, para que a classe trabalhadora e o conjunto dos oprimidos tomem a história em suas mãos e mudem as regras do jogo, colocando toda a ciência e tecnologia à disposição das maiorias trabalhadoras e populares, radicalizando o combate ao aquecimento global, batalhando para que se estabeleça todas as medidas necessárias de mitigação e adaptação ao aquecimento global, mas passe diretamente a uma perspectiva profunda de transição ecológica e socialista, em ruptura com o capitalismo. Afinal, a história do mundo até os dias de hoje não é nada mais, nada menos do que a história da luta de classes, querendo ou não os céticos de plantão. Revoluções irão eclodir. A questão é se estaremos preparados para fazê-la triunfar.

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Em toda guerra, é preciso saber quem é o inimigo

O professor emérito da Universidade Estadual do Arizona, Stephen Pyne cunhou o conceito de “piroceno” para definir a era geológica atual, marcada pela queima descontrolada de combustíveis fósseis e os grandes incêndios, promovendo condições semelhantes aos eventos de grande extinção características das Eras do Gelo. Por outro lado, Paul Crutzen, nobel de Química, popularizou o termo “antropoceno”, demarcando uma época geológica caracterizada pelo impacto humano na biosfera. Ambas denominações partem de constatar a incidência humana na crise ambiental e suas tendências nefastas, contudo abstraem o fundamento dessa relação: o modo de produção capitalista. Nesse sentido, o ativista e escritor sueco marxista Andreas Malm cunhou a nomenclatura “capitaloceno”, mostrando como o “capital fóssil”, fazendo referência à essa fração da burguesia que lucra com a extração, comercialização e queima desses combustíveis, foi fundamental para a constituição do aquecimento global – fenômeno que, longe de ser “humano” em abstrato, possui, antes de tudo, um conteúdo de classe. Da mesma forma, Jason Moore sintetiza: “(o capitaloceno) entende o capitalismo como uma maneira de organizar a natureza – como uma ecologia-mundo multiespécie, situada e capitalista”.

Karl Marx, em seu pensamento ecológico radical, parte de estabelecer que o que precisa ser entendido historicamente não é a unidade entre ser humano e natureza, mas sim sua separação. Nos Grundrisse, o revolucionário comunista demonstra que a base da ruptura do metabolismo entre ser humano e natureza está calcado, em primeiro lugar, na dissolução da relação do ser humano com a natureza na posse da terra, na expropriação dos camponeses; em segundo lugar, na dissolução das relações em que o trabalhador é proprietário de seus instrumentos de trabalho, a separação entre trabalhador e ferramentas e meios de trabalho; em terceiro lugar, a dissolução da relação de propriedade sobre os meios de subsistência, de tudo que ele e ela precisam para sobreviver, na separação entre a esfera da produção e da reprodução social; por último, a dissolução da capacidade do trabalho como parte direta da produção, ou seja, o capitalismo não se apropria do trabalhador em si mesmo como no modo de produção escravista, mas da força de trabalho – o proletário é obrigado a vender sua força de trabalho em troca de manter sua existência. Esses são os contornos fundamentais da alienação do trabalho e da natureza. A propriedade das terras, das indústrias, dos bancos, dos meios de comunicação agora pertencem a uma classe dominante, a classe dos capitalistas, uma ínfima minoria que vive do trabalho alheio, em que suas distintas frações utilizam do Estado como seu balcão de negócios. Isto é, a base de seu lucro está na exploração do trabalho de uma imensa maioria de trabalhadores que fazem tudo acontecer, do roubo de seu tempo de vida, o que é legalizado e garantido, mesmo que à força, pelo Estado. O trabalho como mediação fundamental do ser humano com a natureza é organizado de forma privada, por isso a natureza só é preservada pelo capitalista enquanto esta for útil para a valorização do valor, para a acumulação de capital. Na medida em que suas forças naturais se esgotam, ou se vê uma oportunidade para aumentar os lucros, dá se lugar a espoliação, o roubo e a destruição. Não por acaso em O Capital, Marx parte de definir todo um conjunto de espoliação e violência colonial internacional que pavimentou o surgimento do modo de produção capitalista e como isso está ligado com uma perspectiva ecológica do socialismo. A unidade diferenciada entre ser humano e natureza é, nesse sentido, fraturada pelo modo de produção capitalista.

