Redação
Entrevistamos Fernando Bonadia, licenciado em Pedagogia (2002) e Filosofia (2010) pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), atualmente professor de Filosofia da Educação no Departamento de Filosofia e História da Educação (DEFHE) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
1. Em um artigo de agosto de 2022 chamado “MEC – um escândalo histórico” você faz um resgate do histórico do MEC desde sua fundação em 1953 e o chama de “balcão histórico de negócios”. Poderia retomar essa análise e explicar porque classificou o ministério dessa forma?
Naquela ocasião havia sido revelado mais um escândalo de corrupção no Ministério da Educação (MEC), um escândalo que hoje em dia, pela recorrência de escândalos nacionais de diversos tipos, já está esquecido. Tratava-se da acusação feita contra o então ministro da educação, Milton Ribeiro, de operar um verdadeiro “balcão de negócios” na liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Milton Ribeiro e políticos do centrão (que eu sempre prefiro chamar de “direitão”, para fazer corresponder melhor o nome à coisa) eram acusados de tráfico de influência. Eles chegaram até a pedir propina em ouro a prefeitos para favorecer o acesso aos recursos. Hoje em dia, aliás, somos informados sobre o escândalo das joias que envolve o governo Bolsonaro, mas quase ninguém se lembra da corrupção no MEC.
Pois bem, minha intenção foi explicitar como o MEC opera historicamente como um “balcão de negócios”, uma expressão, inclusive, muito usada pela mídia para designar a acusação de fraude contra Milton Ribeiro. Eu estava inspirado na época por duas referências. A primeira era de Lauro de Oliveira Lima que, no prefácio ao livro de Márcio Moreira Alves, Beabá dos MEC-USAID 1, explicou como a discussão sobre os ilegítimos acordos travados pelo ministério de então acabava por negligenciar um aspecto fundamental que dali em diante comprometeria o futuro da educação brasileira: a conversão do MEC em “mera pagadoria de verbas a instituições”. A segunda referência era um artigo de Marilena Chaui publicado em 1981, intitulado “A democracia como conquista”, que apontava como a educação brasileira cada vez mais se tornava menos um assunto do MEC e mais um “apêndice do Ministério do Planejamento” 2. Embora saibamos que o MEC não se limite hoje apenas a ser um transferidor de recursos, e não possa, além disso, ser resumido a um simples apêndice do Ministério do Planejamento, aquela situação de corrupção nos recursos do FNDE era, realmente, a chance perfeita para indicar como devia ser feita toda uma reestruturação na política nacional que transformasse por completo os propósitos e as práticas do ministério.
Portanto, minha ideia foi mostrar que o MEC é um escândalo histórico, definindo suas políticas e suas práticas pelos interesses do mercado, seja qual for o mercado: o dos “novos evangelizadores”, encabeçado pelo pastor Milton Ribeiro no governo Bolsonaro, ou o dos empresários, das fundações e organizações cujos interesses atravessaram os governos petistas e de Michel Temer. Lícita ou ilicitamente, cuidar das questões da educação em um balcão de negócios não vai resolver nossos problemas.
Foto do professor entrevistado.
2. Partindo da pergunta anterior, como você avalia o MEC durante o atual governo de Frente Ampla de Lula-Alckmin, chefiado por Camilo Santana? O MEC deixou de ser um “balcão histórico de negócios”? Existem continuidades entre o atual MEC e o MEC dos governos pós-golpe de 2016? É possível fazer comparações com os governos anteriores do PT?
O MEC não deixou de ser um balcão de negócios e nem poderá deixar de ser enquanto não houver uma profunda transformação política no país, uma transformação que faça com que docentes e estudantes (muito mais do que especialistas e pseudo-especialistas) tenham papel central na definição das políticas públicas no campo da educação. É preciso colocar fim à estrutura social que requer para o ministério a presença de economistas, gestores e burocratas da educação. Enquanto essa estrutura social não for alterada, os verdadeiros conhecedores do campo educacional jamais conseguirão fazer algo que sirva efetivamente para o bem da educação brasileira.
