Revista Casa Marx

A libertação palestina e a revolução permanente

Jimena Vergara

Decifrar coletivamente o rumo que deve tomar a luta pela libertação palestina é uma tarefa vital no momento atual tanto para as massas árabes em Gaza e toda a região, quanto para o movimento contra o genocídio em vários países imperialistas, em particular os Estados Unidos. Nesse caminho, é necessário entender as enormes forças sociais que atuam sobre a luta pela libertação palestina e que transformaram essa região do mundo árabe em um dos epicentros da crise global na qual nos encontramos, que não é outra coisa senão a renovada crise do imperialismo mundial. A tragédia palestina concentra historicamente as consequências mais cruéis da decadência imperialista em sua manifestação sionista, por um lado, e por outro, de baixo, a voz rebelde dos explorados e oprimidos do mundo que se sentem representados pelas heroicas massas palestinas que resistem ao imperialismo, ao racismo e ao colonialismo. Israel representa, a nível internacional, a monstruosa ultradireita internacional que é inimiga da classe trabalhadora e de todos os oprimidos do mundo, desde a Argentina até os Estados Unidos. A libertação palestina é do interesse de toda a classe trabalhadora e dos oprimidos a nível global. Encontrar um caminho vitorioso para a emancipação dos palestinos requer entender como essas colossais forças sociais — internacionais, regionais e locais — estão colidindo e que dinâmica de classe está se expressando no contexto do genocídio em Gaza. Isso com o objetivo de construir uma estratégia para a libertação palestina que saiba identificar amigos e inimigos, estabelecendo uma ponte entre a urgente autodeterminação do povo palestino e a revolução socialista na região. Uma estratégia que permita e promova a unidade das massas árabes desde o Magreb até a Síria para se livrarem do jugo imperialista, do jugo de suas próprias burguesias e governos autoritários, e que impulsione setores do proletariado israelense a romperem com o sionismo e a agenda colonial de seu próprio Estado. Do nosso ponto de vista, essa conexão, entre a luta pela autodeterminação palestina e a luta pelo socialismo na região, está inequivocamente inscrita teoricamente nos fundamentos da revolução permanente de León Trótski 1. Foi talvez o trotskista palestino Jabra Nicola quem mais sistematicamente tentou dar fundamentos teóricos à revolução permanente na Palestina, analisando o caráter do Estado sionista de Israel a partir de uma perspectiva de classe e anti-imperialista e a dinâmica regional de classes para visibilizar o potencial revolucionário do proletariado árabe dos países da região. Como disse Josefina Martinez: Trótski apontou na época que a Teoria da Revolução Permanente reúne três séries de ideias. Em primeiro lugar, a transição da revolução democrática para a socialista. Em segundo lugar, tudo o que se refere à revolução como tal, ou seja, ao período de transição entre o capitalismo e o socialismo, onde as “revoluções da economia, da técnica, da ciência, da família, dos costumes, se desenvolvem em uma complexa ação recíproca que não permite à sociedade alcançar o equilíbrio”. Finalmente, o terceiro aspecto é o caráter internacional da revolução socialista. E é justamente na interação dessas três dimensões que essa teoria adquire hoje enorme atualidade. No presente artigo queremos demonstrar a vigência e atualidade dessa série de ideias para pensar a libertação da Palestina, apoiando-nos nas elaborações de León Trótski, Jabra Nicola e historiadores como Illan Pappé, Ussama Makdisi, Ran Greenstein, Zachary Lockman, Gabriel Godorezky e Pierre Broué. Nosso objetivo não é repetir os fundamentos da Teoria da Revolução Permanente como dogma e aplicá-los à complexa realidade regional, mas colocá-los em movimento à luz da história recente e da situação atual na Palestina no contexto da crise do imperialismo mundial. Faremos isso navegando pelas três séries de ideias que Martinez identifica como o “núcleo duro” da Teoria da Revolução Permanente, recuperando aspectos fundamentais da história palestina no concerto global e a história das ideias e programas da esquerda revolucionária, em contraste com as ideias das lideranças que têm estado à frente da causa palestina, cuja vasta maioria se recusou a vislumbrar um futuro socialista para a Palestina em particular e para o proletariado árabe em geral. A Palestina não era uma terra deserta Como explica o historiador israelense Illan Pappé, a Palestina era tudo, menos uma terra deserta antes da Nakba de 1948: Era uma parte florescente de Bilad al-Sham (a terra do norte), ou o Levante de seu tempo. Ao mesmo tempo, uma rica indústria agrícola, pequenos povoados e cidades históricas atendiam a uma população de meio milhão de pessoas às vésperas da chegada dos sionistas. No final do século XIX, essa população nada desprezível contava com um pequeno percentual de judeus. A grande maioria dos palestinos, como em muitos outros países do chamado “sul global”, era camponesa, organizada em aldeias de até 1.000 habitantes. As nascentes cidades atraíam as elites educadas que tendiam a se localizar na costa e na serra e, cada vez mais, a penetração imperialista ia forjando lentamente nas cidades um novo, muito jovem e pouco desenvolvido proletariado palestino, sobretudo no início do século XX. Segundo um arquivo histórico do Império Otomano citado por Pappé, “não se sabe ao certo o percentual exato de judeus antes do surgimento do sionismo. No entanto, provavelmente oscilava entre 2 e 5 por cento. Segundo os registros otomanos, em 1878 residia uma população total de 462.465 pessoas no que hoje é Israel/Palestina. Deste número, 403.795 (87%) eram muçulmanos, 43.659 (10%) eram cristãos e 15.011 (3%) judeus”. Antes do mandato britânico, o Império Otomano avançava em direção a uma concepção mais explicitamente racista de sua própria dominação e do próprio Império, adotando e impulsionando, a partir de meados e finais do século XIX, a ideia de que otomanismo e turquismo eram equiparáveis, as elites acomodadas e educadas na Palestina começaram a se questionar sobre sua própria identidade nacional. Como o historiador Ussama Makdisi demonstra em seu ensaio intitulado Orientalismo Otomano, a intelectualidade a serviço do Império Otomano desenvolveu um sistema de hierarquia racial para diferenciar “os membros turcos do império de outros grupos étnicos”, incluindo os árabes em geral e os palestinos em particular. Neste contexto, os…

Decifrar coletivamente o rumo que deve tomar a luta pela libertação palestina é uma tarefa vital no momento atual tanto para as massas árabes em Gaza e toda a região, quanto para o movimento contra o genocídio em vários países imperialistas, em particular os Estados Unidos.

Nesse caminho, é necessário entender as enormes forças sociais que atuam sobre a luta pela libertação palestina e que transformaram essa região do mundo árabe em um dos epicentros da crise global na qual nos encontramos, que não é outra coisa senão a renovada crise do imperialismo mundial. A tragédia palestina concentra historicamente as consequências mais cruéis da decadência imperialista em sua manifestação sionista, por um lado, e por outro, de baixo, a voz rebelde dos explorados e oprimidos do mundo que se sentem representados pelas heroicas massas palestinas que resistem ao imperialismo, ao racismo e ao colonialismo. Israel representa, a nível internacional, a monstruosa ultradireita internacional que é inimiga da classe trabalhadora e de todos os oprimidos do mundo, desde a Argentina até os Estados Unidos. A libertação palestina é do interesse de toda a classe trabalhadora e dos oprimidos a nível global.

Encontrar um caminho vitorioso para a emancipação dos palestinos requer entender como essas colossais forças sociais — internacionais, regionais e locais — estão colidindo e que dinâmica de classe está se expressando no contexto do genocídio em Gaza. Isso com o objetivo de construir uma estratégia para a libertação palestina que saiba identificar amigos e inimigos, estabelecendo uma ponte entre a urgente autodeterminação do povo palestino e a revolução socialista na região. Uma estratégia que permita e promova a unidade das massas árabes desde o Magreb até a Síria para se livrarem do jugo imperialista, do jugo de suas próprias burguesias e governos autoritários, e que impulsione setores do proletariado israelense a romperem com o sionismo e a agenda colonial de seu próprio Estado.

Do nosso ponto de vista, essa conexão, entre a luta pela autodeterminação palestina e a luta pelo socialismo na região, está inequivocamente inscrita teoricamente nos fundamentos da revolução permanente de León Trótski 1. Foi talvez o trotskista palestino Jabra Nicola quem mais sistematicamente tentou dar fundamentos teóricos à revolução permanente na Palestina, analisando o caráter do Estado sionista de Israel a partir de uma perspectiva de classe e anti-imperialista e a dinâmica regional de classes para visibilizar o potencial revolucionário do proletariado árabe dos países da região.

Como disse Josefina Martinez:

Trótski apontou na época que a Teoria da Revolução Permanente reúne três séries de ideias. Em primeiro lugar, a transição da revolução democrática para a socialista. Em segundo lugar, tudo o que se refere à revolução como tal, ou seja, ao período de transição entre o capitalismo e o socialismo, onde as “revoluções da economia, da técnica, da ciência, da família, dos costumes, se desenvolvem em uma complexa ação recíproca que não permite à sociedade alcançar o equilíbrio”. Finalmente, o terceiro aspecto é o caráter internacional da revolução socialista. E é justamente na interação dessas três dimensões que essa teoria adquire hoje enorme atualidade.