Hoje, temos esses personagens demagogos da extrema-direita como Javier Milei, em outra medida também o próprio Pablo Marçal, combinando a retórica do empreendedorismo e do individualismo extremo diante da degradação social, o trabalho precário e o desemprego. O neoliberalismo deixou uma marca profunda na consciência da classe trabalhadora, de que o “socialismo real” foi uma experiência fracassada e o único horizonte possível é o capitalismo. Por isso, a catástrofe climática é um problema, assim como o sucesso profissional, individual. Nisso se retomam as mais antigas concepções de “natureza humana”, individualista e maléfica por essência, o homo homini lupus de Thomas Hobbes. Quem destroi a natureza “é o ser humano”, dizem eles ao lado dos ecocapitalistas. A única fronteira possível para contornar a questão, portanto, é a doutrina do choque econômico neoliberal, do laissez-faire ilimitado da propriedade privada contra a natureza e as condições de vida e trabalho das massas. A “mão invisível” do mercado de Adam Smith, mediante a liberdade de mercado, seria a forma de organização social que possibilitaria dar vazão para o self-interest dos indivíduos, do empreendedorismo, alcançando maior inovação e menores preços, visto que cada indivíduo, atuando em seu próprio interesse e sem a intervenção estatal em seus assuntos econômicos, tenderia a promover o bem público e a felicidade, mesmo que essa não fosse a intenção inicial.

Mas, como bem sustenta Karl Marx, as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante. Assim como o meio ambiente e todas as coisas existentes, a natureza humana é mutável e plástica. As ideias surgem a partir da forma como se produz e reproduz a vida em sociedade. Contudo, essas formas particulares de sociabilidade não flutuam no vácuo, possuem lastro, em nossa época, de classe. Por isso, a mística neoliberal não resiste a um mínimo exame: assim como no capitalismo a classe dominante precisa explorar mais e mais a força de trabalho, ela precisa também espoliar a natureza para seu próprio benefício. A única conclusão possível aqui é que o modo de produção capitalista é, por excelência, insustentável ecológica e humanamente. A única “liberdade” que os Milei, Marçal, Bolsonaro, Nunes e cia. defendem é a liberdade de explorar sem pudor a classe trabalhadora. O despotismo e a anarquia da produção capitalista não gera um bem-estar geral, mas uma “felicidade” privada a um punhado de parasitas. Ao mesmo tempo, a “mão invisível” é também cega às necessidades e limites naturais – onde há espaço para a acumulação, há um capitalista disposto a destruir e espoliar, “uma oportunidade de empreender”.

Parafraseando o general prussiano Carl von Clausewitz, em toda guerra, se se quer alcançar a vitória, é preciso saber quem é o inimigo. Os marxistas dizem claramente: a burguesia, tanto a imperialista e as nacionais, os Estados burgueses e seus governos. Sem uma definição desse tipo, é impossível empreender qualquer luta minimamente séria que supere a dinâmica da mera resistência e passe para uma contra-ofensiva revolucionária.

Para as teorias decoloniais e ditos pós-marxistas, a “solução”, portanto, ao sabor da perspectiva de “adiar o fim do mundo”, estaria em recuperar as tecnologias ancestrais em contraposição ao ocidente capitalista, na medida em que a catástrofe nos assola. Mas não basta uma “viragem epistemológica”, no terreno das ideias e dos costumes, dentro do horizonte político neoliberal e burguês, apartado da luta real.