O atual ministério responde, em primeiro lugar, a uma “frente ampla” que eu prefiro chamar de “direita ampla”, já que tenta atender aos objetivos da chamada democracia liberal, e não ao que seriam as metas de uma democracia radical, como a que exige o Brasil. Por isso, Camilo Santana serve ao continuísmo da atuação do MEC nos mesmos moldes dos governos precedentes, disfarçando as marcas que evidenciam o verdadeiro e histórico caráter do ministério: administrar as desigualdades educacionais do país. O atual ministro cairia bem a um governo de estilo tucano, como o que empreendeu no governo do Ceará. Camilo, assim como Haddad, embora tenha desenvolvido atividade de professor, ao que tudo indica, é inequivocamente um gestor.
Em virtude dessa forma organizacional que o ministério assume, nada difere, em essência, Haddad e Camilo de um pastor como Milton Ribeiro ou de um burocrata da educação como Renato Janine Ribeiro, que mesmo sendo professor, como foi Aluízio Mercadante (ambos ministros do governo Dilma), respondia a uma administração toda centrada em atender aos reclames de um mercado cada vez mais selvagem. O livro de Renato Janine Ribeiro, A pátria educadora em colapso 3, evidencia muito bem como é a vida de um cidadão que assume o MEC: é preciso lidar, muitas vezes, com o dinheiro que não chega às mãos, com as promessas que não fez, com as crises internas de cada governo e com as pressões da opinião pública. O que muda entre as gestões petistas anteriores e a atual só pode ser mesmo a forma como cada uma delas lida com a necessidade de manejar as desigualdades, mantendo, entretanto, a aparência de democratização do ensino. O que muda é a maneira como cada ministro estabelece o discurso de “agora vai” da educação brasileira.
Não quero dar a impressão – devo ressaltar – de que em meio a todo esse continuísmo, mudanças importantes não sejam feitas na forma da educação em todo país, afinal, se o padrão de exploração da classe trabalhadora requer transformações e atualizações, a educação estabelecida dentro do modo de produção capitalista precisa sempre acompanhá-las, naturalmente. O que desejo frisar é a permanência de uma mesma lógica de funcionamento dentro do Ministério, contra a qual, no fundo, é preciso antes de tudo lutar.
3. A reforma do Novo Ensino Médio, que mantém todos os ataques à educação, foi aprovada no congresso, tendo sido aprovada com vetos pela presidência da república. Como você avalia essa “reforma da reforma”?
O assunto é recente. No momento em que respondo, Lula acaba de sancionar o que agora é a Lei n. 14.945, de 31 de julho de 2024. O Projeto de Lei n. 5023/2023 que deu origem a ela, nasceu na Câmara, foi para o Senado, onde sofreu várias alterações, e acabou aprovado novamente na Câmara da pior forma possível com a intransigência do relator, o sr. Mendonça Filho, e do presidente da casa, o sr. Arthur Lira.
Mesmo sabendo que o texto da reforma do Novo Ensino Médio mantém os ataques à educação, seria conveniente ouvir, em primeiro lugar, professoras e professores sobre o efetivo significado das mudanças propostas. O que se ouve, por todos os lados, são as vozes da mídia que chama especialistas ora progressistas, ora de direita para darem seus palpites. Os primeiros – contraditoriamente – afirmam que a reforma atual desfaz as principais distorções do ensino médio posto em curso desde 2022, mas mantém e agrava, por outro lado, as condições que as escolas brasileiras públicas terão para dar conta daquilo que os estudantes precisam conhecer. Especialistas de direita dizem que o texto aprovado corrigirá as distorções da forma atual do ensino sem desfazer os “avanços” obtidos. Infelizmente, a posição da direita coincide com a do governo, que não discutiu seriamente a revogação, tão desejada pela sociedade. Uma coisa, contudo, é preciso destacar: a “reforma da reforma” não muda o que é essencial, pois não se faz a partir de um grande e profundo debate nacional com a participação de docentes, de discentes e de toda a comunidade.
Eu avalio, portanto, que à esquerda, cabe perguntar e lutar. Continuamos a perguntar: quem escolheu dividir o aprendizado em disciplinas obrigatórias e itinerários formativos ou trilhas de aprendizagem? Quem definiu as cargas horárias? Quem optou pela exclusão de Espanhol como disciplina obrigatória? Qual foi o “amplo” setor da sociedade que reivindicou – conforme assegura o §4 do artigo 35-B da lei sancionada por Lula – que “para fins de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, em regime excepcional, os sistemas de ensino poderão reconhecer aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares” que envolvam “experiência de estágio, programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho voluntário supervisionado”? Antes de tudo, interessa saber: quem decidiu, lá nos anos 90, que a educação precisaria estar fundada em “competências e habilidades”, um jargão transposto acriticamente da administração de empresas para a escola?
