André Barbieri
Neste sábado (15 de junho), com a presença de 800 pessoas, abriu suas portas a Casa Marx, casa socialista de cultura e política, e sede do Esquerda Diário em São Paulo. Em frente ao metrô Vila Madalena, o salão da nova livraria e café ficou lotado, transpirando entusiasmo pelas possibilidades de debate e organização que surgem com esse projeto.
Neste sábado (15 de junho), com a presença de 800 pessoas, abriu suas portas a Casa Marx, casa socialista de cultura e política, e sede do Esquerda Diário em São Paulo. Em frente ao metrô Vila Madalena, o salão da nova livraria e café ficou lotado, transpirando entusiasmo pelas possibilidades de debate e organização que surgem com esse projeto.
Fazendo jus ao nome, na nova livraria e café da Vila Madalena respirou-se marxismo, internacionalismo operário, revolução. “É o socialismo ou fim do mundo”, “tão importante quanto compreender o mundo, é lutar para transformá-lo”, “o capitalismo opera a devastação total da natureza e do ser humano: acabemos com o capitalismo”, “o legado de Marx é o legado da revolução”, “sem a herança do pensamento de Marx, é impossível pensar a emancipação humana”. Ecoou pela Casa Marx a reivindicação do legado teórico revolucionário de Marx e Engels, e também dos grandes marxistas do século XX – como Lênin, Trótski, Gramsci, Rosa Luxemburgo – para pensar os grandes desafios de transformação da nossa época contra o capitalismo, e desmistificar o senso comum de que seria mais fácil o fim do mundo que o fim do capitalismo, restaurando um imaginário comunista que represente aquele “movimento real que anula e supera o estado de coisas atual”, limpo da tragédia contrarrevolucionária do stalinismo.
Na Casa Marx, ecoou a luta internacional em defesa do povo palestino contra o genocídio do Estado de Israel, a batalha pela emancipação do Haiti de toda interferência do imperialismo, a luta dos trabalhadores argentinos contra a extrema direita de Javier Milei e seu regime repressivo, que persegue todos os que se enfrentam com seus ajustes ultraliberais. Assim também, o apoio a todas as greves em curso, em especial a brava greve das universidades e institutos federais contra a intransigência do governo Lula-Alckmin, o governo do arcabouço (ou “calabouço”) fiscal neoliberal. Destacadamente pela situação política atual, a batalha intransigente contra o PL 1904, o infame projeto de lei da gravidez infantil, levada adiante por Artur Lira e distintos partidos da extrema direita, apoiado inclusive pela base de apoio do governo federal, que busca criminalizar penalmente as mulheres e crianças por desejarem interromper a gravidez – uma barbaridade num país que em todos os governos viu negado o direito ao aborto legal, seguro e gratuito.
A Casa Marx foi lançada como uma trincheira para colaborar no impulso da luta dos trabalhadores e todos os setores oprimidos, em cada uma dessas manifestações contra a barbárie capitalista.
Diversas das ideias debatidas no lançamento estão cristalizadas nas obras publicadas pelas editoras presentes na Casa Marx, como a Boitempo, Editora 34, Anita Garibaldi, Elefante, Veneta, Expressão Popular, Sundermann, e a própria editora Iskra, dentre outras.
O lançamento contou com a participação da Companhia Estudo de Cena – Teatro e Vídeo Anticapitalista, que apresentou a intervenção artística Rastro Vermelho, que conta através de relatos poéticos, incluindo narrativas palestinas, a necessidade de combater o capitalismo para a construção de uma sociedade superior.
O público do lançamento recebeu as saudações de distintos ativistas, lutadores e intelectuais, como Ricardo Antunes, Plínio de Arruda Sampaio Jr., Fedo Bacourt, Jorge Souto Maior, Irene Maestro, Jorge Grespan, Antonio Rago, Lincoln Secco, Maria Cristina Quirino, Soraya Misleh, as presenças de Ivana Jinkings, Claudia Mazzei, Giovanna Magalhães, além da presença especial de Alejandro Vilca, gari socialista de origem kolla, deputado federal pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade na Argentina.