Andreas Malm suscita uma ideia instigante: seria possível que o aquecimento global gerasse revoluções? Somos empurrados a pensar na velha fórmula “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, mas é tarefa dos revolucionários comunistas, como diria Leon Trótski, no calor dos tempos revolucionários de 1917, “realizar um esforço apaixonado para sacudir aqueles que estão entorpecidos pela rotina; fazer com que abram os olhos e vejam aquilo que se aproxima”. Não podemos partilhar a perspectiva de “adiar o fim do mundo”, o que deve estar em discussão é como impedi-lo, e quais as formas superiores de sociedade podem ser construídas.

Brasil: a questão ecológica entre o imperialismo e a classe operária

Fica claro, portanto, que a crise climática em curso é fruto da irracionalidade capitalista que utiliza a natureza como recurso para maximizar as margens de lucro. Essa lógica que prioriza o lucro acima da vida e reduz tudo ao redor ao valor de troca é própria da ruptura metabólica que Marx cunhou. O capitalismo, assim como cinde o ser humano dos seus meios de produção, cinde o ser humano da natureza, separando cidade e campo, interrompendo o processo natural de ciclagem de nutrientes, como se o mundo natural fosse externo ao ser humano. Daí vem o uso irracional e predatório de todos os recursos naturais, como se fossem infinitos em um planeta finito. Está ligada à exploração da natureza a exploração do trabalho, pois, à medida que se aprofundam os meios de extrair gratuitamente a matéria prima natural, aprofunda-se a degradação das condições de vida da classe trabalhadora e a necessidade de produzir cada vez mais para sobreviver.

Quando se analisa o Brasil, a relação entre capitalismo e destruição da natureza é ainda mais evidente. A burguesia nacional se desenvolveu no campo, a colonização constituiu um modo de produção particular que misturava relações de trabalho escravistas e o mercantilismo capitalista, passando pela extração predatório do pau-brasil com exploração de mão de obra indígena, passando pelo plantio de cana de açúcar e extração de ouro pelas mãos de negros escravizados; os senhores de engenho e escravos se tornaram os barões do café e depois os latifundiários e grandes industriais, empregando o trabalho assalariado. Esse é o retrato de um Brasil em que a burguesia nacional se alça espremida entre o temor da luta negra e a pressão internacional para que o país fique de joelhos aos interesses do imperialismo. Nesse sentido, a elite brasileira se assenta sobre bases escravocratas, anti-indígenas e latifundiárias. O papel do país na Divisão Internacional do Trabalho é de ser agrário-exportador, tendo a soja como carro chefe das exportações, ao custo da devastação de toda a área verde imaginável dentro do território nacional, “passando a boiada” sobre biomas, territórios indígenas e quilombolas.

O governo Bolsonaro aprofundou descaradamente sua sanha em beneficiar o agro com milhões de reais em subsídios, avançando com o desmatamento e contra povos indígenas com o Marco Temporal. Hoje, o governo Lula-Alckmin dá sequência à herança bolsonarista de devastação natural, posando ao lado da elite nacional do agronegócio e do extrativismo, oferecendo o maior Plano Safra da história para esses setores e dando aval para extrair petróleo na foz do Amazonas, quando diversos especialistas alertam para o crime ambiental que isso significaria. Para os latifundiários, bilhões, para a classe trabalhadora e a juventude que sustenta o país, fumaça tóxica e enchente. A lógica do consenso extrativista perpassa o conjunto do regime brasileiro, fortalecendo diariamente as bases sociais e materiais da extrema-direita,o governo de frente ampla e o Estado são também responsáveis pelo nível de destruição ambiental em curso e que sinaliza para as massas inconformadas com a catástrofe climática que o teto de suas aspirações são leis de fiscalização e acordos internacionais cosméticos, que sequer são cumpridos.