No presente artigo queremos demonstrar a vigência e atualidade dessa série de ideias para pensar a libertação da Palestina, apoiando-nos nas elaborações de León Trótski, Jabra Nicola e historiadores como Illan Pappé, Ussama Makdisi, Ran Greenstein, Zachary Lockman, Gabriel Godorezky e Pierre Broué. Nosso objetivo não é repetir os fundamentos da Teoria da Revolução Permanente como dogma e aplicá-los à complexa realidade regional, mas colocá-los em movimento à luz da história recente e da situação atual na Palestina no contexto da crise do imperialismo mundial. Faremos isso navegando pelas três séries de ideias que Martinez identifica como o “núcleo duro” da Teoria da Revolução Permanente, recuperando aspectos fundamentais da história palestina no concerto global e a história das ideias e programas da esquerda revolucionária, em contraste com as ideias das lideranças que têm estado à frente da causa palestina, cuja vasta maioria se recusou a vislumbrar um futuro socialista para a Palestina em particular e para o proletariado árabe em geral.

A Palestina não era uma terra deserta

Como explica o historiador israelense Illan Pappé, a Palestina era tudo, menos uma terra deserta antes da Nakba de 1948:

Era uma parte florescente de Bilad al-Sham (a terra do norte), ou o Levante de seu tempo. Ao mesmo tempo, uma rica indústria agrícola, pequenos povoados e cidades históricas atendiam a uma população de meio milhão de pessoas às vésperas da chegada dos sionistas.

No final do século XIX, essa população nada desprezível contava com um pequeno percentual de judeus. A grande maioria dos palestinos, como em muitos outros países do chamado “sul global”, era camponesa, organizada em aldeias de até 1.000 habitantes. As nascentes cidades atraíam as elites educadas que tendiam a se localizar na costa e na serra e, cada vez mais, a penetração imperialista ia forjando lentamente nas cidades um novo, muito jovem e pouco desenvolvido proletariado palestino, sobretudo no início do século XX.

Segundo um arquivo histórico do Império Otomano citado por Pappé, “não se sabe ao certo o percentual exato de judeus antes do surgimento do sionismo. No entanto, provavelmente oscilava entre 2 e 5 por cento. Segundo os registros otomanos, em 1878 residia uma população total de 462.465 pessoas no que hoje é Israel/Palestina. Deste número, 403.795 (87%) eram muçulmanos, 43.659 (10%) eram cristãos e 15.011 (3%) judeus”.

Antes do mandato britânico, o Império Otomano avançava em direção a uma concepção mais explicitamente racista de sua própria dominação e do próprio Império, adotando e impulsionando, a partir de meados e finais do século XIX, a ideia de que otomanismo e turquismo eram equiparáveis, as elites acomodadas e educadas na Palestina começaram a se questionar sobre sua própria identidade nacional.

Como o historiador Ussama Makdisi demonstra em seu ensaio intitulado Orientalismo Otomano, a intelectualidade a serviço do Império Otomano desenvolveu um sistema de hierarquia racial para diferenciar “os membros turcos do império de outros grupos étnicos”, incluindo os árabes em geral e os palestinos em particular.

Neste contexto, os sentimentos nacionalistas se espalhavam pela Palestina, também fomentados por um poderoso conceito que estava remodelando a geopolítica sob a influência das revoluções burguesas e a reorganização das antigas colônias: a nação.

Durante a Primeira Guerra Mundial, os britânicos incentivaram as lutas dos povos do Oriente Médio contra a opressão do Império Otomano para enfraquecer a influência otomana na região e garantir melhores posições para o imperialismo britânico. Parte dessa política consistia em fazer promessas aos povos árabes de que obteriam autodeterminação após se livrarem do controle do Império Otomano. Isso inflamou os sentimentos nacionalistas em toda a região. Enquanto isso, a Grã-Bretanha estava negociando um acordo secreto com a França e outras potências mundiais sobre como dividir o Império Otomano após a guerra, colocando os povos da região sob o controle de novos opressores imperialistas.

Essas ideias incipientes de autodeterminação nacional não se desenvolveram nem se materializaram porque, após a queda do Império Otomano, os britânicos assumiram o controle da Palestina, em um momento em que a Inglaterra tinha uma influência crucial na política da região e era a potência imperial mais proeminente depois da França. Tanto a Inglaterra quanto a França, além de terem interesses estratégicos sobre a Palestina, tinham fortes vínculos com o sionismo de seus próprios países.

A intervenção imperialista nas três primeiras décadas do século XX foi fundamental para moldar uma complexa estrutura social na Palestina, que Jabra Nicola compreendeu filosoficamente, como aponta o historiador Enzo Dal Fitto:

Entre 1917 e 1939, as condições de desenvolvimento econômico foram profundamente impactadas pelo desenvolvimento da economia do setor sionista no Mandato Palestino, destruindo assim o feudalismo árabe e impedindo o desenvolvimento de uma burguesia capitalista, à custa do estancamento do desenvolvimento histórico e de um esgotamento da vitalidade histórica das forças anti-imperialistas.

Em 1917, quando a Inglaterra ainda não havia tomado controle sequer do território palestino, o secretário de relações exteriores inglês, Arthur Balfour, escreveu uma carta oficial em nome do governo britânico ao líder sionista na Inglaterra, Walter Rothschild, concedendo-lhe território palestino para ser ocupado pela diáspora judaica.

Em 1918, enquanto o governo britânico renegociava as fronteiras do território com as potências internacionais e a Sociedade das Nações, criando um espaço geográfico mais definido, o imperialismo inglês começou a questionar quem deveria governar a Palestina: os palestinos nativos ou os novos colonos judeus? Segundo Pappé, foram os britânicos que, remodelando as fronteiras da Palestina, ajudaram os sionistas a conceituar geograficamente “Eretz Israel”, a Terra de Israel, onde apenas os judeus teriam direito à terra e seus recursos.

No final do século XIX e início do século XX, a Palestina não era uma terra vazia como diz Illan Pappé contra a história oficial israelense, mas mais ainda, a Palestina era uma terra em disputa. Uma disputa histórica cujos agentes centrais eram os velhos poderes coloniais com aspirações imperialistas renovadas, tentando reorganizar o mundo à sua imagem e semelhança, e a espada de Dâmocles sobre suas cabeças com novos poderes emergindo. A Primeira Guerra Mundial foi um sangrento ensaio geral do que seria a Segunda neste processo de reorganização.

A ideia de colonizar a Palestina, proposta pelos sionistas, foi intencionalmente instrumentalizada e apoiada materialmente pelo imperialismo britânico. Mesmo assim, a Inglaterra estava em decadência, mas a importância estratégica da região era crucial para qualquer desenvolvimento imperialista “ocidental” no Oriente Médio.

A administração britânica da Palestina foi formalizada pela Sociedade das Nações em 1923 como parte da partilha do Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial. Os palestinos desenvolveram uma forte resistência contra a opressão britânica durante os anos de domínio inglês, especialmente de 1929 a 1939, com a classe operária árabe à frente da Greve Geral de 1936, exigindo melhorias nas condições de trabalho e independência nacional.

Durante esse período de intensa luta de classes, conhecido como a “Grande Revolta Árabe”, as massas camponesas também desempenharam um papel no campo, organizando-se contra a crescente usurpação de terras por parte dos colonos judeus e dos britânicos. Como narrou o historiador Zachary Lockman em Camaradas e Inimigos:

Em 15 de abril de 1936, membros do grupo guerrilheiro fundado por Shaykh ’Izz al-Din al-Qassam atacaram carros e ônibus perto de Nablus, matando dois passageiros judeus. Dois dias depois, um grupo paramilitar judeu de direita retaliou, matando dois árabes. Os protestos árabes logo estouraram por todo o país, adquirindo gradualmente o caráter de um levante popular antissionista e anticolonial de ampla base. Para conter a violência e canalizar o levante de baixo para cima, os ativistas nacionalistas árabes convocaram rapidamente uma greve geral em todo o país. A greve se espalhou rapidamente, assim como os novos “comitês nacionais” que surgiram para dirigir a luta nas principais cidades. A greve geral durou seis meses, até outubro de 1936, tornando-se uma das greves gerais mais longas da história. Constituiu a primeira etapa de uma revolta nacionalista árabe em todo o país, tanto contra o domínio britânico quanto contra o sionismo, que não terminaria até o verão de 1939.

A participação do proletariado palestino na revolta árabe é talvez um dos capítulos mais combativos da história do movimento operário na região. Como diz o próprio Zachary Lockman:

A maioria dos segmentos da população árabe urbana da Palestina participou da greve geral, e os trabalhadores urbanos desempenharam um papel fundamental. O sindicato de motoristas de Hasan Sidqi al-Dajani paralisou o transporte árabe por estrada e os trabalhadores do porto de Jaffa fecharam o porto de Jaffa. Para manter a greve, os comitês nacionais arrecadaram doações de palestinos ricos e de simpatizantes de países vizinhos, e distribuíram o pagamento da greve aos desempregados pela greve, incluindo os trabalhadores portuários de Jaffa.