Como disse o professor aposentado de economia da Unicamp, Plínio de Arruda Sampaio Jr., “a direita se enfrenta com a bandeira do comunismo e com a luta na rua, e essa é a tarefa da Casa Marx, de fomentar o bom debate, de aglutinar a esquerda contra a ordem burguesa”. Saudando a iniciativa da livraria-café, Lincoln Secco, professor de História da USP, afirmou que a “Casa Marx é um centro de encontros, sociabilidade, de estudos e de divulgação do pensamento de Marx, cuja teoria propõe aos movimentos da classe trabalhadora quais são os seus objetivos finais, e não apenas objetivos parciais”.
Como parte dos combates contra a brutalidade da exploração capitalista e projetos de lei precarizadores como o PL da Uberização, Ricardo Antunes, professor de sociologia da Unicamp, disse que: “o mundo do capital funciona como um pêndulo, você tem a direita liberal e a esquerda dentro da ordem, a direita liberal devasta o mundo, e a esquerda dentro da ordem vai tentar consertar o mundo para o capital, como é o caso do PT no Brasil […] Quem radicaliza a luta hoje é a extrema direita, e como é que nós chegamos a uma proposta radical? Partindo do Marx. Não significa que Marx responde tudo, mas sem o Marx não há a possibilidade da emancipação humana”.
Por sua vez, o professor de Direito da USP, Jorge Souto Maior, afirmou que: “A Casa Marx colabora para a discussão de um projeto de sociedade compatível com os seres humanos, uma sociedade socialista, a fim de sairmos da órbita de certa esquerda que administra o capital com as suas conciliações que nos deixam dentro da barbárie capitalista”. Afonso Machado, escritor e historiador, saudou o espírito de liberdade e conspiração que a Casa Marx traz para a discussão política e artística em São Paulo, dizendo que seu objetivo é “reunir os artistas libertários, as mentes inquietas, os espíritos inconformistas […] O marxismo oferece uma concepção consistente e revolucionária da história, e serve aos jovens e artistas para entenderem que a revolução socialista é a única via para a construção de uma nova cultura”.
A luta dos trabalhadores, das mulheres e da juventude contra todas as opressões, de gênero, raça e etnia, esteve presente em todas as saudações. Em particular, ressoou pelo salão da livraria o canto dos atos nacionais contra o PL 1904, “nesse dia se escuta um só grito, aborto legal, seguro e gratuito!”. Sobre o tema, Maíra Machado disse que “O PL 1904 vai criminalizar as mulheres, pessoas com útero e meninas que sofrerem uma violação como o estupro. São 20 anos de reclusão para quem fizer o aborto depois da 22º semana de gestação. A maioria que faz o aborto nesse período são meninas entre 8 e 14 anos, por isso esse é o PL da gravidez infantil. O PT foi parte da articulação com Arthur Lira de uma votação simbólica que serve para poupar os deputados em relação ao seu voto, ou seja, a extrema direita e a base aliada do governo podem votar a favor desse ataque. É escandaloso, mas não surpreende, já alianças do PT com os setores mais reacionários se fortaleceram em seus 13 anos de governo e o aborto não foi legalizado, agora a frente ampla Lula-Alckmin faz ainda mais conchavo com a direita. Nossa organização deve ser independente do governo.”
Da mesma maneira, o rechaço aos assassinatos por parte do aparato repressivo do Estado ficou marcado com a exigência de justiça a todas as vítimas da violência policial, assim como do fim da polícia em todo o mundo.
Cristina Quirino, do Movimento Os 9 Que Perdemos, das mães e familiares de vítimas do assassinato policial em Paraisópolis, disse que: “Desde que tive meu filho arrancado pela polícia, me tornei uma revolucionária nesse mundo. Minha luta não é solitária, não pode ser solitária, é uma luta coletiva. Eu demorei muito para entender a importância da coletividade, e quando eu me encontrei com vocês eu entendi essa necessidade […] Precisamos exigir o fim do genocídio na Palestina, no Haiti e no mundo inteiro. Tive meu filho arrancado de mim, e não vou descansar nessa terra até eu ver que essa revolução aconteceu”.
Fedo Bacourt, coordenador da União Social dos Imigrantes Haitianos: “No Haiti houve uma revolução que colocou medo na cabeça de todos aqueles que mantinham escravos em seus países, e o Brasil também teve escravos. Me somo à luta dos argentinos contra a perseguição do Estado aos que lutam, à luta da companheira Cris, para exigir o fim da polícia no Brasil e no mundo inteiro, exigimos o fim de todas as ocupações e missões militares no mundo, por exemplo como aquela que os Estados Unidos e a ONU querem enviar ao Quênia, com os quais os haitianos não concordam de jeito nenhum, porque passamos 13 anos sob a opressão da MINUSTAH”.