Na “mensagem ao veto” (Mensagem n. 736, de 31 de julho de 2024), entendemos que o presidente veta (1) que os itinerários formativos sejam incorporados ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), pois isso “poderia comprometer a equivalência das provas, afetar as condições de isonomia na participação dos processos seletivos e aprofundar as desigualdades de acesso ao ensino superior” e (2) que a incorporação dos itinerários formativos nas provas do ENEM seja feita a partir de 2027. A “Mensagem” ressalta que, para o primeiro veto, foram ouvidos os ministérios da Educação, dos Direitos Humanos e da Cidadania, dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial; para o segundo, foi ouvido apenas o Ministério da Educação. Será que o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania se posicionou contrariamente à possibilidade de passar a haver reconhecimento de “aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares” que envolvam “experiência de estágio, programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho voluntário supervisionado”? Houve quem contrariasse a lógica de empregar para despolitizar e despolitizar para empregar? A preocupação do sr. Camilo Santana com a equivalência das provas, a isonomia na participação dos exames e o crescimento da desigualdade de acesso à universidade não se estende à reforma inteira?
Não há como negar que traz alguma tranquilidade ler nas diversas mídias que as disciplinas obrigatórias para todos os anos do ensino médio voltarão a incluir português, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza (biologia, física, química) e ciências humanas (filosofia, geografia, história, sociologia). Mas como essas disciplinas serão trabalhadas? Quais professoras e professores vão reassumir disciplinas e aulas perdidas há anos? Quais condições terão para isso?
Avalio que à esquerda cabe, porém, mais do que perguntar. É necessário continuar lutando pela transformação da sociedade e da educação brasileira, fomentando precisamente aquilo que a reforma – autoritariamente proposta em 2017 – visava destruir: a auto-organização de estudantes que cada vez mais mostravam, por meio de atos de rua e de ocupações de escolas, sua capacidade e disposição de participar incisivamente das decisões políticas. Não se pode recair no erro escolanovista de pensar que uma reforma educacional descolada de uma radical transformação social (e fabulada meramente por “mentes brilhantes”) produzirá o efeito desejado em um país com enormes e históricas desigualdades. É necessário pensar, ao contrário, naquilo que Jorge Nagle descreveu em seu livro A reforma e o ensino 4 como a melhor das reformas possíveis e que viria a ser, no meu entender, uma verdadeira revolução: uma reforma que encontrasse, “no seu próprio dinamismo, os recursos para sua contínua reformulação”.
4. O governador de SP de extrema-direita Tarcísio de Freitas, junto à Feder (ex-secretário de educação do Paraná e atual de SP), tem se mostrado a vanguarda do atraso na aplicação de duros ataques à educação estadual. Dentre eles estão a privatização da administração de 33 escolas estaduais (com ajuda do governo federal via BNDS), a plataformização da educação e a reacionária implantação das escolas cívico-militares (tema no qual você tem observado com atenção). Poderia nos comentar sobre esses ataques em São Paulo?
Embora alguns amigos e algumas amigas pesquisadoras destaquem com mais ênfase as novidades e as mudanças efetivadas nas atuais alterações da educação brasileira, eu ainda insisto em ressaltar as permanências e as repetições de um mesmo modelo político-educacional que abarca todas estas alterações. Não penso, aliás, que essas duas formas de conceber sejam contraditórias; são – assim eu entendo – complementares.
De fato, diferentemente da reforma escolar da ditadura (Lei nº 5692/1971) que teve São Paulo como a vanguarda do atraso na assunção das medidas autoritárias e tecnicistas então implementadas 5, hoje São Paulo divide o protagonismo com outros estados. A professora Carolina Catini, em texto publicado na página Passa Palavra 6, com razão assinala o adiantamento do Estado da Paraíba no avanço do empreendedorismo e da financeirização da educação com seu programa “Primeira Chance”, no qual jovens trabalham em empresas ditas “parceiras” das escolas em um dos turnos, recebendo dinheiro do Estado. Tudo isso, evidentemente, está de acordo com o §4 do artigo 35-B da Lei n. 14.945 que acima mencionei. A Lei nº 5692/1971 não foi certamente tão longe, mas a proposta de profissionalização do ensino que ela sustentava correspondia, naquele então, ao modo como os objetivos da educação brasileira estavam postos no balcão de negócios educacionais da época.