A revolta árabe foi derrotada pela repressão e pela ação consciente da liderança dos sindicatos judeus, liderada pela federação Histadrut, que trabalhava para o sionismo, defendendo a ocupação.

Por outro lado, a liderança da revolta recaiu nas famílias palestinas abastadas, anteriormente proprietárias de terras que, embora tenham perdido suas terras para os britânicos e os sionistas, receberam consideráveis pagamentos e enormes benefícios do sionismo para formar as classes abastadas palestinas do sistema de domínio colonial. São essas famílias que geriram durante as décadas anteriores a dominação otomana e depois britânica, completamente afastadas dos sofrimentos das massas, cujo principal partido político era o Partido Árabe-Palestino, liderado por Abd al-Zadir al-Husayni. Como Enzo Dal Fitto aponta no artigo já citado, sobre as lideranças palestinas da “grande revolta árabe”:

Devido ao fato de que sua riqueza provinha da presença sionista, sua oposição foi apenas superficial e atrasaram o surgimento de uma consciência antissionista árabe e demoraram a denunciar a Declaração Balfour. Oprimidos pela resistência de Al-Qassam e pelos ecos da grande greve geral síria que estimulou a resistência árabe, envolveram-se na “Grande Revolta Árabe” de 1936: desenvolveu-se um movimento grevista massivo, acompanhado de atos de desobediência civil (greve fiscal) e a formação de milícias populares insurrecionais. No entanto, o movimento foi decapitado pelas forças coloniais britânicas, apoiadas pelas milícias sionistas, enquanto a imigração judaica aumentava devido à crescente virulência do fascismo europeu, à ascensão de Hitler ao poder e aos numerosos pogroms na Europa Oriental e à afirmação de um antissemitismo europeu orgânico. Consequentemente, o fechamento da economia árabe permitiu que a economia do setor sionista se fortalecesse e expandisse sua influência enquanto era apoiada pela afluência cada vez maior de capital judeu da Europa.

Como resposta ao levante, os britânicos criaram a Comissão Peel com um programa muito concreto: recomendar a partição em um Estado árabe e um Estado judeu com o objetivo preventivo também de evitar a todo custo que a luta de classes unificasse os dois proletariados contra o imperialismo britânico e o sionismo.

Diante da iminência da Segunda Guerra Mundial, as políticas britânicas foram influenciadas pelo desejo de obter um maior controle da região através dos novos colonos judeus e de um possível Estado judeu, e para evitar um levante árabe às vésperas da conflagração mundial, quando a Grã-Bretanha precisava do apoio dos governos regionais.

O destino da Palestina já estava selado ao devir da Segunda Guerra Mundial, que definiria em última instância e diante da derrota da revolução socialista internacional, a forma e o caráter de seu novo opressor.

O movimento comunista palestino

A Revolução Russa de 1917 fez crescer exponencialmente o movimento comunista internacional, atraindo milhares de trabalhadores e jovens radicalizados para as ideias da revolução a nível internacional e nutrindo por centenas e até milhares os novos partidos comunistas. Em 1919, a instâncias da direção do Partido Bolchevique, foi fundada a Terceira Internacional Comunista.

Desde 1920, a Terceira Internacional sob a direção de Lênin e Trótski tomou com toda seriedade e diligência as lutas anticoloniais e pela libertação nacional. Em suas Teses sobre a questão nacional e colonial de 1920, Lênin declarou a necessidade de que os partidos comunistas em todo o mundo apoiassem “com fatos, os movimentos revolucionários de libertação nesses países (coloniais)”. Este apoio ativo aos movimentos de libertação nacional, segundo Lênin, deveria combinar “uma luta incondicional… contra a influência reacionária e medieval do clero, das missões cristãs e elementos similares”, contra o pan-islamismo e “correntes similares que tentam vincular a luta de libertação contra o imperialismo europeu e americano a forças reacionárias locais”. Nestas teses, a Terceira Internacional denunciou o sionismo como um instrumento do imperialismo britânico para explorar e oprimir as massas árabes e palestinas.

Em 1920, os bolcheviques organizaram no Azerbaijão, o chamado Congresso dos Povos de Baku no âmbito do segundo congresso da Internacional Comunista com 2850 delegados do Irã, Egito, Palestina, Turquia, Índia e outros países. Embora não se tenha as atas deste congresso, sabe-se através da pesquisa do historiador Pierre Broué que a reunião “chama os povos do Oriente a lutar por sua libertação enquanto o Exército Vermelho se colocará numa luta anticolonial contra o imperialismo francês, inglês, americano”.

Segundo o historiador Ran Greenstain, o congresso declarou que o imperialismo britânico estava agindo em benefício dos capitalistas sionistas e abrindo uma brecha entre árabes e judeus, pois estava expulsando “os árabes da terra para dá-la aos colonos judeus; depois, tentando apaziguar o descontentamento dos árabes, os incitou contra esses mesmos colonos judeus, semeando discórdia, inimizade e ódio entre todas as comunidades, enfraquecendo ambas para que não possam governar e mandar por si mesmas”.

De conjunto, como também verifica Ran Greenstain, a posição geral do Congresso foi se opor incondicionalmente ao domínio britânico sobre a Palestina, condenar o sionismo e denunciar as forças árabes e judias que colaboravam com o imperialismo. O Congresso dos Povos de Baku serviu como alavanca para a fundação de novos partidos comunistas na Turquia, Irã, Egito, Índia e Palestina.

O Partido Comunista Palestino foi fundado em 1924, em sua maioria por ativistas e intelectuais judeus antissionistas cuja orientação estratégica – baseada nos três primeiros congressos da Internacional Comunista – era trabalhar contra o imperialismo britânico, o sionismo e pela unidade dos trabalhadores árabes e judeus em um contexto no qual as tensões da ocupação sionista começavam a afetar o ânimo das massas árabes e as direções nacionalistas palestinas começavam a ter uma atitude cada vez mais hostil em relação aos trabalhadores e intelectuais judeus.

Apesar de o partido contar com o arsenal político da Terceira Internacional a respeito da questão colonial e da questão palestina em geral, a realidade é que esse arsenal ainda era limitado para os enormes problemas da libertação palestina sob o jugo britânico e a crescente colonização sionista 2.

A orientação do novo partido era imatura por um lado e, por outro, ressentiu indiretamente os efeitos da luta política interna durante a década de 1920 entre a oposição de esquerda e a crescente burocracia soviética liderada por Stalin.

O Partido Comunista da Palestina surgiu sobretudo por iniciativa de judeus antissionistas que abraçaram as ideias revolucionárias inspiradas pela Revolução Russa. Nos seus primórdios, o partido tinha importante presença entre a juventude radicalizada judia, mas pouca inserção entre as massas árabes palestinas. O partido começou um tortuoso processo de “arabização” no final da década de 1920, sugerido sobretudo pela Internacional Comunista em processo de estalinização.

Naquele momento, os militantes judeus antissionistas do partido tendiam a adaptar-se aos preconceitos pró-sionistas da periferia judaica da organização que, embora rejeitasse o sionismo em palavras, defendia cada vez mais os assentamentos judaicos conhecidos como Yishuv como comunidades legítimas que “poderiam continuar crescendo devido à imigração” e que deveriam opor-se ao mandato britânico. Isso ocorreu no contexto de uma das mais importantes ondas migratórias de judeus para a Palestina antes da Nakba, composta por milhares de judeus fugindo do crescente antissemitismo na Europa e sob o patrocínio da Inglaterra e da burguesia sionista, que tinham sua própria agenda colonial.

Ao mesmo tempo, em toda a região, havia grande agitação entre as massas árabes camponesas e, na Palestina em particular, revoltas espontâneas começaram a acontecer em diversas localidades rurais contra a colonização judaica.

A arabização do partido, que poderia ter tido um conteúdo revolucionário baseado na necessidade de que os revolucionários ganhassem influência sobre a vanguarda árabe e os processos de revolta no campo, acabou se convertendo em uma política a serviço da política de “frente única anti-imperialista” que o estalinismo aplicou na revolução chinesa de 1927, fazendo alianças políticas com as direções burguesas ou pequeno-burguesas que estavam enfrentando o imperialismo com consequências catastróficas.

Durante a década de 1920, surgiram no mundo colonial e semicolonial direções nacionalistas e populistas de todo tipo que, em muitos casos, estiveram na crista da onda das lutas anti-imperialistas. Como explica Juan Dal Maso a propósito do nacionalismo na América Latina:

Foi um lugar-comum de todas as correntes nacionalistas e populistas latino-americanas, a reivindicação de uma aliança entre a classe trabalhadora e as burguesias “nacionais” em função das tarefas de emancipação do imperialismo e da resolução da questão agrária, ou seja, dar a terra aos camponeses. Nos anos 1920, essa posição se apresentava, como no caso do aprismo, como uma aliança derivada da impossibilidade de que a classe trabalhadora, dado o escasso desenvolvimento industrial autóctone, pudesse elevar-se a classe dirigente e dominante (…) Crescentemente, essas direções contrapunham a luta contra o imperialismo, que só estavam dispostas a realizar de forma parcial e restrita, à luta pela revolução operária.