A necessidade de uma esquerda contra a ordem, de independência de classe, atravessou toda a atividade. No Brasil e no mundo, o crescimento da extrema direita foi fomentado por governos ditos “progressistas”, mas que abriram o caminho à reação conservadora da direita com sua estratégia de conciliação de classes. Esse é o caso do PT no Brasil, cujo governo Lula aplica o arcabouço fiscal arrochando os trabalhadores, ataca os grevistas das universidades e institutos federais enquanto enche de dinheiro os militares e o agronegócio, mantém alianças com partidos reacionários e pactos de governabilidade com figuras como Tarcísio de Freitas, que quer privatizar os serviços públicos como o metrô e as escolas estaduais.
Sobre isso, Grazi Rodrigues, professora da rede estadual e municipal de São Paulo, e pré-candidata do MRT nas eleições legislativas na cidade, afirmou que: “A Casa Marx chega em boa hora aqui em São Paulo, num momento onde temos de nos organizar para conseguir enfrentar o nefasto projeto do Tarcísio no governo do estado e do Nunes à nível municipal. E a minha pré-candidatura, que é um projeto coletivo e militante do MRT, da juventude, de todo povo trabalhador, vai estar a serviço dessa luta contra o Tarcísio e também contra o Nunes em São Paulo. Mas a gente vai construir ela por um caminho de independência política e de classes, por isso é também uma alternativa à política de conciliação que têm fortalecido a extrema-direita e que leva a alianças tão bizarras como a que a gente tá vendo entre o Boulos e a golpista Marta Suplicy – que ajudou a aprovar a Reforma Trabalhista, que não representa as meninas e as mulheres que tão saindo às ruas contra o absurdo PL da gravidez infantil”.
Alejandro Vilca, dirigente do PTS (organização irmã do MRT na Argentina) disse que: “Muitos dizem que a direita cresce, mas a direita chega ao poder não só pela ajuda dos grandes empresários, mas também pelo fracasso daqueles governos que se dizem progressistas e revolucionários, mas que administravam os interesses da grande burguesia […] mas também vemos que os trabalhadores e os povos estão se colocando de pé para enfrentar esses governos da direita, como na Argentina contra Javier Milei, e nos acampamentos de toda a juventude internacional em defesa do povo palestino contra o genocídio dos sionistas em Gaza”. Concluiu dizendo que “O capitalismo não tem nada para nos oferecer. Para acabar com ele temos de construir um partido revolucionário dos trabalhadores, um partido que seja uma pena que incline a balança histórica e abra uma amanhã para o conjunto dos povos oprimidos do mundo”.
Diana Assunção, fundadora do grupo de mulheres Pão e Rosas e dirigente nacional do MRT, finalizou o momento das saudações: “Acreditamos que essa Casa contribui para a batalha que está colocada para nós na atualidade que é enfrentar uma ideologia dominante que faz com que seja mais fácil acreditar no fim do mundo do que no fim do capitalismo. Nós ao contrário, queremos afiar as armas da crítica para demonstrar que o comunismo é a saída para a humanidade e para a natureza. Por isso queremos que seja um polo de ideias marxistas, resgatando não somente as obras de Marx mas também o mais avançado do socialismo internacional do século XX como Lênin, Trótski, Gramsci e Rosa Luxemburgo. Por isso a Casa Marx se dirige também à intelectualidade que está convocada mais uma vez, como vimos inclusive nos primeiros governos do PT, a ser uma trincheira de ideias para uma oposição de esquerda para enfrentar a extrema direita e o autoritarismo judiciário”.
Depois das saudações, a Casa Marx se transformou em palco de música de ao vivo, com a apresentação de artistas como Haroldo Oliveira, Jorge Marciano e Projeto New Standards, Ilumy Nath e Querubas.
É com essa energia que lançamos a Casa Marx, e com a qual queremos fazer os grandes debates da esquerda atual, e organizar nossa luta independente. O espaço da Casa Marx está a serviço de debater e organizar nossos combates. Um espaço de organização, estudo e preparação das lutas contra o capitalismo, de unificação e articulação das nossas batalhas cotidianas e de debates marxistas, com atividades culturais e artísticas, cursos, cinema, grupos de estudos e muito mais. Convidamos todos, todas e todes a construir esse projeto junto conosco.