Cientes disso, podemos avaliar o tema da privatização da gestão de escolas estaduais, a plataformização do ensino e a implantação de escolas cívico-militares.
Quanto ao primeiro ponto, São Paulo teve histórica e politicamente posição de vanguarda, afinal, foram sempre pessoas com mentalidade de gestão paulista e notadamente privatista que assumiram, no plano federal, a administração da educação brasileira. Observamos o caso do ex-ministro da educação, Paulo Renato de Souza, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e, depois, o da ex-secretária da educação do Estado de São Paulo e ex-secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães, que esteve à frente do ministério de Mendonça Filho durante o governo Michel Temer. No caso das 33 escolas que se planeja terem a gestão privatizada, reconhecemos como antecessor o Estado do Paraná, de onde veio Renato Feder e sua equipe. Mas o efetivo pioneirismo de parcerias público-privadas (PPP) como esta que agora discutimos era já, desde o PROUNI (2005), iniciativa petista. Haddad, em entrevista ao Instituto Unibanco em 2015, declarou com orgulho que foi ele um dos autores da minuta do projeto de lei do PROUNI, “a primeira grande PPP do governo Lula”. A partir disso, fica evidente como não deve causar surpresa a ninguém (embora cause muita decepção) que o governo federal de hoje também esteja envolvido no que está em curso no Estado de São Paulo governado por Tarcísio de Freitas.
Quanto ao segundo ponto, a plataformização, o Paraná aparece até mesmo antes de São Paulo na dianteira do atraso. Desde 2022 o Paraná plataformizou seu ensino 7, levando às últimas consequências o ideal tecnicista dos nossos velhos ditadores. Se, há décadas, B. F. Skinner inventou a “máquina de ensinar”, hoje, o que era para ele uma utopia, converte-se em realidade. A plataformização do ensino e das relações de ensino expressa uma espécie de neotecnicismo precário que conduz não só ao fim da autonomia docente, mas também ao aumento gigantesco da desigualdade educacional.
São três características que definem o tecnicismo pedagógico: (1) a base de uma psicologia comportamental, (2) a marca positivista das didáticas e das avaliações, bem como (3) o traço decisivamente economicista de compreensão da escola como empresa que promove o capital humano. Ora, atualmente, a base comportamentalista da escola plataformizada se agiganta de tal forma que os estudantes são condicionados a tarefas e correções milimetricamente coordenadas pela máquina sob a forma de um controle rígido, que não é – diga-se de passagem – recomendado por nenhuma das mais recentes descobertas da psicologia da aprendizagem; a orientação positivista da didática e o objetivismo das avaliações mantêm docentes e discentes em elevado grau de exaustão e estresse frente às máquinas, seja fazendo exercícios, seja corrigindo ou planejando; e a lógica economicista que produz, organiza e dissemina essas plataformas com seus recursos tecnológicos movimentam muito mais o capital do que se podia imaginar no passado.
Sobre o último ponto, a implantação das escolas cívico-militares, no qual o Estado de Goiás teve, se não me engano, grande pioneirismo, muito tem sido escrito sobre seu caráter privatizante, bem como sobre seu registro especificamente militar. Gostaria, portanto, de colocar ênfase sobre o termo a que poucas pessoas têm dado atenção: o “cívico” da expressão “cívico-militar”, a partir de uma breve comparação entre o decreto-lei n. 869, de 12 de setembro de 1969, que instituiu durante a ditadura a disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC), e o Decreto n. 10.004, de 5 de setembro de 2019, que instituiu o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (PECIM). Exatos cinquenta anos separam estes dois documentos legais, mas a similaridade entre eles vai muito além de terem sido promulgados no mesmo mês com meio século preciso de diferença. Os termos que instituíram a EMC se repetem no PECIM (ambos atualmente revogados). Neles aparecem como estruturais as ideias vagas de uma educação voltada para os valores e para as atitudes, para a cidadania, para a integração da comunidade e para boas práticas de vida. Tais similaridades indicam como os dois documentos visavam fortalecer ideais de hierarquização escolar, de obediência severa e de desarticulação de movimentos estudantis. Como em breve pretendo publicar neste site um artigo exclusivamente destinado ao tema, não avançarei muito nessa discussão. Limito-me a observar como isso revela uma busca por reviver o mito fundador do Brasil como uma sociedade ordenada e direcionada ao progresso, apresentando a militarização como se fosse a mais autêntica e preciosa salvação da pátria.