O pano de fundo teórico dessa política reside na concepção que Joseph Stalin tinha sobre as lutas de libertação nacional, que se tornou hegemônica na Internacional Comunista à medida que avançava o processo de burocratização da União Soviética, e que contrariava os princípios sobre os quais se fundou a Terceira Internacional no que diz respeito à questão colonial.

Em linhas gerais, para Stalin, as lutas de libertação nacional das colônias tinham um caráter burguês completamente separado da revolução socialista e só poderiam se concretizar no marco do Estado capitalista e da democracia burguesa, tal como a conhecemos hoje, que é como qualquer socialdemocrata pensa quando reflete sobre a luta pela libertação nacional.

Sob essa lógica, essas lutas de libertação nacional só poderiam culminar com a criação de um novo Estado-nação capitalista e, portanto, é um setor da burguesia nacional que as lidera ou, na ausência de um setor burguês, uma direção pequeno-burguesa com um programa que não altera as relações capitalistas. Com a arabização do partido, o objetivo do stalinismo não era ganhar maior organicidade entre as massas árabes para direcioná-las à revolução, mas sim fazer acordos oportunistas com as lideranças nacionalistas árabes e os Estados árabes “anti-imperialistas”.

No período de 1924 a 1930, o jovem Partido Comunista Palestino cedeu às pressões nacionalistas vindas das lideranças árabes contra a dominação britânica e sionista crescente, por um lado, e aos sentimentos incipientes de nacionalismo da juventude e da intelectualidade judaica radicalizada que não iam até o fim em sua ruptura com o sionismo, por outro.

Em 1929, as tensões criadas pela dominação colonial e a crescente migração sionista explodiram em confrontos em todo o país, como prólogo às grandes ações operárias que descrevemos acima e à “Grande Revolta Árabe”. Ran Greenfield descreve o resultado das diferenças sob a pressão da luta de classes e da crescente agitação árabe:

“Com isso, o Partido foi forçado a mudar sua orientação em relação à população árabe. O crescente conflito nacional no país, particularmente a revolta árabe de 1936-39, gerou tensões entre seus membros, levando à formação de uma “seção judaica” autônoma em 1937. Com o fim da revolta, a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a invasão da União Soviética pela Alemanha em 1941, os soviéticos avançaram na direção oposta, em direção ao reconhecimento dos direitos judeus no país. Isso alienou os intelectuais e ativistas árabes que se aproximaram do Partido durante a década de 1930, quando este se colocou ao lado da luta nacional árabe. As tensões nacionalistas se refletiram dentro do Partido, em condições nas quais o Partido falava com cada comunidade em sua própria linguagem política e apelava a ela em termos de seus sentimentos nacionais.”

O stalinismo foi ainda mais longe ao apoiar a colonização judaica. Em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas votou pela criação do Estado de Israel com o entusiástico apoio da União Soviética e dos imperialismos britânico e americano.

Como o stalinismo passou de recomendar a arabização do Partido Comunista Palestino e apoiar acriticamente as lideranças nacionalistas árabes a pactuar com os grandes poderes imperialistas a colonização em larga escala da Palestina? Como afirma o historiador Gabriel Gorodetsky:

“A postura soviética é especialmente surpreendente se levarmos em conta a constante atitude negativa do regime em relação ao sionismo e a linha abertamente pró-árabe adotada pelo Kremlin durante as revoltas árabes de 1929 e 1936, nas quais denunciava o Yishuv como aliado e instrumento do imperialismo britânico. A mudança de atitude soviética, que passou de um flagrante antagonismo ao sionismo para um efusivo apoio, está frequentemente associada ao ataque alemão à União Soviética em 21 de junho de 1941. Argumenta-se que os laços estabelecidos por Moscou tanto com o judaísmo mundial quanto com o Yishuv na Palestina refletiam, em primeiro lugar, a necessidade de obter o apoio da comunidade judaica mundial ao esforço de guerra russo. Sugere-se que a guerra proporcionou aos russos novas oportunidades para “encontrar um caminho para amplos círculos do mundo ocidental, a fim de obter o máximo apoio para sua luta contra a Alemanha nazista”.

Em resumo, o stalinismo aplicou localmente na Palestina a lógica de que a luta pela libertação nacional era algo separado e dissociado historicamente da revolução socialista, o que não era outra coisa senão uma política de conciliação de classes. No âmbito internacional e diante da dinâmica da Segunda Guerra Mundial – diante da ruptura de Hitler do pacto que havia assinado com Stalin –, a burocracia soviética deu um giro de 180 graus, justificado pela “defesa da União Soviética”, para pactuar com o imperialismo a segurança de sua zona de influência em troca de evitar a expansão da revolução mundial, sob a justificativa da teoria do socialismo em um só país desenvolvida por Stalin. A teoria do socialismo em um só país é, em essência, a negação do internacionalismo proletário.

A opressão palestina está tatuada na pele do imperialismo mundial

O imperialismo é uma nova época do capitalismo que organiza e governa a ordem mundial contemporânea, onde o poder (econômico, político, militar, ideológico) recai e se concentra nas mãos de corporações representadas e defendidas por seus Estados nacionais imperialistas para explorar as pessoas, a terra e saquear a natureza em casa e no resto do mundo em prol do lucro e da reprodução do capital. Como Esteban Mercatante diz em O imperialismo em tempos de desordem mundial sobre o imperialismo contemporâneo:

“A competição e o conflito – potencial ou efetivo – entre os países imperialistas, e a exploração do planeta inteiro realizada por empresas transnacionais e finanças globais são duas dimensões que, longe de se oporem ou se separarem, devem ser abordadas de maneira integrada como parte de uma compreensão do imperialismo contemporâneo. Acreditamos que ambas as dimensões devem ser consideradas em conjunto para elaborar uma teoria do imperialismo que explique como a economia mundial hoje é moldada como uma totalidade hierarquizada, como resultado da ação articulada do capital global e dos Estados mais poderosos.”

O imperialismo não é um sistema, mas sim uma época, e isso é importante porque significa que está historicamente determinado e emergiu como consequência de processos em desenvolvimento, em sua evolução. Podemos dizer que este período histórico começou no início do século XX. Tomamos essa definição de Lênin, o líder do partido bolchevique russo e da Revolução russa. É uma época completamente reacionária do capitalismo no sentido de que o mesmo não tem outra coisa a oferecer senão crises, guerras e revoluções.

A Primeira Guerra Mundial de 1914-1918 foi a primeira grande expressão das tensões marcadas pelas características básicas do imperialismo, como a fusão de capitais industriais e bancários no capital financeiro, a necessidade compulsiva da exportação constante de capital, a divisão de países com força política e econômica desigual em países imperialistas como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha ou França e colônias e semicolônias que são saqueadas pelas corporações imperialistas e oprimidas pelos governos imperialistas de várias formas.

A Segunda Guerra Mundial foi, em muitos aspectos, a continuação da Primeira. A Inglaterra havia perdido sua influência hegemônica em todo o mundo e alguns países imperialistas tentavam emergir como um novo hegemônico, entre eles os Estados Unidos e a Alemanha nazista.

A história oficial sempre quis apresentar a Segunda Guerra como um confronto entre democracia e fascismo e uma luta contra o nazismo antissemita, mas na realidade foi uma carnificina entre os principais poderes do mundo para facilitar a emergência de uma nova hegemonia, reorganizar os mercados e disciplinar a classe trabalhadora internacional com o poder das armas de destruição em massa. Trótski, homenageando Lênin em “Lênin e a guerra imperialista”, definiu o imperialismo da seguinte maneira:

“O imperialismo camufla seus próprios objetivos peculiares – apoderar-se de colônias, mercados, fontes de matérias-primas, esferas de influência – com ideias como “salvaguardar a paz contra os agressores”, “defesa da pátria”, “defesa da democracia”, etc. Essas ideias são falsas até o âmago. O dever de todo socialista é não apoiá-las, mas, pelo contrário, desmascará-las perante o povo. As frases sobre a defesa da pátria nos países imperialistas, repelir a invasão do inimigo, conduzir uma guerra defensiva, etc., são, de ambos os lados, um completo engano ao povo. “Durante décadas”, explicou Lênin, “três bandidos (a burguesia e os governos da Inglaterra, Rússia e França) se armaram para saquear a Alemanha. Não é surpreendente que os dois bandidos (Alemanha e Áustria-Hungria) tenham lançado um ataque antes que os três bandidos conseguissem obter as novas facas que haviam pedido?”.

Como é sabido, após o término da Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1945 – no mesmo mês e ano em que os Estados Unidos destruíram Hiroshima e Nagasaki e assassinaram 226.000 inocentes de uma só vez com a bomba atômica – o presidente Truman solicitou a admissão de 100.000 sobreviventes do holocausto na Palestina, demonstrando que – graças aos resultados da Segunda Guerra Mundial -, o imperialismo estadunidense retomaria a tarefa deixada pelos britânicos em decadência e intensificaria o projeto de criação de um Estado judeu.