Não é possível aceitar o rebaixamento das aspirações que o Estado capitalista, representado hoje na figura do governo Lula-Alckmin tenta impor, o que vai no sentido de acabar com qualquer ímpeto radical que questione mais a fundo os limites do sistema capitalista, e que se combina a preservação dos interesses dos empresários e patrões que lucram com a destruição da natureza e o aprofundamento da exploração do trabalho. É preciso apostar em uma saída revolucionária, acionando os freios de emergência para que o planeta não atinja um estado irreversível de degradação. Nessa perspectiva, enfrentar o conformismo que busca acomodar soluções parciais de “resiliência climática” dentro de um capitalismo cada vez mais contraditório com a existência das grandes maiorias e da natureza é urgente. Durante o ano de 2024 houve processos de luta fundamentais que apontam um caminho de mobilização para enfrentar a sede de lucro capitalista, tais como a greve dos servidores técnicos federais, dos servidores do IBAMA, do ICMBio, do INSS, todas com duas características em comum de se enfrentarem com os limites do arcabouço fiscal de Haddad e de serem atacadas ou até mesmo declaradas ilegais pelo governo. Por isso, o único caminho possível é confiar na força da mobilização, sem dar um voto de confiança no governo e no regime para reverter a crise climática avançando por uma reforma agrária radical contra todo o latifúndio, recompondo biomas e ecossistemas e lutando pela demarcação de terras indígenas e quilombolas. Isso precisa se combinar com uma batalha por uma transição energética, contra o uso de combustíveis fósseis e do fracking, em uma perspectiva transitória para que os trabalhadores guiem essa mudança com uma economia planificada em favor de fornecer melhores condições de vida para as maiorias, contra o lucro das minorias.

As vestes poeirentas de nossos dias, cabe a ti, juventude, sacudi-las

De certa forma, o avanço da crise climática é parte dos elementos que atualizam as tendências atuais do que Lênin chamou de era de crises, guerras e revoluções, expondo os frágeis limites do sistema capitalista de acomodar suas contradições incompatíveis com a vida humana. Se é certo que as crises econômicas e sociais se desenrolam sem solução e guerras como o conflito armado na Ucrânia e o genocídio em Gaza se estendem, é, também, certo, que revoltas estouram em diferentes partes do mundo como sintoma social de questionamento dos limites dessa época. Ao contrário do que quer propagandear a burguesia por seu interesse em seguir com sua sanha de lucro, com seus filmes distópicos de fim de mundo e suas soluções cosméticas para os problemas que cria onde a juventude ocupa um lugar conformista, internacionalmente a geração de jovens trabalhadores dá demonstrações de que não aceita abaixar a cabeça para os patrões.

Temos a geração U nos Estados Unidos que batalhou por seu direito à sindicalização e contra a violência policial no Black Lives Matter, as mulheres e meninas que batalharam pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito na Argentina, os estudantes europeus e estaudinenses que ocupam suas universidades em repúdio ao genocídio em Gaza, os jovens de Bagladesh que tomaram as ruas do país contra os ataques do governo, assim como fizeram os franceses em 2023, contra a reforma da previdência. Essa é a enorme moral da classe trabalhadora e da juventude que não teme em abaixar suas bandeiras, que questiona a irracionalidade capitalista contra a exploração do trabalho, a jornada 6 por 1, que questiona a guerra e que toma em suas mãos o futuro da humanidade. Não há motivos para temer o fim do mundo quando a juventude e a classe trabalhadora mostra que é plenamente capaz de colocar um ponto final no sistema capitalista que engendra cada vez mais degradação.

Em tempos nos quais a burguesia e o discurso reformista não se cansam de apontar para a miséria do possível, para a resiliência (continuar resistindo a destruição até o precipício), a grande questão no século XXI é como preparar as condições para que se abra espaço para a construção de uma nova sociedade. Essa é a tarefa colocada para a juventude hoje, o que passa pela organização em cada local de trabalho e estudo e construção de um partido revolucionário para fazer frente aos desafios que exige um processo de destruição do sistema. Conforme Marx colocou n’O 18 Brumário de Luís Bonaparte, “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado; os homens agem e fazem seu mundo determinados pelas condições materiais deste próprio mundo, o mundo real. De acordo com o mundo em que vivem, assim serão os homens”.

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