5. Neste ano, vivenciamos greves e mobilizações na educação, como a greve das universidades federais, a luta dos professores no Ceará, a luta de estudantes secundaristas e professores contra a privatização no Paraná, a greve dos professores municipais de São Paulo e as mobilizações dos professores estaduais contra os ataques de Tarcísio. Como você avalia as formas de resistência de professores e estudantes diante de tantos ataques à educação?
Em maio de 2021, no decorrer de uma insurreição na Colômbia promovida por uma maioria de jovens ainda no contexto da pandemia de Covid-19, um articulista brasileiro se perguntava “Por que aqui não?”, referindo-se a certa inércia de jovens e estudantes do Brasil, fato que contrastava, naquela época, com a enorme mobilização colombiana. Em resposta, escrevi o texto “Por que aqui tanto?” (A terra é redonda, 2021), recordando ao articulista a quantidade de vezes que, nas últimas décadas, a juventude e o povo como um todo se levantaram contra o poder instituído. E não param de se levantar. A última grande agitação política no Brasil, se bem me lembro, foi o chamado “tsunami da educação” em 2019.
Penso, contudo, que depois de junho de 2013, e também depois da pandemia de Covid-19, não bastam mais apenas greves e atos de rua. A recusa ao trabalho presencial vem sendo facilmente substituída, pelo menos nas universidades, por aulas remotas; os atos de rua, sem qualquer estratégia preliminar estabelecida, são tranquilamente dispersados pelas polícias. Portanto, de todos os instrumentos de luta que hoje estão dados, entendo que o melhor deles seja a ocupação, que estabelece uma dinâmica assembleísta e horizontal, pela qual todos são efetivamente chamados à participação e participam como em um fluxo natural ou espontâneo de atividades.
Eu não estava mais lecionando na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro quando eclodiram as greves deste ano, pois tinha acabado de me vincular à UNICAMP. Não pude, portanto, sentir, de dentro, como foram as mobilizações e quais potenciais combativos elas despertaram. Sinto também que é delicado tratar de fatos sobre os quais não tenho dados certos, mas as experiências mais ricas de que tive notícia se deram em universidades nas quais foram estudantes de graduação e pós-graduação que deram o tom e, de forma mais acentuada, agitaram o corpo docente para as causas do movimento. Num país em que as decisões da política educacional são tomadas sempre unilateralmente, há sempre motivo para o corpo estudantil resistir e combater; há sempre uma luta de vida ou morte a ser travada.
Acredito que são as ações estudantis as que mais sucesso tiveram nos últimos tempos. As ocupações contra o fechamento das escolas no Estado de São Paulo que completarão dez anos em 2025 ainda configuram, para mim, um exemplo lapidar de como a luta política na escola e na universidade pode conseguir sensibilizar a comunidade e ganhar força, conquistando as pautas da grande imprensa e causando o temor das instâncias políticas. O dilema, desde sempre, consiste em saber como convencer a sociedade de que a luta por uma educação pública e democrática com qualidade social é uma luta de todo mundo, ao mesmo tempo em que, por outro lado, a universidade e a escola se mantêm continuamente apartadas da vida comum. As ocupações me parecem uma espécie de curto-circuito neste circuito de exclusão.
Continuo, porém, acreditando nas greves, independentemente de como se realizem, afinal, em toda mobilização grevista se abre um espaço para a contingência, e coisas novas podem vir à tona. Não me esqueço de uma greve na Unicamp, ocorrida há tempos, quando estudantes alienados das políticas universitárias foram incitados por docentes e pela coordenação de seus cursos a tomarem parte nas assembleias e pressionarem com votos contrários à permanência do movimento. Esse grupo compareceu a uma das assembleias e, tomando conhecimento do que estava ocorrendo contra a universidade, mudaram de posição e apoiaram intensamente as reivindicações que estavam em pauta. É um pouco disso que toda greve (ou toda boa greve) pode e deve promover.
Notas de rodapé