Em 1947, as Nações Unidas concederam 56% da terra ao Estado judeu proposto, apesar de os judeus possuírem apenas cerca de 7% das terras privadas da Palestina. A Nakba foi justificada com a ideia de que os objetivos do imperialismo estadunidense eram reparar o povo judeu de um holocausto que na realidade foi permitido pelos próprios Estados Unidos enquanto faziam negócios lucrativos com os nazistas até o ataque a Pearl Harbor. Ou seja, os Estados Unidos justificaram sua inação e indiferença contra o extermínio judeu financiando e dirigindo a expulsão violenta de aproximadamente três quartos da população palestina de suas casas e terras pelas milícias sionistas e pelo novo exército israelense durante a criação do Estado de Israel entre 1947 e 1949.

O Estado sionista é uma criação artificial do imperialismo desde seus primórdios que, em um casamento sustentado, reproduzem e executam uma forma específica – historicamente falando – de colonialismo de colonos com métodos genocidas e de limpeza étnica que é o aberrante produto do século de dominação sob a pax americana. O Estado sionista é um monstro imperialista apenas possível na ordem mundial que facilitou sua expansão colonial.

León Trótski tinha dois prognósticos diferentes em relação à Segunda Guerra Mundial. Ou a revolução do proletariado tinha a oportunidade de transformar a carnificina imperialista em uma revolução socialista internacional ou “o regime burguês sai impune da guerra”. Se a revolução proletária avançasse, isso evitaria a decomposição de suas direções como o estalinismo. Como explicam Emilio Albamonte e Matías Maiello no artigo “Nos limites da restauração burguesa”:

O resultado da Segunda Guerra foi tal que nenhuma dessas duas variantes ocorreu de forma pura: nem o imperialismo saiu impune, pois após a guerra a burguesia foi expropriada em um terço do planeta, nem a conquista do poder pelo proletariado fez com que desaparecessem as condições de degeneração. A derrota do nazismo nas mãos do Exército Vermelho reabilitou o estalinismo, que por sua vez se baseou neste elemento para conter a revolução no pós-guerra (acordos de Yalta e Potsdam). Teve sucesso nos países centrais traindo a revolução na França, Itália e Grécia, mas não conseguiu contê-la nas colônias e semicolônias.

Trótski, líder da oposição de esquerda e na época dirigente do surgimento da IV Internacional, acompanhou de perto os eventos que precederam a guerra imperialista.

O surgimento do fascismo e do nazismo nos anos 30 estava intimamente ligado ao desenvolvimento e crescimento das burguesias italiana e alemã, que posteriormente impactaram a monarquia espanhola e as classes proprietárias nativas. No final da década de 30, Francisco Franco avançava sobre a república espanhola com o objetivo primordial de desbaratar sangrentamente a revolta operária e camponesa que havia começado a realizar uma redistribuição radical de terras no campo e experiências de controle operário nas cidades com milícias operárias e camponesas defendendo os insurgentes. A Revolução espanhola foi tão intensa e abriu tantas oportunidades para a classe trabalhadora espanhola e mundial que Trótski a qualificou como a última via para deter a Segunda Guerra Mundial.

A criação do Estado de Israel ocorre no contexto imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, no qual os Estados Unidos emergem como a principal potência para liderar a nova ordem global. No entanto, o domínio estadunidense se estabelece sobre importantes contradições, pois a União Soviética também sai fortalecida, não pelo mérito da burocracia stalinista, mas pelo poder do exército vermelho, o exército proletário que varreu os nazistas no cruel inverno russo.

É sob esta nova ordem mundial que os Estados Unidos, com a cumplicidade das Nações Unidas e o aval do estalinismo, impõem artificialmente o Estado de Israel como um enclave de seus interesses políticos e militares. A Nakba não é apenas o evento histórico que encapsula o caráter colonial do sionismo, mas a expressão profunda da expansão e consolidação dos interesses estadunidenses no Oriente Médio.

Neste contexto, setores do movimento de solidariedade com a Palestina que defendem a política dos dois Estados omitem este aspecto na gênese do Estado sionista, cuja existência é contraditória com a emancipação dos palestinos e dos judeus. Não há Estado de Israel sem despossessão de terras, expulsão de comunidades inteiras e limpeza étnica baseada em um exército mortífero e grupos de colonos paramilitares. Não há Estado de Israel sem imperialismo.

Jabra Nicola e a revolução permanente na Palestina

Jabra Nicola nasceu em Haifa em 1912. Ele se juntou ao Partido Comunista Palestino no início dos anos 30, com pouco mais de 20 anos. Desde muito cedo, ele criticou as políticas do estalinismo e se aproximou politicamente dos pequenos círculos trotskistas dissidentes que continuavam trabalhando dentro do partido sob as bandeiras da oposição de esquerda, para depois se juntar à Liga Comunista Revolucionária e à Quarta Internacional por instigação do trotskista judeu Tony Cliff em 1940.
Após sua integração à Quarta Internacional, Nicola empreendeu a tarefa teórica de compreender o drama palestino sob a ótica da lei do desenvolvimento desigual e da teoria da revolução permanente, como resposta estratégica aos desafios da revolução árabe.

Na introdução à sua obra mais importante – lamentavelmente inconclusa – “Nação árabe e modo de produção asiático”, Nicola descreveu a estrutura social do Oriente Médio como resultado do choque do desenvolvimento de tendências históricas intrínsecas com descomunais forças exógenas como consequência da brutal penetração imperialista e da colonização sionista no caso particular da Palestina:

“A sociedade árabe atual, em todo o Oriente, atravessa uma crise política e social. Às vezes é atribuída à derrota de 1967. Mas é óbvio que existia e se desenvolvia muito antes dessa guerra, que na verdade foi apenas um sintoma dela. A derrota não fez mais do que aprofundá-la, aguçá-la e destacá-la mais. Não é apenas uma crise econômica, uma crise de países subdesenvolvidos lutando para encontrar um caminho para o desenvolvimento econômico, nem simplesmente a crise política de um país mais ou menos dominado pelo imperialismo, enfrentando a ameaça permanente de um vizinho colonialista e expansionista, criado graças ao imperialismo que ainda o mantém e o apoia financeira e militarmente para que possa ser um chicote contra os países que tentariam se levantar contra ele; é principalmente uma crise social que tem suas raízes no processo de desenvolvimento desses países. Não é apenas uma crise econômica do subdesenvolvimento ou uma crise política, é uma crise social global, um produto histórico não apenas resultado das particularidades econômicas, políticas, sociais e culturais herdadas da sociedade árabe tradicional, mas também, até certo ponto, em grande medida, produto de suas antigas e ainda existentes relações com os países capitalistas avançados. Esta crise é a expressão da contradição entre as bases econômicas e sociais e as superestruturas estrangeiras que lhe são impostas.”

É a partir do entendimento da relação existente entre a aguda dominação imperialista sobre o mundo árabe – que no caso palestino se combina com a dominação colonial de Israel como enclave imperialista – e a fraqueza e dependência das burguesias regionais que Nicola chega à conclusão de que a libertação palestina e árabe do jugo do imperialismo e do sionismo não pode ser realizada no contexto de uma revolução democrático-burguesa ou de uma “revolução nacional” simplesmente porque as classes dominantes locais são extremamente dependentes ou extremamente fracas diante do imperialismo. Para Nicola, o sujeito da libertação nacional palestina é a classe trabalhadora árabe, em aliança com os camponeses. Em suas “Teses sobre a revolução no Oriente Médio”, ele argumenta:

“A revolução no Oriente Médio não pode ser uma revolução “democrática” burguesa ou nacional, mas apenas proletária e socialista. Só é possível como revolução permanente. Sem a conquista do poder pela classe trabalhadora apoiada pelo campesinato pobre e a implementação de medidas socialistas, nem as tarefas democráticas nacionais nem a rápida industrialização podem ser alcançadas para satisfazer as urgentes necessidades econômicas das massas.”

Embora em toda a obra de Nicola seja possível ver uma clara tentativa de articular a libertação palestina com a revolução socialista no mundo árabe, demonstrando um entendimento profundo da potencialmente poderosa unidade do proletariado árabe – além das fronteiras nacionais impostas pelo imperialismo –, também podemos observar um esforço muito sério para compreender a excepcionalidade da situação palestina.

Assim como a penetração imperialista no Oriente Médio criou estruturas sociais complexas resultantes do desenvolvimento desigual e combinado, a sociedade palestina – sua estrutura socioeconômica – foi moldada pelo colonialismo dos colonos do Estado de Israel. Nicola escreveu em “Revolução árabe e problemas nacionais no Oriente árabe”:

“A sociedade sionista emergente confrontou-se com as diversas classes da sociedade árabe palestina. Trouxe capital, soluções tecnológicas e conhecimento moderno da Europa. O capital judeu (frequentemente apoiado por fundos sionistas) gradualmente deslocou os elementos feudais simplesmente comprando suas terras, e as regulamentações sionistas proibiram a revenda de terras aos árabes. Com vantagens financeiras e econômicas, a economia capitalista sionista impediu o surgimento de uma classe capitalista árabe. Ao confrontar os camponeses árabes ao expulsá-los de suas terras, o sionismo também impediu o surgimento de um proletariado no setor judaico da economia. Como o desenvolvimento capitalista do setor árabe foi atrasado e impedido, os camponeses (bem como a intelectualidade árabe) encontraram enormes dificuldades para encontrar emprego, exceto na administração do Mandato Britânico e nos serviços públicos. A estrutura social e econômica da Palestina árabe (que começou a se desenvolver em condições muito semelhantes às que prevaleciam na Síria) foi completamente distorcida pela colonização sionista. Essa distorção persiste até hoje.”

Como Enzo Dal Fitto coloca em sua interpretação do pensamento de Nicola:

“A necessidade de adquirir terras, às vezes comprando-as por um preço acima de seu valor, e de empregar judeus provenientes de sucessivas ondas de imigração justifica uma política racista baseada na exclusividade do emprego judaico no setor industrial e na proibição da venda de terras aos árabes. Esta política enfraqueceu as estruturas feudais da economia agrária ao mesmo tempo em que impediu a proletarização dos árabes devido à proibição de que várias empresas judaicas contratassem trabalhadores árabes. Nessas condições, o feudalismo começou a desaparecer sem que uma estrutura econômica capitalista pudesse se desenvolver. Essa estrutura econômica impediu o surgimento de um forte liderança política árabe.”

Este bloqueio ao desenvolvimento de uma sociedade de classes claramente diferenciadas, resultado da “distorção” exercida pela colonização sionista, teve profundas consequências para Nicola na configuração da superestrutura política palestina:

“A distorção socioeconômica se reflete na esfera política. Como a burguesia, o proletariado e o campesinato foram privados de um caminho normal de desenvolvimento, não conseguiram produzir partidos políticos ou líderes de calibre suficiente. A liderança política da Palestina árabe permaneceu nas mãos dos latifundiários que, apesar de se dissolverem como classe ao venderem suas terras aos sionistas, obtiveram enormes lucros financeiros por meio dessas transações.”

Para Nicola, com um profundo instinto “permanentista”, essa fraqueza da estrutura social palestina submetida ao jugo de um colonialismo de colonos faz com que a classe trabalhadora e o campesinato palestino necessitem urgentemente da intensificação da luta por sua libertação nacional em nível regional, unindo a classe trabalhadora árabe por trás da revolução anti-imperialista e socialista. A solidariedade sem fronteiras da classe trabalhadora árabe é o que pode oferecer apoio material, militar e político à causa palestina, se os trabalhadores e oprimidos se libertarem do jugo de seus próprios governos capitalistas e ditatoriais, em muitos casos.

Essa visão estratégica e profundamente internacionalista da aliança anti-imperialista do proletariado árabe, forjada no calor de uma demanda democrática radical como a causa palestina, com um horizonte socialista, está enraizada em uma concepção que transcende os quadros nacionais para pensar criativamente a questão da libertação nacional e dar-lhe uma saída não burguesa – presa nos limites do Estado-nação burguês – mas ancorada no internacionalismo proletário.

O internacionalismo proletário também se manifesta no entendimento que Nicola tinha da importância da aliança entre o proletariado árabe e israelense, o que foi parte das diferenças que dividiram o Partido Comunista desde seus primórdios, devido às enormes pressões nacionalistas exercidas sobre a esquerda israelense e palestina, tanto pelo sionismo como força contrarrevolucionária na região, quanto, em diferentes medidas, pelas direções nacionalistas ou fundamentalistas árabes, que não apresentam um projeto emancipador para a classe trabalhadora e oprimida, nem para as massas palestinas e árabes.

Para Nicola, foi fundamental compreender a estrutura socioeconômica do Estado sionista, que se diferencia de outros Estados coloniais por sua alta hierarquização interna de classes, com proletariado, classe média e burguesia bem definidos. Isso ocorre em um Estado que mantém também um sistema de apartheid contra a população árabe em Israel, formando uma massa de mão-de-obra barata sem direitos, por um lado, e utilizando setores da população civil armada em milícias para aterrorizar a população palestina e efetuar a usurpação de terras, por outro.

Nicola compreende o caráter “fascistizado” da sociedade israelense e a hegemonia ideológica do sionismo. No entanto, como diz Enzo Dal Fitto:

“O proletariado israelense é uma força potencialmente revolucionária que tem muito a ganhar se substituir a tutela do imperialismo pela cooperação e integração no mundo árabe circundante. Portanto, a análise de classes também deve permitir pensar na solidariedade de interesses entre os diferentes componentes do proletariado no Oriente Médio, e não apenas na diferenciação interna da estrutura de classes da Palestina árabe. Para Nicola, é necessário expor as tensões internas dentro do Estado de Israel que potencialmente poderiam destruí-lo de dentro para fora. N. Israeli, que assinou este texto, destaca a este respeito que o tratamento degradante reservado aos judeus orientais repatriados para Israel, para reforçar o domínio demográfico sionista nos territórios anexados e constituir uma mão-de-obra barata, discriminada em nome de sua “arabidade”, considerada ameaçadora pelas elites asquenazes, aproxima essa população proletarizada dos interesses da classe trabalhadora árabe: “muitos judeus orientais (que hoje representam quase 50% da população israelense) têm mais em comum com os árabes (cultura, tradição, idioma) do que com os judeus europeus; nada consolida essa população heterogênea além da ameaça externa à sua existência política (e física)”.

No entanto, Nicola não condicionava a luta contra o imperialismo e o sionismo à potencial aliança do proletariado israelense e palestino, ciente de que o proletariado israelense era a base social do Estado colonial e que qualquer política revolucionária que se desenvolvesse em seu seio implicava abraçar a luta pela autodeterminação palestina e a ruptura total da classe trabalhadora israelense com o sionismo. Mais ainda, para Nicola, a potencial aliança entre o proletariado judeu e palestino estava subordinada à tarefa mais importante da libertação palestina, que era forjar a unidade de objetivos do proletariado árabe no caminho do desmantelamento do Estado de Israel em uma perspectiva socialista:

“Os judeus israelenses são atualmente uma nação de opressores porque formam o Estado sionista de Israel, que é um posto avançado do imperialismo na região e que desempenha um papel opressivo e contrarrevolucionário contra a revolução árabe. Mas a revolução socialista árabe vitoriosa significa a derrota do sionismo e a destruição da estrutura completa do Estado sionista, a liquidação da dominação imperialista e sua influência no Oriente Médio, assim como a restauração dos direitos palestinos.”

Em 1963, Nicola juntou-se ao Matzpen, uma organização surgida como uma ruptura do Partido Comunista da Palestina. Nicola foi fundamental para moldar a ideologia política da organização e dar-lhe um caráter permanentista em suas propostas programáticas sobre a libertação palestina. Sob a influência de Nicola, a jovem organização fez uma avaliação profunda da responsabilidade da União Soviética no processo de colonização sionista e na criação de Israel e a partir daí realizou “uma análise sistemática da política sionista que caracterizou como uma política colonial e imperialista”.

Foi nos anos de fundação do Matzpen que a organização foi capaz de elaborar teoricamente sobre a fisionomia específica da revolução permanente na Palestina, destacando em seu programa a desionização das estruturas do Estado colonial no caminho de seu desmantelamento, a aliança do proletariado árabe e judeu com base na luta contra o doutrinamento sionista e, sobretudo, a necessária aliança regional do proletariado árabe, que é o sujeito da libertação palestina e regional contra o jugo do imperialismo em uma perspectiva socialista. 3

Mais de meio século se passou desde que a ONU decretou a fundação de Israel e grandes exemplos de luta de classes se desenvolveram no mundo árabe em diferentes ondas, com a causa palestina em segundo plano. As ideias de Nicola e a teoria da revolução permanente foram confirmadas pela negativa no auge do nacionalismo árabe, que traiu a causa palestina, e no surgimento das novas direções fundamentalistas.

Do nacionalismo árabe ao islã político

A criação do Estado de Israel desestabilizou dramaticamente a geopolítica do Oriente Médio e, acompanhada da penetração imperialista, exacerbou as tensões sociais que se manifestaram desde os anos 50 em lutas de classes e crises políticas. É nesse período que novos governos pós-coloniais emergem e diversas variantes de nacionalismos árabes são encarnadas em líderes políticos como o rei Faisal I do Iraque, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, Muammar Gaddafi, ou organizações como o Movimento Nacionalista Árabe, a Organização para a Libertação da Palestina ou o Partido Socialista Árabe Ba’ath. Essas direções foram hegemônicas até a guerra dos seis dias em 1967. Como Claudia Cinatti diz em “Islamismo político, anti-imperialismo e marxismo”:

“O contexto histórico da ascensão do islamismo é dado pela derrota árabe frente a Israel na guerra dos seis dias de 1967, que marcou o início da decadência irreversível dos regimes nacionalistas burgueses pós-coloniais que haviam assumido através de golpes de Estado com base popular na década de 50 nos principais países árabes. Em 6 de junho de 1967, o Estado de Israel lançou um ataque preventivo contra Egito, Síria e Jordânia. Em apenas seis dias, as tropas sionistas derrotaram os três países, ocupando a península do Sinai no Egito, as alturas do Golã na Síria, Jerusalém e a Transjordânia. O impacto foi tão intenso que na mesma noite da derrota, Nasser apresentou sua renúncia. Embora uma mobilização de milhões tenha mantido-o no poder, o nacionalismo nasserista já e stava esgotado. Nasser morreu em 1970 e seu sucessor, Anwar Sadat, iniciou um programa de abertura da economia e privatizações generalizadas que teve consequências catastróficas para a população, especialmente nos setores que haviam migrado maciçamente das zonas rurais para as principais cidades durante o auge do nasserismo e constituíam uma massa de pobres urbanos que povoavam as periferias.”

Em 1967, Israel derrotou Egito, Síria e Jordânia naquilo que ficou conhecido como “a guerra dos seis dias” com uma ofensiva militar para ocupar a península do Sinai. Essa derrota impôs a relação de forças necessária para que eventualmente o presidente egípcio Anwar Sadat assinasse os acordos de Camp David em 1978, sendo o primeiro país árabe a reconhecer o Estado sionista de Israel. De 1967 a 1973, a maioria dos países árabes foi cenário de intensos protestos contra os antigos governos nacionalistas que temporariamente fortaleceram organizações nacionalistas de esquerda, variantes do estalinismo ou seculares. Mas esse fenômeno foi muito efêmero e, diante da crise dos nacionalismos tradicionais, foram as organizações islâmicas cada vez mais politizadas que começaram a ganhar terreno entre a juventude árabe. Como diz Claudia Cinatti:

“…novas ou antigas organizações islamistas voltadas para a atividade política se fortaleceram entre a juventude desempregada, que constituía uma massa de pobres urbanos em países como Egito e Argélia, entre os estudantes universitários e setores da intelligentsia formada nos anos de grande acesso à educação superior, mas que não conseguia emprego. Comparadas às organizações tradicionais, estas haviam radicalizado seu discurso religioso e seus métodos de ação… O aumento da popularidade do Hamas, que lhe permitiu ganhar as eleições legislativas de janeiro de 2006 às custas do Al Fatah, é o exemplo mais evidente da debacle do nacionalismo burguês e de sua política conciliadora com o imperialismo e o Estado de Israel.”

Jabra Nicola tirou lições do papel dos nacionalismos árabes consistentes com sua visão da dinâmica da revolução permanente em conjunto. Nas “Teses sobre a revolução no Oriente Médio” escritas por Nicola e aprovadas pelo Matzpen, ele escreveu:

“Em 1948, foi criado o Estado sionista – colonialista de colonos – de Israel pela expulsão dos palestinos de seus lares. Eles foram dispersos pelos Estados árabes vizinhos, onde suas condições sociais foram refletidas em sua relegação a campos de refugiados. Embora os regimes dos Estados árabes proclamassem sua oposição ao Estado de Israel, na prática esses regimes não fizeram nada para recuperar o direito dos palestinos à sua pátria… Quando Nasser chegou ao poder, sua tentativa de substituir as massas por aparelhos estatais contra Israel manteve os palestinos, assim como os egípcios e outras massas árabes, imobilizados… A derrota dos exércitos árabes em junho de 1967 foi um golpe duro e abalou as massas árabes. A direção nasserista, na qual as massas árabes, incluindo os palestinos, haviam depositado suas esperanças na luta contra o imperialismo e o sionismo israelense, foi exposta pela debacle e mostrou-se incapaz de liderar a luta nem contra o imperialismo nem pela recuperação dos direitos dos palestinos à sua pátria. Como resultado, esses regimes foram abalados e sentiram o perigo de serem derrubados pelas massas que começaram a despertar para sua bancarrota.”

A revitalização e politização das organizações islâmicas que impactaram o Oriente Médio no final dos anos 60 e início dos anos 70 se manifestaram na Palestina – e no Líbano – tardiamente e adquiriram características particulares. Como Enzo Del Fitto escreveu sobre o surgimento do Hamas como uma liderança pequeno-burguesa que capturou os sentimentos de libertação palestina após as sucessivas traições das burguesias árabes:

“O Hamas representa a pequena burguesia religiosa, cuja luta tem como guia estratégico o “Islã revolucionário”, importado do Egito sob a influência da Irmandade Muçulmana e fortemente impregnado pela teologia política xiita iraniana, vitoriosa em 1979 após a derrubada do regime pró-imperialista de Reza Pahlavi e o estabelecimento de uma teocracia xiita sob a liderança de Khomeini, após a sangrenta repressão aos grupos comunistas e operários que participaram da revolução.”

Tanto o Hamas na Palestina quanto o Hezbollah no Líbano são organizações que lideram setores dos movimentos de libertação nacional e têm uma ampla base social e política eleitoral. Como Claudia Cinatti argumenta:

“Desde o final dos anos 60, a Organização para a Libertação da Palestina, hegemonizada pela fração nacionalista burguesa de Al Fatah, liderava a luta nacional palestina. As alas radicais do movimento, longe de se canalizarem pelo islamismo, tinham expressão em grupos de filiação marxista como a Frente Popular e a Frente Democrática para a Libertação da Palestina. Esse panorama dominado pelas lideranças seculares começou a mudar durante a primeira intifada de 1987, ano em que o xeque Ahmed Yassin, juntamente com outros da Irmandade Muçulmana instalados nos territórios palestinos, fundou o Movimento de Resistência Islâmica-Hamas.”

O Hamas fez sua primeira aparição pública em 1987, no contexto da Intifada que se espalhou por todos os territórios palestinos, protagonizada por jovens plebeus dos campos de refugiados e dos bairros urbanos. Claudia Cinatti argumenta que “a marca distintiva do Hamas foi dar ao ódio dos jovens palestinos um sentido religioso, para ’galvanizar os pobres como encarnação do verdadeiro povo, da Umma pura e sincera frente às elites laicas ’corrompidas’, orientando-se assim para a aliança com a burguesia piedosa”. Nos anos seguintes, a base social do Hamas se expandiu por toda a faixa de Gaza até que, em 2001, Ariel Sharon venceu as eleições presidenciais em Israel e iniciou uma nova ofensiva contra a Palestina, intensificando o cerco militar.

As Forças de Defesa de Israel, com Sharon à frente, avançaram sobre o território palestino e mantiveram Yasser Arafat em prisão domiciliar até sua morte. Seu sucessor à frente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, aprofundou a colaboração com a ocupação sionista e os Estados Unidos, enquanto a situação tornava-se insustentável para as massas palestinas. É neste contexto que o Hamas venceu as eleições de 2006 na faixa de Gaza. Como afirmou Claudia Cinatti em 2009:

“O Hamas capitalizou a decadência do nacionalismo burguês árabe, mantendo um discurso anti-americano e anti-israelense, sem sequer mencionar o estabelecimento de um Estado islâmico baseado na sharia. Mas além dos programas eleitorais circunstanciais e de manter a resistência contra a ocupação israelense, a estratégia de fundar um Estado confessional no território histórico palestino tem um caráter reacionário e é incapaz de proporcionar uma saída progressiva para as justas aspirações nacionais do povo palestino. A moral religiosa como valor absoluto e lei do Estado não apenas atenta contra liberdades democráticas elementares ao manter um instrumento de opressão social, mas também pretende ocultar que nas sociedades muçulmanas existem, como no ocidente, exploradores e explorados, e que a religião está a serviço de manter o domínio dos primeiros.”

O horizonte do Hamas de substituir o Estado de Israel por um Estado religioso não pode trazer a emancipação das massas árabes, muçulmanas ou posteriormente judaicas. Um Estado religioso como o do Irã não é apenas autoritário, mas também capitalista, dilacerado por profundas contradições de classe. Uma política independente da causa palestina requer, em primeiro lugar, uma política anti-imperialista e antissionista consistente, mas ao mesmo tempo também independente das burguesias árabes que utilizam a causa palestina como base de manobra para seus próprios interesses enquanto exploram o proletariado e os camponeses de seus países e, em muitos casos, oprimem a juventude, as mulheres, a comunidade LGBT e a esquerda.

O que os nacionalismos árabes têm em comum com as organizações islâmicas que fazem parte dos movimentos de resistência contra o sionismo com base popular, como o Hamas e o Hezbollah, é que ambos propõem acabar com a opressão sionista e imperialista sem tocar nas relações capitalistas de classe e nos interesses estruturais do imperialismo na região.

A Primavera Árabe

Em 17 de dezembro de 2010, Mohammed Bouazizi, um vendedor ambulante, foi despojado de sua mercadoria pela polícia e se imolou em protesto. Dezenas de milhares de tunisianos se rebelaram em homenagem a Bouazizi e contra as condições de fome e miséria impostas por décadas de neoliberalismo, exacerbadas pela Grande Recessão de 2008. Enquanto isso, Bouazizi lutava por sua vida no hospital. As massas dirigiram sua raiva contra a presidência autoritária de Abidine Ben Ali, que governava o país desde 1987. Bouazizi morreu em 4 de janeiro de 2011 e Ben Ali foi deposto pelo povo em 14 do mesmo mês.

A revolta tunisiana se espalhou como fogo pela região. No Egito, milhões de pessoas tomaram as ruas contra Hosni Mubarak, na Líbia contra Muammar Gaddafi, na Síria contra Bashar al-Assad e assim por diante em Argélia e até no Iêmen. Apesar das diferenças, muitos desses governos compartilhavam o fato de terem chegado ao poder com um programa nacionalista burguês no auge do nacionalismo árabe pós-colonial após a Segunda Guerra Mundial. Após as crises políticas e econômicas dos anos setenta, esses mesmos governos adotaram o neoliberalismo para aplicar rigorosamente as diretrizes dos Estados Unidos, com métodos cada vez mais opressivos e autoritários.

É claro que os países que se rebelaram durante o ciclo de revoltas da Primavera Árabe são diversos em termos sociais, políticos, religiosos, étnicos e suas estruturas econômicas são desiguais e diversas. No entanto, há muitas tendências históricas comuns a eles, e a Primavera Árabe expôs essa “unidade de problemas” que une a região. A crise de 2008, por exemplo, que se manifestou no aumento do preço dos alimentos, provocou uma crise alimentar em todo o norte da África. Na Tunísia e no Egito, os pobres urbanos organizaram revoltas por pão antes da Primavera Árabe e antes do início dos protestos contra Mubarak, a classe trabalhadora vinha passando por um processo de reorganização e luta contra os baixos salários em centros industriais muito importantes, como Mahalla el Kubra no Egito.

Os processos de luta de classes da Primavera Árabe tiveram diferentes graus de profundidade, envolvimento das massas e, em última análise, diferentes expressões em cada país. Foram processos de revolta contra ditaduras terríveis, mas que foram aproveitados pelo imperialismo para se livrar de parceiros que já não lhes serviam, intervindo militarmente, no caso da Líbia contra Kadafi e da Síria contra Assad.

No caso da Líbia, por exemplo, a revolta contra a ditadura de Kadafi, que desencadeou uma repressão brutal em resposta – por falta de uma liderança independente e baseada na auto-organização das massas – rapidamente foi utilizada pelo imperialismo para intervir diretamente com a OTAN, desencadeando uma guerra civil sangrenta e, consequentemente, uma maior subordinação ao imperialismo após a execução de Kadafi. Como afirmado no Manifesto por um Movimento pela Revolução Socialista, publicado em 2013 pela Fracção Trotskista:

“Nos casos de guerra civil aberta, como na Líbia, é insustentável separar a luta militar contra as ditaduras da luta contra o imperialismo, deixando em segundo plano qual classe hegemoniza o processo e qual é seu conteúdo social. A subordinação do político ao militar leva à confusão do sucesso da intervenção da OTAN na queda de Kadafi com um “triunfo” do movimento de massas, precisamente quando a política dos Estados Unidos e de outras potências é aproveitar os movimentos antiditatoriais para limitá-los, no máximo, a uma mudança de governo para conquistar novos aliados-clientes, e assim evitar que os processos adquiram uma dinâmica “permanente”, ou seja, que se elevem à luta contra o Estado burguês e o imperialismo. Na Síria, os mesmos que se posicionam acriticamente no “lado rebelde” repetem a mesma política, sem nenhuma delimitação ou estratégia independente das lideranças pró-imperialistas, sustentadas pelos aliados dos Estados Unidos.”

No Egito, um processo muito mais profundo e avançado se desenvolveu, com protagonismo da classe trabalhadora e setores radicalizados de trabalhadores que foram fundamentais para derrubar Mubarak e, em seguida, enfrentar as políticas neoliberais do governo islâmico moderado da Irmandade Muçulmana. No entanto, a atividade da classe trabalhadora e das massas, e a fragilidade do governo da Irmandade Muçulmana, ameaçavam o regime como um todo, então o exército deu um golpe de Estado com o apoio das principais lideranças da oposição burguesa. O resultado foi um governo autoritário totalmente alinhado aos interesses dos Estados Unidos. Como afirmado no manifesto citado anteriormente:

As organizações islâmicas moderadas que chegaram ao poder – como o partido Annahda na Tunísia e o destituído Partido Justiça e Liberdade no Egito – são forças burguesas que pregam uma mistura de rigor religioso, populismo clientelista e neoliberalismo econômico. A dinâmica do processo revolucionário egípcio demonstra que não há revolução democrática sem dar uma resposta definitiva às demandas relacionadas às condições de vida das massas, e estas últimas não podem ser alcançadas sem acabar com a opressão imperialista. Esta é a primeira questão democrática estrutural que a revolução deve resolver e só pode ser levada até o fim pela classe trabalhadora.

O ciclo de luta de classes conhecido coloquialmente como “Primavera Árabe” demonstrou a unidade econômica, cultural, histórica e social que une o proletariado árabe do Magreb até a Síria, não apenas por laços linguísticos, religiosos ou culturais, mas por uma história compartilhada de exploração, opressão imperialista e luta de classes.

Por outro lado, evidenciou o grande obstáculo que são as burguesias árabes e as organizações que colaboram com elas no caminho da luta anti-imperialista, e o papel reacionário desempenhado pelos Estados árabes que exploram e oprimem as massas trabalhadoras de seus próprios países, enquanto as utilizam como base de manobra para obter concessões da dominação imperialista.

Desde a revolta árabe e sua greve geral de nove meses contra a dominação britânica e a expansão sionista, passando pelas três heroicas intifadas, até os enormes processos de luta de classes nos países do Oriente Médio, como a Primavera Árabe, a greve geral em Israel e na Palestina em 2021, a única força social capaz de deter o genocídio e libertar a Palestina tem se feito presente, mas infelizmente, atuando sob a égide de lideranças e programas que não representam seus interesses históricos.

Desvendar esta história está a serviço de saber identificar que nossos amigos nesta luta e aqueles que podem pôr um fim à dominação imperialista são os trabalhadores e a juventude palestina, árabe e dos países imperialistas. Em momentos sombrios onde Israel e os Estados Unidos estão perpetrando um genocídio transmitido em tempo real e avançando brutalmente sobre Rafah, a convicção de Jabra Nicola de que a libertação palestina tem sido e pode ser o motor da revolução árabe rumo ao socialismo é mais relevante do que nunca.

 

Notas de rodapé

1. Estas três ideias centrais da teoria da revolução permanente estão concentradas nos seus três primeiros postulados: 1) A teoria da revolução permanente exige atualmente a maior atenção de todos os marxistas, uma vez que o curso da luta de classes e da luta ideológica deslocou de forma completa e definitiva a questão, retirando-a da esfera das lembranças de antigas divergências entre os marxistas russos para fazê-la versar sobre o caráter, o nexo interno e os métodos da revolução internacional em geral. 2) Com relação aos países de desenvolvimento burguês atrasado, e em particular aos coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a resolução integral e efetiva de seus fins democráticos e de sua emancipação nacional só pode ser concebida por meio da ditadura do proletariado, assumindo este o poder como líder da nação oprimida e, sobretudo, de suas massas camponesas. 3) O problema agrário, e com ele o problema nacional, atribui aos camponeses, que constituem a maioria esmagadora da população dos países atrasados, um lugar excepcional na revolução democrática. Sem a aliança do proletariado com os camponeses, os fins da revolução democrática não só não podem ser realizados, como nem sequer podem ser seriamente considerados. No entanto, a aliança dessas duas classes só é possível lutando irreconciliavelmente contra a influência da burguesia liberal-nacional.
2. Como Juan Dal Maso coloca em “A luta antimperialista, a tradição marxista e a teoria da revolução permanente”: “A Terceira Internacional distinguiu-se desde os seus primórdios por uma posição clara e contundente em apoio às lutas de libertação dos povos coloniais, oposta radicalmente ao eurocentrismo esquemático e pró-imperialista da socialdemocracia em sua decadência. Lênin baseou-se, para esta política de princípios, nos artigos de Marx sobre a Irlanda, escritos na década de 1870, e generalizou suas conclusões para todos os povos coloniais e nacionalidades oprimidas, incluindo em primeiro lugar aqueles que faziam parte do antigo império czarista. No entanto, esta posição de princípios, fundamental para orientar o apoio incondicional que o poder dos sovietes e a classe trabalhadora do Ocidente deveriam dar aos povos oprimidos, tinha um limite teórico e histórico.
3. Este não é um balanço exaustivo nem do pensamento de Nicola, nem da política do Matzpen. No caso do Matzpen, a organização foi ambígua em seu programa para uma Palestina livre e se recusou a adotar uma postura clara contra a solução de dois Estados. Mas o que queremos destacar deste momento de sua perspectiva e programa político – especialmente a perspectiva de Nicola – é a reivindicação da teoria da Revolução Permanente como bússola estratégica para a libertação palestina.
Carrinho de compras
Rolar para cima